A
inflação é um animal tinhoso, se criado solto e obediente apenas aos berros do
dono a taxa de juros, nesta analogia. Com o tempo, acostuma-se aos gritos,
passa a conduzir o dono e, se contrariado, rosna agressivo. Em meio a um
ambiente econômico propício à alta de preços, o arrocho de juros mais deseduca
que condiciona a inflação. Na leitura da taxa mensal, a inflação de outubro
medida pelo IPCA arreganhou os dentes, com alta no mês de 0,57%, depois de
deslizar de 0,86% em janeiro até 0,03% em julho e voltar a subir 0,24% em
agosto e 0,35% em setembro. Em sua extensão acumulada em 12 meses, ocorreu o
inverso desde junho: a inflação começou a desinflar, ao incorporar taxas
mensais menores até então, vindo de 6,70%, último pico, em junho, para 5,86% em
setembro e 5,84% agora em outubro. Na expectativa do governo, se a variação
anual empatar com a de 2012, 5,84%, será uma vitória, já que a meta oficial
entregue ao Banco Central, 4,5%, há muito tempo está descartada. No conceito
elástico de meta tal como a presidente Dilma Rousseff a entende, o BC terá
feito o serviço, se a inflação anual não superar o teto do intervalo de variação,
6,5% uma excepcionalidade para casos de choque de oferta, em que haja mudança
permanente de relações entre preços. Nesses casos, o BC combate apenas a propagação
secundária da alta original, para barrar um movimento seriado de reajustes. Foi
o que fez depois de assistir passivo ao estouro de preço dos grãos em meados de
2012, devido à seca nos EUA, e deixar que se acumulasse à depreciação cambial
induzida por ações da Fazenda. A queda da moeda fez a inflação dos alimentos
contaminar a inflação geral e começar 2013 em alta, enquanto cedia em todo o
mundo. O BC religou a Selic em abril, tirando-a do patamar de 7,25% em que se
encontrava desde outubro de 2012, e elevou-a aos poucos a 9,50%, o seu nível
atual, num ciclo aparentemente ainda aberto. Há várias formas de se olhar o
processo inflacionário no Brasil. O debate atual o resume ao instrumental usado
para controlá-lo. O BC aperta a política monetária, subindo os juros. Os
críticos alegam que um controle rigoroso do gasto público seria mais eficaz
contra a inflação, além de mitigar o trabalho do BC e aliviar o Tesouro. É essa
a principal sequela decorrente da má execução das contas fiscais, como se viu
com o resultado de setembro, quando o deficit orçamentário aumentou mais que o previsto.
A discussão de fundo é essa, com a inflação prenunciando um duro ajuste fiscal
adiante.
Equação esquizofrênica
Juros
altos oneram a dívida pública, que se expressa pelos papéis emitidos pelo
Tesouro e negociados no mercado. É dessa forma que a política econômica acaba
condicionada pelo mercado financeiro, em especial os fundos voláteis de origem
externa, o tal do hot money. Gente do governo, como o secretário do Tesouro,
Arno Augustin, se enfeza, nega descontrole fiscal, atribui as críticas a um
"ataque especulativo". Não se diz é que tem sido assim porque a
autonomia da política econômica diminuiu em relação ao investidor que banca a
rolagem dos papéis públicos e absorve as novas emissões. Eles querem juros. O
BC combate com juros a inflação, que avança quanto maior a demanda agregada. O
gasto público infla a demanda, que pressiona a inflação. Gastos, juros e dívida
têm relação com o hot money atraído para ajudar a fechar os deficits externos.
E aí surge uma equação esquizofrênica: o hot money aprecia o câmbio, o que incentiva
importações, portanto, ajuda o controle da inflação, mas prejudica a indústria
nativa, à qual o governo estende a mão à custa do gasto fiscal (subsídios) e da
receita (desonerações).
Entre ficção e realidade
Como
todo processo esquizofrênico, a ficção subverte a realidade e se chega ao que
se assiste: tapete vermelho estendido outra vez ao hot money, que valoriza o
câmbio; ao mesmo tempo, as saídas excedem os ingressos de capitais no acumulado
do ano, depreciando a taxa de câmbio; interesses financeiros criticam a
execução fiscal e sugerem receios com a dinâmica da dívida pública. O governo garante
que a política fiscal está ajustada, embora tema uma fuga de capitais. Há um
choque de intenções. Uns querem um ajuste fiscal para já. O governo não o vê
necessário, pelo menos agora. Tal como num jogo de resistência, o resultado
dependerá de quem tiver mais força. Para o governo, o objetivo das pressões é
para que antecipe um ajuste que só cogita fazer com a eleição presidencial
decidida. As sondagens atuais indicam o favoritismo de Dilma. Os riscos estão
na economia. A agenda que não dá voto Qualquer coisa que fizer para corrigir
desajustes da macroeconomia implica dureza fiscal, mais câmbio e inflação "corretiva"
sequela de uma mudança de preços relativos em favor da indústria, portanto,
contrária às importações, cujo corolário é o corte do salário real. Não se
espera que alguém faça campanha com uma agenda assim, nem a anuncie com atos ou
simbolismos como trocar Guido Mantega por um ministro da Fazenda ao gosto do
mercado. Na entrelinha, pede-se um voto de confiança. Os tumultos dos últimos
dias sugerem a resposta.
Gatilho contra indexação
Até
que se enfrentem problemas estruturais da economia, a inflação ela mesma causa
e efeito de desajustes cuja solução é adiada pela falta de consenso político
para resolvê-la será obesa, e nunca magra. Que não fosse por outras razões,
como o expansionismo fiscal ou a baixa concorrência na economia, está aí a
indexação a fincar um piso à trajetória da inflação. Não se vai a lugar nenhum
assim. A reprodução automática de perdas passadas de poder aquisitivo só tende
a perpetuar a inflação. Uma saída poderia ser um meio tempo: ajustes
referenciados pela meta de inflação para um a dois anos à frente, prevendo-se
um gatilho disparado toda vez que ultrapassasse um percentual combinado. Com alguns
anos de estabilidade monetária, perderia sentido. Ou se faz algo assim ou nunca
haverá normalidade.
Fonte: JC
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