Mesmo
quando os investidores tiverem digerido por completo a mudança da política monetária
dos Estados Unidos e a tormenta que vem assombrando os mercados emergentes
passar, o Brasil deve continuar em mares mais turbulentos do que alguns de seus
pares em desenvolvimento. Após meses de instabilidade, o mercado financeiro do País
começou o mês tranquilo. Mesmo se o pior tiver ficado para trás, no entanto, a
avaliação de analistas é que os investidores continuarão a exigir rendimentos
maiores de ativos brasileiros diante da deterioração dos fundamentos macroeconômicos.
“Na hora em que passar esse efeito de ajuste das carteiras, uma vez superado
esse processo, não seria surpresa se houver um certo diferencial entre Brasil e
outros mercados emergentes no spread de risco ou mesmo no câmbio”, avaliou a
sócia da Gibraltar Consulting, Zeina Latif. A evidência mais gritante do mau
humor internacional foi sentida no mercado doméstico de câmbio, já que entre
maio e agosto, o dólar acumulou alta de quase 20% em relação ao real. A divisa americana,
porém, fechou a semana passada em queda e voltou a ser negociada abaixo de R$
2,30, levando alguns a ver um arrefecimento no desconforto dos investidores. Ainda
assim, ativos brasileiros apontam para uma reavaliação do risco de se investir
no País. O custo de se proteger contra um calote brasileiro, representado pelos
CDS (Credit Default Swaps) de 5 anos, por exemplo, subiu 67 pontos básicos desde
maio, para cerca de 175 pontos básicos. Isso significa que o custo para
proteger US$ 10 milhões em dívida soberana brasileira, por um período de cinco
anos, passou de US$ 108 mil ao ano no início de maio para um pouco mais que US$
175 mil – aumento de 62%. No dia 21 de agosto, este custo chegou a US$ 216,8
mil ao ano – maior nível em mais de quatro anos. Em comparação, o custo do
mesmo CDS mexicano subiu apenas 37 pontos básicos no mesmo período, para 118
pontos básicos, enquanto o CDS chinês aumentou apenas 10 pontos, para 81 pontos
básicos. Já o rendimento (yield) do título soberano brasileiro Global 23,
referência do Brasil, subiu 70% desde o início de maio para 4,5% ao ano. Por
sua vez, o yield do título de 10 anos do governo mexicano equivalente subiu
cerca de 35%, para 4,13%. “Começamos a entrar na categoria de países em que não
se confia na rigidez da política econômica”, assinalou o diretor de gestão de
recursos da Ativa Corretora, Arnaldo Curvello. Mudanças O gatilho para essas
mudanças na dinâmica de risco mundial foram as crescentes evidências de que o
Federal Reserve, banco central americano, deve reduzir ainda este ano o ritmo
de seu programa de compra de títulos, atualmente em US$ 85 bilhões ao mês. Isso
deve tornar os EUA ainda mais atraentes para investidores, desviando para a
maior economia do mundo recursos atualmente aplicados em mercados emergentes. “Houve
dois movimentos claros, sendo que, num primeiro momento, não percebemos piora
no risco global de modo geral, mas percebemos piora concentrada em mercados emergentes”,
argumentou o economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani. “Num
segundo momento, começou haver alguma diferenciação em meio aos países emergentes,
e o Brasil ficou num bloco com que os investidores têm mais insegurança”, completou
Padovani, em referência ao chamado grupo fragile five, formado por Brasil,
Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia. Embora sejam economias bastante
diversas, esses países têm em comum o fato de terem sido os mais afetados pela perspectiva
de mudança da política monetária do Fed e de registrarem persistentes déficits em
conta corrente. O déficit em transações correntes do Brasil atingiu US$ 77,7
bilhões nos 12 meses até julho deste ano, equivalente a 3,39% do Produto Interno
Bruto (PIB) do País. É o pior resultado para 12 meses desde junho de 2002, quando
o Brasil vivia uma crise de confiança por conta da perspectiva de eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Analistas destacam, além do
rombo externo, outros dois fatores macroeconômicos por trás dessa decepção,
baixo crescimento e inflação alta. “O Brasil entrou nesse processo de mudança
global com fundamentos bastante deteriorados. Ainda resta navegar nesses
desafios internos, na parte macroeconômica, que o Brasil está bem longe de
equacionar”, ponderou o diretor de pesquisa econômica do Goldman Sachs para
América Latina, Alberto Ramos.
Fonte: JC
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