Durante
décadas, desde os anos 1950, a primeira grande virtude do Brasil apresentada
por funcionários do governo de turno em reuniões com empresários estrangeiros era
a ampla disponibilidade de energia barata — argumento valorizado depois dos
dois choques de petróleo, entre 1973 e 1979. As grandes usinas hidrelétricas
construídas e em construção, sobretudo no período autoritário, davam respaldo
ao que se via como trunfo imbatível num mundo sedento de energia. Sem usinas
como Itaipu e Tucuruí (as grandes) ou Ilha Solteira e Paulo Afonso (médias),
não teríamos um parque industrial ainda dos mais diversificados do mundo e o
país não ocuparia a 8ª posição no ranking global da manufatura em 2012. Energia
é o insumo crítico do desenvolvimento. Quem não a tem correndo livre pelos
cursos d’água, e isso continua a riqueza potencial no Brasil, ou brotando do
solo (petróleo, carvão, gás), só com muita inteligência acumulada pôde
desenvolver-se, como Japão,
Alemanha e Coréia do Sul.
Hoje,
com a palavra apagão outra vez nas manchetes e hidrelétricas caçadas por
lobbies ambientais — como se termoelétricas que suprem a falta de energia
queimando óleo combustível, carvão mineral e gás emitissem aromas silvestres —,
o assunto voltou à ordem do dia. Os críticos acusam o governo de imprevidente,
que reage lembrando o racionamento no período FHC. E todos emudecerão tão logo
cheguem as águas de março fechando verão. E, como de outras vezes, sem que
ninguém que importe à discussão fale do essencial: a necessidade de energia
farta e acessível para o desenvolvimento do país. Não é o óleo do pré-sal, cujo
destino é gerar as divisas de que a economia se ressente, sobretudo se voltar a
crescer pouco mais. Nem as termoelétricas, caras e poluentes, são solução. Elas
entraram na matriz energética como um estepe para momentos de pico de consumo,
depois do racionamento de nove meses até março de 2002. Aos poucos, o
provisório se tornou permanente, e é o que dá para contar em momentos de falha
técnica nos linhões de transmissão ou picos de consumo, causas prováveis do
apagão desta semana. É certo que a construção de hidrelétricas foi retomada,
mas em ritmo lento, criminalizada por ambientalistas, acossada pelo Ministério
Publico Federal, e sem a coesão anterior de que o progresso depende delas.
Milhagem do BC e BNDES
Desde
o ocaso dos "barrageiros", o presidente do Banco Central se tornou o
personagem mais habitual em encontros com investidores, o que diz muito sobre a
essência de nosso desenvolvimento. Aprecia-se mais nesses eventos exposições
sobre a política monetária e fiscal (ambas conectadas ao estoque de dívida,
representativa de eventos e situações passadas), que cenários de oportunidades no
Brasil. Isso mudou um pouco com a retomada dos projetos de infraestrutura, na
pegada do roteiro de obras do PAC, e vem ganhando tração com as concessões ao
capital privado de estradas, aeroportos, ferrovias, portos, que estão andando, apesar
do tempo perdido e da descrença dos críticos. A milhagem de voos internacionais
do presidente do BNDES já se rivaliza, se é que não supera, com a do colega do
BC.
É pouco o que se faz
Não
fossem tais investimentos estruturantes, ninguém estaria dando ouvidos aos
cenários, normalmente oficiais, em que o país desponta com condições
competitivas em relação às economias emergentes de um modo geral (afora a
China, já potência industrial e financeira). Mas o investimento público é
baixo, cerca de 2% do PIB, menos que a metade da média investida por outros emergentes
e abaixo do que é preciso para a produção não estacionar em gargalos — como as
filas de caminhão de 50 km ou mais levando a safra agrícola aos portos, navios parados
por mais de uma semana esperando cais para atracar, aeroportos congestionados,
insegurança energética. Cada um desses gargalos tem solução, várias estão em
curso. Mas falta muito mais.
Plantar antes de comer
O
empresário Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial, sente falta de planejamento de longo prazo, um
horizonte a orientar planos, projetos e investimentos. O governo fechado à
discussão com o investidor de raiz, no sentido de que não visa o lucro rápido
da arbitragem com juros e moedas, mas o resultado operacional, contribui para o
sentimento de desalento. Se o mercado pressiona por meta fiscal, o investidor em
bens reais espera que o governo se posicione sobre os lobbies que emperram a
geração de energia. Economistas sugerem moeda fraca, expediente que deprecia os
salários. O investidor antenado fala de acesso a novas tecnologias. Uns tratam
do prato para a boca. Outros do que plantar antes de comer. É um menu de
opções. Falta escolher e levar à mesa.
Da matriz para o tripé
Sem
confiança não há investimento, já dizia Keynes, lembrado pelo consultor sênior
da LCA, Carlos Eduardo Gonçalves, em ensaio sobre se o país é
"frágil" e o que isto significa. É pertinente lembrar o parecer desse
inglês notável, ícone para os adversários do consenso neoliberal e admirado
pela presidente. Ele acha que Dilma entendeu e que "tentará aproximar-se
do ‘tripé’ e se afastar um pouco da ‘matriz’". O "tripé" reúne a
trindade do superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação. A
"nova matriz" mexeu nesse layout. O mercado rosnou, o governo recuou
(pois dependente de fundos para financiar seus deficits e rolar a dívida), e
começou um processo de desgaste que contaminou o ânimo empresarial. O nó, diz
Gonçalves, é que, se subir a Selic sai "barato", pois mexe pouco com
a eleição, apertar o gasto "é caro", já que mais visível à sociedade,
além de demandar "mudança de equipe". Mas, diz ele, um sinal só é
crível se custoso para o emissor. O jogo está pesado para Dilma.
Fonte: JC
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