Economia mundial ainda sem céu de brigadeiro.

Muito tem se falado ultimamente que a economia mundial estaria às portas de outra fase áurea .A consolidação de níveis mais pujantes de expansão econômica nos Estados Unidos, a gradual estabilização da Europa, que também estaria prestes a voltar a crescer, e as reformas em andamento na China e no Japão seriam as bases sobre as quais o mundo inteiro experimentaria um novo boom de criação de riqueza e desenvolvimento, algo similar ao que vivenciou nos anos 2000, antes da eclosão da crise em 2007/2008. Seria plausível deduzir, então, que o padrão estabelecido nos mercados financeiros ao redor do globo àquela época se repetiria daqui por diante, com ativos como ações, imóveis e commodities galgando a patamares de preço bem acima dos atuais. Andam dizendo até que o mais agourento dos economistas, NOURIEL ROUBINI, vislumbraria novos tempos de bonança no futuro próximo. Não é bem assim. O homem que ficou conhecido como ‘Dr. Doom’, algo como ‘Doutor Apocalipse’, diz apenas que, enquanto alguns riscos se dissipam, outros ganham a cena, no que concerne à saúde econômica global.

NA ANÁLISE DE NOURIEL ROUBINI, em artigo publicado na semana passada pelo seu think tank Roubini Global Economics, os riscos econômicos, financeiros e geopolíticos para o mundo estão mudando. Há um ano, ele contava seis ameaças principais no cenário global, as quais, de lá para cá, embora não tenham desaparecido por completo, teriam hoje uma probabilidade consideravelmente menor de efetivamente ocorrerem. A começar pela ruptura da zona do euro, com a saída da Grécia e a exclusão de Espanha e/ou Itália dos mercados de capitais. Os outros cinco riscos capitais seriam: O aprofundamento de uma crise fiscal nos EUA (com a exacerbação da discórdia entre democratas e republicanos e a ampliação da paralisação de atividades do governo), a eclosão de uma crise da dívida pública no Japão (com a combinação de recessão, deflação e altos déficits elevando a razão débito/PIB), a deflação em várias economias desenvolvidas, uma guerra entre Israel e Irã por causa da alegada proliferação nuclear iraniana, e a disseminação de conflitos regionais no Oriente Médio.
TODOS OS RISCOS MENCIONADOS acima, segundo Roubini, foram amainados. Graças ao presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, que assegurou a determinação de “fazer o que fosse necessário”, à introdução de novos mecanismos financeiros para a estabilização de devedores soberanos em apuros, e ao início da união bancária, o velho continente não estaria mais à beira do colapso. Nos Estados Unidos, o presidente Obama e a base republicana no Congresso parecem ter chegado a um termo para evitar futuras paralisações do governo por conta de discussões sobre o teto da dívida. No Japão, as duas primeiras flechas da estratégia econômica do primeiro ministro Shinzo Abe – afrouxamento monetário e expansão fiscal – impulsionaram o crescimento e interromperam o processo deflacionário. Espera-se que a terceira flecha do que foi apelidada de ‘abenomics’, a qual consiste de uma reforma estrutural e do começo de uma consolidação fiscal que viria a longo prazo, possa encaminhar o país para a estabilização de sua dívida, apesar de, como salienta Roubini, o impacto econômico do novo aumento de impostos sobre o consumo ser incerto.
JÁ OS INDÍCIOS DE DEFLAÇÃO ao redor do mundo vêm sendo dissipados por meio de políticas monetárias exóticas, que incluem taxas de juros próximas a zero, afrouxamentos quantitativos, expansão do crédito e condução das expectativas (forward guidance). No campo geopolítico, a chance de uma guerra entre Israel e Irã foi reduzida pelo acordo interino sobre o programa nuclear persa, concluído em novembro passado. Isto serviu para derrubar os preços do petróleo nos mercados internacionais, embora muitos analistas duvidem das reais intenções iranianas e acreditem que o governo esteja apenas ganhando tempo para continuar expandindo a sua capacidade de enriquecimento de urânio. No que tange ao restante do Oriente Médio, não obstante muitos países continuem altamente instáveis em termos políticos e econômicos, nenhum deles é relevante a ponto de colocar em risco o sistema financeiro mundial, além do que nenhum dos conflitos da chamada Primavera Árabe foi capaz, até agora, de impactar seriamente a oferta mundial e os preços do petróleo e do gás. Roubini observa, contudo, que uma nova onda de conflitos na região poderia renovar os temores quanto à segurança energética do planeta. Até aqui, portanto, foram abordados os riscos que, a priori, teriam sido atenuados do começo do ano passado para cá, embora, conforme salienta o economista, não tenham sido eliminados. Na sua visão, porém, outras seis ameaças vêm ganhando vulto.
ENTRE AS NUVENS QUE, ao invés de se dissipar, entenebrecem o horizonte, Roubini destaca a situação da China, na qual detecta o perigo crescente de uma freada mais brusca em sua economia do que o almejado pelo governo. O economista avalia que o reequilíbrio para um crescimento menos dependente de investimentos e mais calcado no consumo privado vem acontecendo de forma muito lenta, porque sempre que a taxa anual de expansão econômica escorrega para menos de 7%, as autoridades entram em pânico e recorrem à antiga solução de oferecer nova rodada de incentivos ao crédito para investimento em ativos fixos. Tal atitude, por seu turno, gera mais ativos ruins e insolvência nos empréstimos, mais excesso de investimento no mercado imobiliário, em infraestrutura, em capacidade industrial, além de acarretar elevação dos débitos público e privado. Segundo Roubini, até o ano que vem, a possibilidade de o governo continuar recorrendo a estes pacotes de estímulos estará completamente esgotada.
A SEGUNDA PRINCIPAL AMEAÇA à economia global considerada por Nouriel Roubini é que o Federal Reserve (Fed, banco central norte americano) cometa erros na sua estratégia de saída da política monetária ultra-expansionista, adotada nos últimos anos. O economista acredita que, diferentemente do começo do ano passado, quando o Fed anunciou o início da retirada dos seus estímulos e causou turbulências principalmente nos mercados emergentes, essa mudança, a essa altura, já estaria precificada nos ativos ao redor do planeta, mas, mesmo assim, ele crê que as incertezas quanto à velocidade e o tempo em que as taxas de juros retornarão a patamares considerados normais (com a taxa básica/federal funds rate em torno de 4% ao ano), continuem causando excesso de volatilidade nos mercados. “Alguns investidores e governos temem agora que o Fed venha elevar as taxas de juros muito cedo e muito rápido, detonando ondas de choque econômicas e financeiras”, pondera Roubini.
O TERCEIRO RISCO ASSINALADO por Roubini também diz respeito à reversão da política monetária do banco central americano, mas de maneira oposta, ou seja, com o órgão abandonando a atual diretriz de taxas zero muito lentamente e tardiamente – o plano em curso pretende que a taxa básica de juros atinja 4% somente em 2018. Neste caso, o doutor Doom vislumbra a possibilidade de que a demora desencadeie um novo boom generalizado nos preços de ativos ao redor do mundo, com o consequente estouro da bolha a posteriori. Na verdade, Roubini já enxerga bolhas em alguns mercados imobiliários, de crédito e acionários do planeta, em decorrência das políticas monetárias exóticas que vêm sendo empreendidas tanto pelo Fed quanto por outras economias desenvolvidas, as quais teriam conduzido a uma massiva reinflação dos preços de ativos após a derrocada de 2008.
A QUARTA PREOCUPAÇÃO DO DOUTOR Apocalipse é com os mercados emergentes propriamente ditos, boa parte dos quais ele vê fragilizada por conta da transição na China, do declínio das cotações das commodities, e pela guinada na política monetária do Fed. Para ele, tais mudanças pegam vários países em desenvolvimento de calças curtas, com suas respectivas políticas macroeconômicas desajustadas e com a falta de reformas estruturais limitando a capacidade de crescimento, além de muitos deles se depararem este ano com riscos políticos e/ou eleitorais. A quinta ameaça listada por Roubini é que o conflito na Ucrânia redunde em nova Guerra Fria, ou mesmo em guerra efetiva. Tais desdobramentos poderiam impactar de forma considerável os suprimentos de energia e os fluxos globais de investimentos. Por fim, a sexta besta à espreita da economia mundial tem base nas discórdias territoriais (marítimas e terrestres) na Ásia, a começar pela disputa entre China e Japão, com a chance de que alguma delas descambe para um embate militar.
PODE-SE CONCLUIR, PORTANTO, que às antigas ameaças capitais, que ainda estão presentes, somam-se atualmente outras seis. Assim, a quantidade de eventos com potencial para causar uma significativa guinada para baixo nas perspectivas para a economia mundial teria dobrado em um ano, na avaliação de Nouriel Roubini. Entretanto, os 12 cisnes negros de hoje teriam, em conjunto, uma probabilidade mais remota de efetivamente ocorrerem do que aquela atribuída há uma ano aos primeiros seis eventos listados. Observando-se o que vem acontecendo com os ativos mundo afora, especialmente nos mercados imobiliário e acionário dos países desenvolvidos e de alguns emergentes, parece estar em curso uma intensa corrida para se tirar o maior proveito possível desta suposta redução probabilística do risco, enquanto a liquidez ainda é farta, com os juros nas economias centrais ainda bastante deprimidos.





Fonte: JC

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