As recuperações de empresas brasileiras após eventos de
calotes de dívidas têm sido mais lentas e menos eficazes nos últimos anos, se
comparadas com o começo dos anos 2000. A taxa média de sucesso nesses
processos, que atingiu 93% entre 2002 e 2003, baixou para 34% no intervalo de
2012 a 2016, segundo levantamento da S&P Global Rating.
A agência de classificação de
risco estudou 34 grandes casos de inadimplência corporativa no Brasil, nos
últimos 20 anos. Desse total, 16 empresas se recuperaram, oito continuaram
devedoras e em dez situações não há informações sobre o desfecho do processo.
Em linhas gerais, diz a S&P Global, os motivos para a piora passam pela
conjuntura econômica, aumento dos casos de corrupção - principalmente nos
setores petrolífero e de construção - e impactos climáticos.
O estudo aponta também que as
companhias brasileiras, durante o período analisado, levaram mais tempo para
sair da situação de insolvência do que as corporações de outros países da
América Latina. Nos últimos anos, as falências no Brasil demoraram, em média,
718 dias para serem resolvidas, ao passo que os processos de reestruturação de
dívidas consumiram 461 dias. No México, por exemplo, o tempo médio de conclusão
para falências foi de 680 dias e para renegociações, de 284 dias.
Advogados especializados em
reestruturação de dívida e recuperação judicial ouvidos pelo Valor afirmaram
que, de fato, existe a percepção de que o caminho hoje é mais penoso. Uma das
principais razões, dizem, é o quadro conjuntural que prevaleceu durante os anos
de 2015 e 2016: aprofundamento da recessão e elevações sucessivas do custo de
crédito. Mesmo após inúmeros cortes da taxa de juros básicos pelo Banco
Central (BC) - levando a Selic de 14,25% ao ano, em outubro de 2016, aos atuais
6,5% (menor patamar da história) -, o custo de crédito repassado pelos bancos
continua crescendo. O spread bancário, diferença entre o custo de captação das
instituições financeiras e a taxa de juros de empréstimos, para pessoas
jurídicas saiu de 12,32%, em janeiro de 2013, para 18,13% no mesmo mês de 2017.
Em abril deste ano, último dado do BC disponível, o indicador ficou em 13,61%.
Em meio a esse cenário, a Nova
Lei de Falências, que surgiu em 2005, ganhou importância nos processos recentes
de reestruturações, oferecendo mais alternativas a devedores e credores. O
principal objetivo da regulamentação é permitir a continuidade da empresa e o
amparo a quem tem a receber. O ponto, no entanto, é que a própria evolução dos
negócio e da lei passou a exigir das companhias um planejamento melhor.
"Tivemos uma mudança nesse
período analisado [últimos 20 anos]. Esse processo todo de default,
reestruturação de dívida ganhou muitos novos instrumentos, mas, por outro lado,
também ampliou a complexidade", afirmou Fabio Rosas, sócio das áreas
contencioso e restruturação e recuperação de empresas do escritório Cescon,
Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. "Foi um período em que o Brasil
se desenvolveu, que o mercado se desenvolveu."
Gilberto Correa, da área de
reestruturação e insolvência do escritório Souto Correa Advogados, acredita que
há muitos planos no Brasil que são realizados em bases fracas e pensados
somente para se chegar a um acordo e encerrar o processo. "Assim, a
empresa acaba não saindo nunca do buraco. A verdadeira recuperação é se a
companhia volta a ter condições necessárias para gerar receita, para se livrar
dos passivos e continuar sobrevivendo."
Em uma análise setorial, o
acompanhamento de S&P Global aponta que os casos de insolvência na
indústria de petróleo são os mais difíceis de serem solucionados. A OGX, por
exemplo, petrolífera fundada por Eike Batista, registrou o maior calote dos
últimos 20 anos, deixando de honrar títulos no total de US$ 3,6 bilhões,
entrando em falência em 2013. A Lupatech, fornecedora de válvulas e
equipamentos para essa indústria, também enfrentou calotes em dois momentos, em
2012 e 2015.
O setor petrolífero é
especialmente vulnerável por conta das oscilações dos preços da commodity
internacional, fortemente influenciada por questões geopolíticas, mas nos
últimos anos ganhou um outro impulso negativo: os escândalos de corrupção
investigados na Operação Lava Jato, que tiveram como centro a Petrobras.
"O impacto que a Lava-Jato
teve na Petrobras e nas empresas do setor que gravitam ao redor dela foi
brutal. Apesar de não terem dado muito destaque na parte de serviços, tem muita
empresa de serviço petrolífero que fechou as portas, não tinha como sobreviver",
afirmou Correa.
Em relação aos casos de sucesso,
uma análise mais detalhada da S&P Global constatou que 77% das companhias
da amostra que optaram pelo modelo de reestruturação por meio da troca de papéis
conseguiram sair das situações de inadimplência. Nesta categoria, a empresa
negocia com os credores a troca de suas dívidas por títulos novos, com taxas
menores e prazos mais longos de
vencimento.
Segundo Correa, esse modelo é o
mais recomendado porque geralmente é feito em termos mais amigáveis e evita a
necessidade de um acompanhamento judicial.
Algumas empresas que optaram por
essa solução e se recuperaram foram a Net Serviços de Comunicação, em 2002; a
Cesp, em 2003; a USJ Açúcar e Álcool, em 2016; e a Gol no mesmo ano.
O estudo mostrou ainda que, nos
casos de pedido de falência, 59% das empresas conseguiu ao menos pagar seus
credores.
A S&P Global revela também
que, nas repactuações de passivos de forma extrajudicial, o índice de sucesso
foi de apenas 41% - o pior da amostra. Trata-se, em geral, de um processo de
reestruturação de dívidas entre a empresa e os credores, sem que a companhia
peça recuperação judicial e pode incluir o acordo de suspensão de pagamento de
dívida ("stadstill agreement").
Para Rosas, do Cescon &
Barrieu, um ponto em comum entre todas as empresas que conseguiram se recuperar
foi o reconhecimento da dificuldade financeira no momento em que surge e,
obviamente, a tomada de providências.
"Existe atualmente no Brasil
uma cultura de se postergar soluções em reestruturações financeiras até o
último minuto, ou até não conseguir mais cumprir as obrigações", destaca o
advogado. Rosas afirma que a empresa deve aproveitar momentos favoráveis para
cuidar da dificuldade financeira, pois o cenário de negócios pode mudar, e
tornar a tarefa bem mais difícil. "É preciso aproveitar o momento para
alongar a dívida de forma mais confortável", disse.
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