Paulo Leme: ‘Momento é para usar leque, e não ar-condicionado’.

Presidente do Conselho de Administração do Goldman Sachs no Brasil vê risco de mais de 50% de racionamento e defende incentivar a redução de consumo via tarifas.

Graduado em engenharia elétrica pela UFRJ, com mestrado em economia pela Universidade de Chicago, o ex-economista sênior do Fundo Monetário Internacional (FMI) Paulo Leme diz que o risco de racionamento é de mais de 50% e que a trinca inflação em alta, crescimento em queda e déficit crescente nas contas externas mostra que “alguma coisa não está bem".
Qual sua preocupação com o risco de racionamento?
Esse risco atualmente é expressivo, acima de 50% e crescente. Em vez de haver uma política tarifária mais realista, que racione o fator escasso, água e eletricidade, não há preços relativos que sejam condizentes com essa escassez. Não só se incentivou o consumo, como as tarifas elétricas residenciais estavam muito aquém do preço de equilíbrio dada a escassez de água. É um momento em que valeria a pena usar um leque e não um ar-condicionado, mas o sistema de preços incentiva deixar o ar-condicionado ligado. As tarifas estão muito abaixo do necessário. A pergunta sobre o porquê disso tem que ser feita em Brasília. O sistema de preços é extremamente eficiente, impessoal e evita essas situações complicadas. É difícil prever o que vai acontecer dada a incerteza e a característica aleatória do regime de chuvas, que se for abaixo do padrão pode dar problema. Acima do padrão, o que é pouco provável, não vamos ter problema. Mas estamos colocando um risco desnecessário, porque o impacto econômico de um racionamento ou, pior, um apagão, é um risco ao qual o governo não deveria deixar a economia exposta. O preço tem que refletir a escassez de um insumo, bem ou serviço. Precisamos de um sistema parecido com o que foi usado em 2001, que é olhar uma média de consumo por residência ou indústria dos últimos anos e colocar uma sobrecarga de preço para o que estiver acima da média. Seria algo com várias fases, preventiva, preparatória. Pelo nível atual dos reservatórios informado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema), a racionalização de consumo via preço seria algo aconselhável e que já deveria ter começado.
E por que não se faz isso?
É difícil dar essa resposta, porque é tão intuitivo usar o sistema de preço para designar corretamente a utilização e produção de um bem escasso, que até explicar por que não é utilizado é difícil.
Por ser impopular?
Acho que é bem mais impopular um apagão. Segundo tempo de Brasil e Croácia: apagão generalizado. O que é mais impopular? Um aumento de tarifa elétrica ou um apagão geral? Acho que o segundo.
E quais seriam as consequências na economia?
Há várias graduações. Pode não haver racionamento, com chuvas acima da média, que é a aposta feita e vai depender da sorte. Um racionamento, ou melhor, uma racionalização do uso de energia elétrica via preços vai ter um impacto em preços relativos, efeito imediato na inflação, e um impacto pequeno na atividade econômica. Mas quando se passa a racionar a oferta de 5% a 10% abaixo da demanda, se começa a ter impacto expressivo na atividade. E pior, se você levar ao limite e não utilizar de maneira alguma qualquer mecanismo de racionalização via preços, correndo risco de apagão, pode-se ter uma descontinuidade da atividade muito grande.
O governo pode estar recuando em alguns pontos, percebendo que o modelo talvez não entregue o crescimento imaginado?
Não tenho essa impressão. Minha leitura é que, sim, os dados são inquestionáveis: claramente, essa trinca de ter inflação subindo e, ao mesmo tempo, crescimento em queda e déficit de conta corrente crescente, mostra que alguma coisa não está bem. Mas acho que nem o diagnóstico nem a formulação da política econômica mostra mudança objetiva de enfoque.
E quais são os ajustes necessários?
O primeiro é continuar subindo taxas de juros. Então, apesar dos sinais do Banco Central de que vai parar em 11%, a curva futura de juros precifica 12,75%. E acho que é mais por aí. Então, tem mais juros depois das eleições. É uma pausa que não deveria ser feita. Quanto mais se espera, o ajuste será mais amargo no futuro. É melhor fazer de uma vez e fazer bem feito. O segundo instrumento é o fiscal. Entre os subsídios que você tem, desonerações, todos os custos com a questão das tarifas elétricas, é altamente improvável que alcancemos a meta de 1,9% do (superávit fiscal) primário e vai ser muito abaixo disso. Você tem um ajuste fiscal entre 1,25% a 2% do PIB que tem que fazer pela frente.




Fonte: O Globo

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