As
leis trabalhistas têm, no Brasil e no mundo, uma situação incomum — conseguem
ser boas e ruins ao mesmo tempo. Dizer que são boas tornou-se, hoje, um
consenso mais ou menos universal, mas não ajuda muito nas reflexões racionais
em torno do tema; é mais ou menos como declarar-se a favor da luz elétrica ou
da água encanada, benefícios com os quais todo mundo concorda (com exceção, é
claro, desta ou daquela seita ambientalista), e que, portanto, dispensam
maiores discussões filosóficas. O problema de verdade começa quando ficam
demonstrados, além de qualquer dúvida razoável, prejuízos concretos que as leis trabalhistas trazem para
os trabalhadores — não para a “economia”, os “empresários” ou o “país”, mas
para o trabalhador da vida real. Trata-se, para informação dos especialistas na
área, daquele cidadão que precisa de um emprego para sobreviver com o salário
que lhe pagam a cada 30 dias. Algo está profundamente torto nessa história: se
ações realizadas para ajudar alguém começam a atrapalhar sua vida, parece
evidente que é preciso mexer na engrenagem que está atrapalhando. Mas ninguém
mexe em nada — a não ser para piorar o defeito. A questão do convívio entre o
bom e o ruim dentro da legislação trabalhista não é, realmente, nenhum problema
de mudança nos valores do seno e do cosseno no terceiro quadrante das funções
trigonométricas. É nisso que os especialistas no tema querem que a gente
acredite; mas é pura tramoia para sugerir que estamos diante de uma dificuldade
praticamente insolúvel, sendo o mais aconselhável, assim, não mexer em nada. É
óbvio, como já aconteceu com todo tipo de coisas, que boas intenções podem
gerar maus resultados — ou gerar excelentes resultados durante muito tempo, até
que esta ou aquela peça comece a ratear e a provocar efeitos contrários ao que
se desejou no início. Em geral, a maneira mais eficaz de lidar com tais
situações é pedir a ajuda da razão, ter certeza da veracidade dos fatos a ser
examinados e, ao fim, fazer uma lista das mudanças com que todos concordam. Parte-se,
então, para as ações possíveis e capazes de produzir, já agora, melhorias
concretas — de preferência nos pontos considerados indispensáveis e urgentes. E
quanto às soluções impossíveis, ou sobre as quais não existe nenhum consenso?
Essas ficam para depois. O diabo, não só no Brasil mas também na maior parte do
mundo onde existem direitos trabalhistas, é que fazemos exatamente o contrário.
O debate começa na ideologia e na política, com o lado sindical, sobretudo,
fazendo questão de listar tudo aquilo que o separa de propostas reformistas do
governo e das empresas — e de declarar que não aceita, em hipótese nenhuma,
qualquer medida que possa afetar “direitos adquiridos”. O resultado final é
que, desse jeito, não se vai a lugar nenhum. Seria preciso ir, e depressa.
Quando um emprego, na ponta do lápis, se torna caro demais para uma empresa,
ele é cortado, não é reposto quando fica vago e, muito menos, é criado nos
casos em que há planos ou possibilidades de aumentar a produção — simplesmente
é levado para outro país, onde o trabalho é mais barato. Não se trata de
ideologia, e sim de aritmética: não há hipótese, sob pena de falência, de
manter ou criar postos de trabalho que, sabidamente, vão gerar prejuízo, pois
custarão mais caro do que a produção gerada por eles. Ao fim e ao cabo, um fato
é indiscutível: quando a pior coisa que pode acontecer a uma empresa é
contratar um empregado, a situação jamais pode ser boa para quem está
precisando de um emprego. O
grande problema para os trabalhadores, aí, é que os grão-duques das centrais
sindicais encarregados de defender seus interesses nunca estão precisando de
emprego: já têm o seu e, para mantê-lo, não precisam fazer nenhum esforço pelo
aumento do mercado de trabalho. É o que está acontecendo na Europa, com os
maiores índices de desemprego de sua história recente. É o que pode acontecer
no Brasil.
Fonte: Revista Exame – J.R. Guzzo
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