Se
as bolsas de valores são vistas como vitrines da economia de um país, a
brasileira está com os vidros rachados, distorcendo a visão dos investidores
sobre a realidade econômica. Ou seria o contrário? Na média, o preço das ações
no mundo, indicador aproximado sobre a atratividade dos mercados nacionais, já
encosta no último recorde histórico, registrado em outubro de 2007. Mas o
mercado de ações do país, representado pela BM&FBovespa, continua, também
na média, bem longe do que chegou a valer o capital das empresas brasileiras,
num contraponto quase que isolado no mundo. É o que se lê no relatório de
setembro da World Federation of Exchanges (WFE) — associação das 58 bolsas de valores
reguladas do mundo, baseada em Paris. A capitalização de mercado de todas as
empresas abertas no mundo — ou seja, com ações cotadas em bolsas — atingiu US$
60,7 trilhões em setembro, o segundo maior valor da história e apenas 3,3%
abaixo do pico pré-recessão, de US$ 62,8 trilhões, obtido em outubro de 2007. A
recuperação impressiona, já que em seu nível mais baixo de valor de mercado, em
fevereiro de 2009, a capitalização global das ações desabou 50%, implicando a
queima de US$ 34 trilhões do estoque de riqueza financeira. Se não prosperar o
ato descerebrado da oposição do Partido Republicano na Câmara nos EUA, ao
associar a aprovação de despesas fiscais e o aumento do teto da dívida pública
à revisão do programa de saúde do governo Barack Obama, as bolsas vão embora. Entre
agosto e setembro, o valor de mercado das ações aumentou US$ 3,3 trilhões em
termos globais, o triplo da capitalização total das empresas brasileiras
abertas. O fato é que o Brasil está "barato" e tende a ser uma
barganha quanto mais célere o crescimento em outros países. Com US$ 1,08 trilhão
de valor de mercado em setembro, 8,7% menor que um ano atrás na conta em dólar
ou 0,2% acima em reais, as ações brasileiras continuam com desempenho desastroso.
O resultado se compara ao aumento de 14,8% das bolsas globais no mesmo período.
Comparado ao pico dos mercados acionários no mundo, em outubro de 2007, as
empresas brasileiras ainda acumulam uma retração em dólar de 22,8%, contra
apenas 3,3% de queda da capitalização mundial.
Resultados enganosos
O
sobe-e-desce das bolsas nem sempre expressa a saúde econômica de um país. As
quatro bolsas com maior aumento de valor de mercado de suas ações, portanto, da
capitalização de suas empresas abertas, em setembro sobre igual mês de 2012,
foram a da Grécia (+117%), a da Argentina (+58%), a da Irlanda (+41%) e a do
Japão (+31%). Dessas, só a do Japão reflete a esperança de melhora da economia,
embora movida a emissões de ienes. A da Grécia caíra tanto que até um aumento
de três dígitos é como se não saísse do lugar. A bolsa da Irlanda passa por
algo igual. As três, além disso, são pequenas. E a alta da bolsa argentina tem
uma faceta própria: com a inflação maquilada pelo governo, ações (e imóveis)
são formas de proteção do capital, correspondendo a investimento em ativos
reais.
Quadro bifocal dos EUA
Nos
EUA, com o maior e mais líquido mercado de capitais do mundo, as bolsas
ilustram a situação de caixa alto, dívida baixa e lucro decente das grandes
empresas do país, falseando o cenário de lenta recuperação da economia e ainda
mais retardado do ritmo de criação de empregos, além do grave quadro de impasse
institucional. Entre tais movimentos desconexos, o mercado reflete o astral
corporativo. É o que se verifica com o aumento interanual da capitalização das
empresas listadas na Bolsa de Nova York de 20,4% em setembro, em contraste com
o mau desempenho das empresas dos países emergentes. As maiores quedas de valor
de mercado no mundo foram das empresas da Bolsa da Índia (-19%) e das do Peru e
do Egito (ambas com -18%).
Viciada no hot money
E
por que, com economia diversificada, empresas fortes, a bolsa no Brasil
continua largada às traças? O baixo crescimento econômico é uma das
explicações. A alta presença na bolsa de empresas do setor de commodities, em
baixa no mundo, é outra razão, tal como a crise do grupo de Eike Batista. A
elevada taxa de juro real conta outro pedaço da história. Mas é o capital
externo o que, de verdade, move a bolsa. O investidor brasileiro é um mero
coadjuvante. O governo represara o hot money para forçar a depreciação cambial,
mas voltou atrás, temendo o overshooting do dólar e a inflação. Com taxa de
poupança baixa, o financiamento de uma parcela relevante do investimento produtivo,
o que inclui a emissão de ações, é bancado pelo dinheiro externo, e isso
pressupõe deficits em conta corrente. É uma coisa ou outra, não ambas, sem
poupança elevada. A bolsa vai e vem conforme tais inflexões, e distorções, da
política econômica.
Reboque e locomotiva
A
sorte dos políticos é que a compreensão da sociedade sobre o que movimenta a
economia seja baixa. O papel da bolsa, dado o histórico de perdas de quem
aplica em ações, é ainda menos entendido. Não se conta que empresas privadas e
públicas crescem com incorporação de lucros, emissão de ações e contratação de
dívida (em bancos ou com a emissão de papéis vendidos no mercado). Nessa conta
entra o que o governo não investe por carência orçamentária, outra forma de
dizer que não há poupança pública. O governo gasta mais, incluindo juros, do que
arrecada, e o deficit fiscal é o padrão histórico. Desde 2008, o governo apela
ao endividamento do Tesouro para gerar fundos repassados à banca federal, meio como
faz o Federal Reserve, em tese. A diferença é que o Tesouro trata como receita
primária os dividendos dessas operações. É um truque contábil que FMI, agências
de rating e o mercado deixaram de olhar com indulgência. Sem ele, o deficit
externo, e os riscos inerentes, é o que sobra para empurrar o crescimento. E a
bolsa? Vai a reboque, não como locomotiva.
Fonte: JC
Nenhum comentário:
Postar um comentário