A combinação de juros baixos com o boom de corretoras e plataformas financeiras que facilitam o acesso do investidor ao mercado levou o fluxo de aplicação por pessoas físicas na bolsa a atingir o maior nível em pelo menos 13 anos. Ainda que o saldo de investimentos em renda variável desse público seja muito menor do que o de institucionais e estrangeiros, o aumento da movimentação contribuiu para sustentar o desempenho do mercado de ações nos últimos meses.
Levantamento do Valor com base nos dados da B3 mostra que o fluxo de recursos aplicados por pessoas físicas na bolsa já alcança R$ 4,64 bilhões no ano até o dia 15 de abril, informação mais recente. Para se ter uma ideia do que isso representa, entre compras e vendas, os investidores institucionais aplicaram R$ 1,45 bilhão, enquanto o fluxo de recursos estrangeiros está negativo em R$ 2,17 bilhão no intervalo. Não há registro de uma demanda tão robusta da pessoa física por ações desde ao menos 2006, início da série histórica analisada.
Para Andres Kikuchi, gestor de renda variável do UBS Wealth Management, a cultura de poupança no Brasil ainda é muito baixa e não está consolidada, o que dificulta estimar a trajetória para os recursos na B3. O nível de poupança interna do Brasil foi de 14,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018. No Chile, a estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de um nível de 19,5% no ano passado; na China, o percentual pode chegar a 44,6%. “Por isso, é cedo para acreditar que o movimento comprador de ações seja permanente”, diz. “A pessoa física é a última a entrar e a primeira a sair.”
Kikuchi reconhece que o juro baixo e, principalmente, o maior acesso ao mercado, por meio das novas plataformas digitais, são fatores de estímulo e facilitação na busca pela renda variável. Mas, para que esse fluxo seja perene, é preciso garantir que haja crescimento econômico e, como consequência, da renda disponível para investimento.
“É essencial a reforma da Previdência em um contexto assim, ainda que desidratada, porque isso garantirá um juro baixo por mais tempo e confiança dos agentes na economia”, diz Tatiane Cruz, gestora de investimentos da corretora Coinvalores.
Em termos de fluxo financeiro, a onda de aplicação das pessoas físicas só teve semelhante magnitude no início de 2008, com a explosão das aberturas de capital na bolsa. A diferença, agora, é que o juro básico está consistentemente baixo, o que força o investidor a tomar mais risco. A Selic está no nível de um dígito desde julho de 2017; desde março de 2018 a taxa é de 6,5% ao ano. “A perspectiva é que a Selic fique nesses níveis por um tempo muito mais longo do que em qualquer outro período”, diz Karel Luketic, analista-chefe da XP Investimentos.
Ainda assim, é fato que o ineditismo do movimento deixa a dúvida de qual será a sua longevidade — e os riscos mapeados não são poucos. “Esse tipo de investidor tem uma tendência cíclica: a bolsa sobe, ele se anima e entra; se cai, ele é sensível à perda de patrimônio e sai”, diz Luiz Fernando Alves Jr, sócio-fundador e gestor da Versa, uma das assets beneficiadas pela alta procura das pessoas físicas nos últimos meses. “A perspectiva é boa, mas ou a melhora continua, ou vamos ver uma volta da concentração em estrangeiros e institucionais.”
Outros especialistas, porém, mantêm uma visão construtiva, sobretudo depois do avanço do número de CPFs cadastrados na B3, que já se aproxima da inédita marca de 1 milhão: no fim de março, 982,7 mil investidores individuais estavam registrados na bolsa, maior número em uma série histórica desde 2002.
“Esse crescimento é um caminho sem volta”, diz Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes Brasil da B3. “A volatilidade existe, mas é um momento único e diferente: quem vem para a bolsa é mais jovem, perto dos 35 anos, e está em geral mais informado e melhor assessorado, com uma renda disponível maior para assumir mais riscos.”
Fonte: Valor
Fo
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