Dez anos atrás, em uma estrada na
Inglaterra, o consultor Chris Huhne excedeu-se um pouco na direção de seu BMW.
Nem foi tanto assim: estava a 111 km/h, quando o limite era de 95 km/h. Mas a
câmera flagrou e a multa chegou à casa de Huhne. Nem era tanto dinheiro, mas os
pontos fariam com que ele perdesse sua carteira de motorista. Como sua mulher,
a economista Vicky Pryce, estava com pontuação baixa, pediu a ela que assumisse
a culpa. Não custava nada, não é mesmo? Quanta gente não faz isso? Vicky topou
e a vida seguiu. Seguiu bem. Huhne tornou-se ministro do Meio Ambiente e Vicky,
economista-chefe do governo de David Cameron. No pessoal, porém, as coisas se
complicaram. Huhne se encantou com uma assessora de campanha e separou-se da mulher
com quem estava havia 26 anos. Acontece, não é mesmo? Vicky, porém, parece não
ter se conformado. Não se sabe se por vingança ou por descuido, em 2011 contou
em uma entrevista ao jornal “Sunday Times” aquele episódio da troca da multa. Para
encurtar a história: Huhne teve de renunciar ao cargo de ministro, foi
processado por obstrução à Justiça e condenado, no início deste ano, a oito
meses de prisão. Ministros não podem se comportar desse modo, mesmo antes de
serem ministros, tal foi a conclusão política e ética. Parece meio sem sentido,
mas, lembrem-se: pelas regras de nosso Congresso, se o parlamentar cometeu um
crime antes de ser parlamentar, não tem nada de mais, não é caso de quebra do
decoro parlamentar. Por isso mesmo, contamos esta história. No último sábado, o
presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, mandou chamar um
jatinho da FAB para Natal e lá mandou embarcar, na sua companhia, a namorada,
um cunhado, uma concunhada, um filho e dois enteados. Toca para o Rio de
Janeiro, ordenou. No Rio, a comitiva passeou e no domingo foi ao Maracanã ver o
Brasil ser campeão. Todos embarcaram de volta à noite, incluindo-se na comitiva
um amigo do cunhado. Ontem, a “Folha de S.Paulo” contou a história. O deputado
Henrique Eduardo Alves respondeu ainda de manhã. Disse que ele tinha serviço no
Rio — um almoço com o prefeito Eduardo Paes e o senador Aécio Neves, no sábado
—, por isso tinha direito ao jatinho. Mas disse que embarcar todo aquele
pessoal foi um “equívoco” e que “por dever, imediatamente, o corrige”. Como?
Vai pagar as passagens. Do próprio bolso! Quer dizer que ele não sabia que não
podia levar a turma no jatinho? E que só ficou sabendo depois que a história
saiu na imprensa? Imaginemos a cena. O assessor leva o jornal ao deputado e
ele, intrigado: “Mas por que essa publicidade toda? Não posso levar ninguém no
jatinho da FAB?” E o assessor: “Infelizmente, não pode, senhor presidente.” E
ele: “Puxa, por que não me avisaram antes? Mas não tem problema, eu pago as
passagens.” O deputado acrescentou que já mandara apurar o “valor médio” das
passagens e que reembolsaria a FAB. E tudo resolvido. Qual é? Não tem nada de
mais, pessoal, está pago. Reparem: depois de todas as manifestações que
colocaram os políticos na marca do pênalti, o presidente da Câmara acha que não
tem nada de mais usar o jatinho da FAB, pago com o dinheiro dos manifestantes,
numa viagem do seu pessoal no fim de semana Mostra como o patrimonialismo está
na alma dos políticos. Se você não pode usar o dinheiro público, de que serve
ser autoridade, não é mesmo? Apanhado, o deputado classifica o uso do dinheiro
público em benefício pessoal como um simples “equívoco”, a ser resolvido ali no
ato, “por dever”. Quer dizer que, se um homem público desviar o uso de dinheiro
público — pois é disso que se trata —, admitir o erro e pagar, conforme a conta
que ele mesmo faz, fica tudo bem?O britânico Chris Huhne deveria ter consultado
os políticos brasileiros. Diriam a ele: admita o erro, pague a multa de novo,
devolva a carteira num ato solene e deixe a cena do crime, quer dizer, do caso,
com ar altivo. Também pelos padrões de Henrique Eduardo Alves, os dois
ministros do governo alemão que se demitiram depois de terem sido acusados de
plágio em teses acadêmicas, apresentadas muitos anos atrás, foram dois idiotas.
Era só admitir o equívoco. E devolver os títulos universitários. A sério: nesse
ambiente de resposta às ruas, cabe uma boa moralização no uso de veículos pelas
autoridades. As regras atuais são vagas o suficiente para permitir qualquer
farra. Mas a ética política deve ou deveria valer mesmo sem regras escritas.
Fonte: C.A. Sardenberg
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