Se políticos
continuarem a minimizar a crise fiscal, a perda do grau de investimento será o
menor dos problemas.
A revisão pela agência S&P da perspectiva
do rating soberano brasileiro de "estável" para "negativa"
aguçou o mau humor dos mercados na semana passada, já que aproxima ainda mais o
país da perda do grau de investimento. Porém, a decisão da S&P apenas corroborou
o que já era sabido por todos que minimamente analisam a situação fiscal do
país. A verdade é que o Brasil sofre uma crise fiscal de natureza estrutural
que se agravou nos últimos anos em razão da baixíssima qualidade da gestão
macroeconômica dos últimos anos do governo Lula e no primeiro mandato da
presidente Dilma.
Do ponto de vista estrutural, não há como o
país suportar que as despesas públicas continuem crescendo acima do PIB como
tem sido o padrão desde a promulgação da fiscalmente generosa Constituição de
1988, sem que isso leve a um crônico déficit primário do governo. A elevada
carga tributária, hoje em torno de 35% do PIB, por si só já é um indicador dos
limites que foram atingidos no que diz respeito à capacidade de extração pelo
governo de receitas da sociedade pela via da tributação. Numa situação como esta,
o razoável é esperar que daqui para frente as receitas passem a crescer em
linha com o PIB, sem repetir seu espetacular desempenho dos últimos 15 anos.
Apesar disso, as regras atuais que orientam
os gastos do governo conduzem necessariamente a sua expansão nos próximos anos
e décadas, num ritmo bem acima do que poderia vir a ser o crescimento do PIB
brasileiro. Os gastos do INSS, por exemplo, hoje em torno dos 7% do PIB, podem
atingir quase 9% do PIB daqui a 15 anos, caso não haja mudança nas regras de aposentadoria.
Além disso, há outras bombas de efeito retardado plantadas para complicar ainda
mais o quadro, como é o caso da obrigatoriedade legal de os gastos de saúde
corresponderem a no mínimo 15% da receita corrente líquida da União.
Por outro lado, não bastassem os efeitos do
envelhecimento populacional sobre as despesas previdenciárias, vive-se sob
permanente risco de aprovação de regras ainda mais onerosas para o Erário, como
foi o caso da recente mudança do fator previdenciário pelo Congresso e da
aprovação, acertadamente vetada pelo Executivo, da extensão do reajuste pelo
salário mínimo a todo o universo dos beneficiários do INSS. Aliás, parece que
estamos diante de um grave e profundo quadro de dissonância cognitiva em que os
políticos eleitos vivem em um mundo totalmente distante da realidade das
finanças públicas do país.
Quanto ao curto prazo, o grave quadro herdado
do primeiro mandato de Dilma impossibilita uma reversão rápida do quadro
fiscal, em que pese os esforços da nova equipe econômica. O déficit primário de
0,8% do PIB acumulado nos últimos 12 meses é prova disso. Tudo indica que, ao
fixar em 1,2% do PIB a meta de superávit primário para 2015, o ministro Levy
ignorava a extensão do estrago provocado pela gestão anterior nas finanças públicas,
assim como a gravidade da crise de confiança que se abateria sobre o país no
decorrer do ano. Assim o governo viu-se compelido a anunciar novas metas
fiscais para 2015 e 2016, praticamente aceitando a hipótese de ocorrência de
déficit primário neste ano.
Prevalecendo tal quadro nos próximos meses,
aumenta muito o risco de o Brasil perder o grau de investimento em futuro
próximo. Utilizando as expectativas médias de mercado para as principais
variáveis macroeconômicas, os exercícios de projeção da trajetória da dívida
pública indicam forte possibilidade de rompimento do limiar de 70% do PIB antes
de 2017. Contribuem, sem dúvida, para isso a estagnação ou queda do PIB real no
biênio 2015-2016 e a necessidade de manutenção da taxa real de juros em patamares
elevados no período, tendo em vista a permanência do risco inflacionário.
Além disso, a persistência de um quadro
político que hoje se caracteriza pela fraqueza da presidente da República pode
levar à paralisia decisória ou à aprovação pelo Legislativo de uma saraivada de
medidas fiscalmente imprudentes e onerosas, hipótese que bloquearia qualquer
possibilidade de obtenção de resultados primários favoráveis nos próximos anos.
Apesar da gravidade da situação, ainda é
possível poupar o Brasil do vexame da perda do grau de investimento que traria
consequências negativas para a economia numa conjuntura já extremamente
desfavorável em termos da confiança dos agentes econômicos na capacidade de
crescimento do país. É verdade que os graus de manobra são reduzidos, mas o
Brasil conta a seu favor com fatores institucionais e econômicos que,
combinados com uma trajetória mais favorável do primário no curto prazo, podem
levar as agências de classificação a manterem o grau de investimento por mais
algum tempo. Um cenário mais favorável pode resultar, por exemplo, da aprovação
pelo Congresso das medidas de ajuste propostas pelo governo e da adoção de
novas iniciativas para melhorar o desempenho fiscal no curto prazo.
De todo modo, no longo prazo, apenas a
realização de reformas que revertam a trajetória estrutural do gasto público
poderão assegurar a solvência fiscal. Caso os políticos continuem a minimizar
os problemas fiscais, a perda do grau de investimento será a mais branda das
consequências para o país.
Fonte:
G. Loyola/Valor Econômico.
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