As
empresas registram diariamente em seus livros contábeis e fiscais diversas operações
econômicas. Os critérios legais e contábeis impõem que tais registros sejam
feitos, de um modo geral, quando há o aperfeiçoamento do negócio jurídico, ou
no máximo quando há a entrega da coisa a que se referir, ou a prestação dos
serviços respectivos. No momento em que ocorrem os registros das operações, na
imensa maioria dos casos ainda não há o pagamento do preço, o que só ocorre
posteriormente. O problema objeto do presente texto refere-se às situações nas
quais o fornecedor faz o registro das suas operações, apura e paga os tributos
diretos daí decorrentes (Pis/Cofins, ICMS, IPI, ISS), mas ao final deixa de
receber o que lhe é devido. Para se ter uma noção do problema basta imaginar o
que acontece com algumas atividades específicas, como aquelas listadas a
seguir: simples inadimplência do usuário de serviço público de energia, de
telecomunicações ou de outro acesso a função de valor agregado, como imagens de
televisão de canais por assinatura, qualquer que seja o meio de transmissão; prestação
de serviço de telefonia fixa ou móvel, nos casos em que há fraude, e alguém faz
uso indevido do nome e documentos de outrem para operar um terminal; prestação
dos serviços citados anteriormente, quando se verifica o chamado “sinal furtado”
em que o usuário se beneficia sem nada pagar, e o registro da receita acaba não
tendo de quem ser cobrado; as legislações dos tributos diretos (IRPJ e CSSL)
permitem que as perdas pelo não pagamento de recebíveis sejam deduzidas das suas
respectivas bases de cálculo, desde que observados certos prazos e
procedimentos. Já as regulamentações dos tributos indiretos não possuem
previsões equivalentes. Na mesma categoria acima se encontram, também, as inadimplências
do mercado financeiro, notadamente no crédito direto ao consumidor. As
tributações de todas essas operações econômicas não consumadas são
inconstitucionais e ilegais. Isso porque tomam como indício de capacidade contributiva,
ou fatos que não ocorreram (fornecimentos forjados, por exemplo) ou de negócios
jurídicos não consumados (inadimplências, por exemplo). Essas tributações não podem
ocorrer, porque em sua origem lhes falta a “materialidade” dos respectivos fatos
geradores, ou seja, um negócio jurídico civil, lícito, do qual houve um
resultado econômico. Entre os diversos princípios constitucionais que proíbem
essas tentativas das Fazendas Públicas estão os da capacidade contributiva
(artigo 145, § 3º); da estrita legalidade (150, I) e da vedação ao confisco
(150, IV). Portanto, o tributo é uma transferência de parte do patrimônio do
setor privado para o setor público em decorrência de lei, mas desde que o
elemento gerador dessa obrigação seja um ato lícito. Se assim não fosse
chegaríamos à conclusão de que o Estado poderia participar do resultado das
atividades ilícitas, tomando-as para o custeio regular do seu orçamento, o que
seria um absurdo. Não obstante a clareza dos conceitos, que só precisam ser aplicados
de forma integrada para se alcançar a conclusão aqui exposta, as autoridades
fiscais continuam cobrando tributos nas situações listadas. Pior que isso só
mesmo a constatação de que o próprio Judiciário tem dado guarida a esse tipo de
pretensão fiscal. É o que aconteceu, por exemplo, com o RESP 1189924 / MG julgado
pela Segunda Turma do STJ em 25/05/2010. Naquele julgado o STJ repeliu a defesa
do contribuinte em um caso de clonagem de linha telefônica móvel, alegando que
o estado não poderia participar do empreendimento comercial da empresa. Para o
relator o fato gerador do ICMS era a disponibilização da linha. O STJ tem
muitas outras decisões no mesmo sentido, algumas delas alcançando, inclusive os
roubos de cargas, com a mesma conclusão. O grande equívoco do acórdão está em
classificar a não ocorrência do fato gerador, como sendo um acontecimento regular
da atividade econômica do contribuinte. Há situações nas quais o não pagamento
simplesmente retira do fato gerador um dos seus requisitos essenciais de
existência, pois, passa ele a ser um fenômeno que pode interessar ao direito
penal, mas jamais um indicador de capacidade contributiva. O assunto ainda não
se encontra pacificado nos tribunais, e é importante que os contribuintes se
esforcem por demonstrar aos julgadores o equívoco em que incidiram. O Estado brasileiro
não pode ser construído sobre ilicitudes. Da mesma forma os tributos não podem
ser cobrados quando as realidades econômicas não existam, não se concretizem ou
sejam simplesmente canceladas.
Fonte: JC
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