Em
2008, o valor de mercado da Petrobras era cinco vezes superior à da colombiana
Ecopetrol. No ano passado, as duas empresas chegaram a valer o mesmo na bolsa.
Enquanto a petrolífera vizinha praticamente manteve o seu valor de mercado nos
últimos três anos, a estatal brasileira encolheu US$ 137 bilhões, ou 60% desde
o fim de 2010. Em reais a Petrobras valia R$ 380,24 bilhões e passou a valer R$
214, 68 bilhões, um tombo de 43%. Ainda mais acelerada foi a desvalorização da
segunda maior empresa controlada pelo governo, excluídos os bancos. Do quarto
trimestre de 2010 até o último balanço publicado, no terceiro trimestre de
2013, a Eletrobras viu seu valor de mercado em reais cair 63%: de R$ 26,2
bilhões para R$ 9,6 bilhões, segundo cálculos da consultoria Economatica.
Juntas as duas perderam R$ 182,16 bilhões. A perda de valor das estatais
federais ao longo dos últimos anos, segundo especialistas, resulta
principalmente da interferência política na gestão das companhias, o que
contribui para o enfraquecimento do mercado de ações brasileiro, onde as duas
sempre tiveram boa parte dos negócios. O governo tem exigido das estatais
elevados investimentos a curto prazo e, ao mesmo tempo, permite que as dívidas
brutas dessas duas empresas disparem, avaliam especialistas. Mas o principal
problema, segundo eles, é a limitação das receitas obtidas pelas companhias. —
A Petrobras é alvo de manipulações, tendo os reajustes (dos combustíveis)
limitados para colaborar com a inflação, e, no caso da Eletrobras, só um louco
compra ações da empresa hoje, com essa confusão sobre as dívidas da empresa
após o subsídio ao uso das usinas térmicas e a redução das tarifas — diz Paulo
Feldmann, pesquisador de Economia das Organizações da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade (FEA-USP) e ex-presidente da Eletropaulo. Analistas
apontam a frequência cada vez maior do uso dessas empresas para fins fiscais e
monetários pelo governo, o que enfraquece a gestão das companhias e sua
sustentabilidade a longo prazo. — O governo Dilma Rousseff adotou uma
estratégia de uso mais intenso das estatais, forçando interesses do governo,
mais ou menos como era feito no período militar e na década de 80, com o uso
delas para controlar preços — diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper e
co-autor do livro “A reinvenção do capitalismo de Estado: a evolução do
Leviatã”, a ser lançado. ‘Ninguém sabe a conta’ Lazzarini destaca que é
compreensível que um governo use as estatais para imprimir determinados rumos à
economia nacional. Ele diz, porém, que a falta de transparência quanto às
recentes atitudes acaba por turvar a visão do mercado sobre as companhias.
Representantes de acionistas minoritários nessas empresas frequentemente
reclamam que, muitas vezes, a gestão da macroeconomia prevalece sobre o
interesse próprio das estatais. Exemplos disso seriam o freio no aumento dos
preços dos combustíveis, e a adesão da Eletrobras, no ano passado, à proposta
de renovação de concessões mediante redução de receitas, rejeitada por outras
estatais de gestão estadual. — Houve enorme aparelhamento dessas máquinas e,
nisso, você levou para dentro delas o que pensávamos que já tinha acabado, que
é o modelo patrimonialista, no qual se confunde interesse do Estado com
interesse das pessoas no poder — diz o economista José Matias-Pereira,
professor da UnB e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade). Esses economistas lembram que, assim como o controle do preço
dos combustíveis afeta negativamente os resultados da Petrobras, a redução de
20%, em média, das tarifas elétricas em 2013 enterrou os planos de expansão da
Eletrobras para o exterior e qualquer alusão à meta de transformá-la na
“Petrobras do setor elétrico”. — A pergunta é: quanto custa essa maneira de se
combater a inflação pelas estatais? Custa caro e ninguém sabe a conta. Na minha
opinião, elas viraram autarquias, apêndices do Tesouro Nacional. O interesse do
controlador soa tão mais alto, que a ação de produção fica no segundo plano —
afirma o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV. Matias-Pereira
destaca que, mesmo com seus caixas combalidos, as estatais têm sido forçadas
pela União a elevar o volume de investimentos federais, o que acaba resultando
na disparada do endividamento dessas empresas. Nesse esforço, o volume de
investimento das estatais em 2013 foi recorde, de R$ 113,5 bilhões, segundo o
Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), do
Ministério do Planejamento. Mesmo assim, o setor de energia, onde Petrobras e
Eletrobras lideram os recursos, deveria responder por quase a metade do PAC 2,
o que não ocorre na prática. — Em 12 meses, o endividamento da Petrobras
cresceu R$ 68 bilhões. Isso é um sinal financeiro de como a empresa está
agravando a sua situação — disse. Segundo os cálculos de Roberto Afonso, a
partir de dados do Dest, as duas estatais tiveram déficit primário de 0,71% do
Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) no
ano passado (0,09% para Eletrobras e 0,62% para Petrobras). Para efeito de
comparação, ele lembra que o superávit primário do governo central foi de 1,57%
do PIB em 2013: — Se ainda estivessem computadas dentro do setor público (como
ocorreu no passado), as duas empresas consumiriam quase a metade do superávit primário
feito pela União — afirma Afonso. Ele diz ainda que as duas empresas investiram
2,2% do PIB no ano passado, segundo o Dest, mas, para isso, tomaram 1,58% do
PIB em operações de crédito. Como as estatais estão sendo chamadas a puxar os
investimentos em infraestrutura, logo acabam se endividando e gerando déficits,
avalia o pesquisador do Ibre/FGV. — Para investir, elas estão precisando se
endividar cada vez mais e isso acaba por deprimir a avaliação de mercado dessas
empresas, que, aliás, já gastaram 0,28% do PIB com juros. A decisão de se
endividar segue apenas o interesse do governo, por isso não faltam ações na
Justiça e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) questionando isso — afirmou
Afonso. Procurado, o Dest informou em nota que “não se manifesta sobre valores
de mercado de empresas de capital aberto, cuja controladora é a União, por sua
condição de coordenadoria e governança das estatais.” O Dest diz ainda que as
empresas têm seus próprios canais de relação com investidores e prestam contas
à CVM. A Petrobras não comentou o teor da reportagem. A Eletrobras, em nota,
informou que, quanto à desvalorização das ações, é preciso levar em conta que,
em janeiro de 2010, foi aprovada a forma de pagamento dos dividendos relativos
a exercícios sociais de 1979 a 1984, 1989, 1996 e 1998, no valor total de cerca
de R$ 10 bilhões, dividendos estes que estavam embutidos no valor das ações
daquele período. Segundo a Economatica, porém, seus cálculos já são ajustados
conforme o pagamento de proventos, como dividendos. A Eletrobras informa ainda
que, em setembro de 2013, apresentava dívida líquida positiva, com saldo de
cerca de R$ 1 bilhão a receber de financiamentos feitos pela companhia. O
próximo balanço da empresa será publicado no dia 27. Este ano, a empresa ainda
terá o impacto desfavorável da escassez de chuva que já se refletiu nas ações
do setor elétrico na Bovespa pelo temor do racionamento. Feldmann, da USP,
defende que o governo tire as ações de Petrobras e Eletrobras do mercado, para
preservar os investidores das possíveis manipulações.
Fonte: O Globo
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