O Brasil à mercê do jogo eleitoral.

NA COLUNA DA SEMANA PASSADA, foi abordada a correlação histórica entre o aumento do déficit nas contas externas e a elevação do ceticismo de investidores, quando se trata de nações emergentes. Tradicionalmente, este é um item nevrálgico na relação entre o capital internacional e países de baixa renda per capita, muitos deles classificados como em desenvolvimento. Obviamente, um abrangente número de indicadores são constantemente monitorados pela comunidade de grandes investidores globais, tanto no que tange a cada país individualmente, quanto à conjuntura planetária. Pelo lado do investidor, em momentos nos quais a liquidez no pipeline financeiro está prestes a iniciar um ciclo de contração, o custo da oportunidade – de se investir em outros lugares – começa a pesar mais nas decisões. Já pelo prisma das nações que necessitam de dinheiro de fora, a competição por recursos, que tendem a ficar mais escassos, torna-se mais acirrada.
O MUNDO VIVE HOJE a expectativa do início de um ciclo de aperto monetário. Justamente agora, uma série de indicadores econômicos se deterioram no Brasil, sendo que alguns a passos largos. Não é à toa, portanto, que o País foi incluído no grupo dos ‘cinco frágeis’. O ministro Mantega disse que a derrocada da OGX repercutiu mal, insinuando que este pudesse ser o principal fator por trás da piora na percepção estrangeira sobre o País. Tal raciocínio, no entanto, não deixa de ser uma simplificação pretensiosa. A petrolífera de Eike Batista, por sinal, foi símbolo do modelo econômico conhecido por pró-negócios, que vem sendo aplicado no Brasil na era petista. Segundo o ex-presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, este pode ser descrito como “um modelo parecido com o da década de 1970, com pouco foco em produtividade, mais fechado, com bancos públicos tendo um papel grande demais, com tratamento preferencial a empresas de setores estratégicos.” Costuma-se dizer que este é um modelo no qual o governo tenta eleger vencedores e, via de regra, acaba definindo também perdedores.
ENTRE OS INDICADORES que vêm chamando atenção negativamente, destaca-se o crescente rombo em transações correntes, com previsão pelo BC de fechar 2013 em US$ 75 bilhões, aproximando-se de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), encostando no pior resultado em mais de dez anos: 4,19% do PIB em 2001. Um segundo dado que vem incomodando analistas é o déficit do setor público – que considera as contas da União, estados, municípios e empresas estatais -– e que também vem se alargando. O resultado nominal (quando é incluída a despesa com pagamentos de juros) ficou no vermelho em R$ 22,3 bilhões em agosto, sendo que o buraco alcançou R$109 bilhões nos primeiros oito meses de 2013, equivalente a 3,5% do PIB e R$ 36 bilhões maior do que o registrado em igual período do ano passado, quando correspondia a 2,55% do PIB. O descontrole fiscal pressiona a inflação e os juros para cima. A expansão do déficit público também acende o sinal amarelo para investidores na questão do endividamento. Em agosto, o País não conseguiu economizar para gerar o tal superávit primário, que serve para amortizar dívidas e evitar que seja emitida dívida nova para o pagamento de juros das antigas. Ao contrário, o déficit primário no mês (sem a inclusão da despesa com juros) foi de R$ 432 milhões. Isso faz com que o governo tenha que emitir mais títulos para se financiar, ou seja, conduz ao aumento do endividamento.
EM SUA ÚLTIMA ANÁLISE DA CONJUNTURA, disponibilizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o ex-ministro da Fazenda e presidente do BC Ernane Galvêas destaca três problemas econômicos de maior gravidade imediata: o crescente déficit fiscal, a persistente inflação e o ameaçador déficit em contas correntes do balanço de pagamentos. “Ao que tudo indica, a presidente Dilma não tem condições para atacar os três problemas em conjunto. Daí que, estrategicamente, vai cuidar do problema de maior percepção popular e o que mais pesa do ponto de vista eleitoral para 2014, que é a inflação. Os outros dois serão enfocados no próximo ano”, conclui.
AO DISCORRER SOBRE AS causas da inflação, que vem rondando o teto da meta do BC durante todo o período Dilma, Galvêas aponta três como sendo os mais relevantes: o déficit fiscal, a política de reajustes salariais e a expansão do crédito direcionado. “Para evitar desgastes eleitorais, o governo vai deixar com o Banco Central a inteira responsabilidade de segurar a inflação, sem contrapartida da política fiscal. Como o Banco Central só tem um instrumento de ação para combater a inflação, que é a taxa de juros Selic, tudo indica que vai usá-lo até o final do ano”, constata – o mercado estima que a taxa básica do BC estará entre 9,25% e 10% em dezembro. Em sua análise, o ex-ministro adiciona ainda que movimentos na taxa de câmbio também podem pressionar os preços. “É óbvio que a desvalorização do real tem efeitos sobre a inflação, porém, é certo que a causa mais eficiente da inflação é a excessiva expansão do crédito. E aí, está acontecendo algo inexplicável: os bancos oficiais (BNDES, BB, e CEF) estão tomando empréstimos no exterior para aumentar, ainda mais, suas operações de crédito no mercado interno.”
GALVÊAS CONSIDERA UMA série estatística de médio prazo para aventar que a taxa de câmbio de equilíbrio deveria estar situada entre R$ 2,30 e R$ 2,40 por dólar. Ele lembra que, na última escalada da moeda norte-americana, ela alcançou R$ 2,45, em agosto passado. No seu entendimento, o governo, então, preocupado com as pressões inflacionárias oriundas desse movimento, baixou a taxa para os atuais R$ 2,20, por meio das seguidas intervenções que realizou nos mercados de câmbio. Mas alerta: “O governo chega ao exagero de dizer que a inflação está sob controle. Não é verdade. A inflação está estacionada, por várias razões, inclusive pelo nível baixo da demanda agregada, mas não está sob o controle do Banco Central, nem do Ministério da Fazenda.”
ESTÁ CLARO QUE OS planos econômicos de médio prazo do governo visam, acima de tudo, evitar desgastes até as eleições do ano que vem. Desse modo, os bancos estatais devem continuar a puxar a expansão do crédito, enquanto os gastos públicos, provavelmente, manterão a tendência de alta, forçando o BC a prosseguir a escalada dos juros. Ao que parece, Brasília não espera nenhum outro solavanco externo, capaz de deflagrar uma nova onda de vendas de ativos brasileiros por parte dos investidores internacionais. Caso isto venha a acontecer, tanto a taxa de câmbio, quanto a de juros, seriam empurradas para cima com mais força e ficaria bem mais complicado prever o comportamento da inflação. Neste cenário turbulento, os objetivos eleitorais estariam sob severa ameaça. Ao governo, todavia, restaria uma última carta na manga, que são as reservas internacionais, hoje da ordem de US$ 376 bilhões. Até outubro do ano que vem, portanto, a passagem do tempo será a maior aliada dos técnicos do ministério da Fazenda e do BC. Em caso de alguma intempérie mais séria, quanto mais perto estiver o pleito de 2014, menos dinheiro será torrado e menos traumáticas serão as consequências econômicas, pelo menos as de caráter imediato.
DE TEMPOS EM TEMPOS, quando o horizonte fica mais nebuloso, a presidente Dilma gosta de repetir um chavão que foi utilizado por Lula: “Quem apostar contra o Brasil vai perder dinheiro.” Depende de quem, ou de quantos apostem contra. Vale lembrar que, em 1992, o megainvestidor George Soros, entre outros, ganhou rios de dinheiro apostando contra o todo poderoso Banco da Inglaterra. Além do que, o papel do governo não é o de se fiar em apostas, mas sim em planejamento e em competência executiva.



Fonte: JC

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