A TRAGÉDIA GREGA


A criação da moeda europeia, o euro, foi uma decisão política da França e da Alemanha. O marco alemão era, na prática, a moeda europeia. Um fato que certamente incomodava o orgulho francês, que tem Paris como centro do mundo. A unificação da Alemanha, com a queda do muro de Berlim, serviu de pretexto para o presidente Mitterrand propor ao chanceler Kohl que o Bundesbank fosse substituído pelo Eurobank, com sede na mesma cidade do banco central alemão, Frankfurt, e que o presidente do novo banco central fosse um francês. Esta proposta não foi aceita, mas concordou-se que o primeiro presidente do banco central europeu, um holandês, renunciaria no meio de seu mandato, e um francês assumiria a presidência como ocorreu.
Os franceses mataram dois coelhos com uma cajadada: acabaram com o marco e criaram um forte concorrente para o dólar, a moeda internacional que eles sempre quiseram desbancar desde o tempo do general Charles de Gaulle. Os alemães, por sua vez, impuseram duas condições: independência completa do novo banco central, seguindo a tradição do Bundesbank, e regras fiscais estritas para os países membros da nova união monetária, pois a sustentabilidade fiscal é essencial para o funcionamento da política monetária.

Exigências
A regra fiscal do Pacto de Crescimento e Estabilidade instituiu dois critérios que os países que desejassem participar tinham que obedecer, um déficit público de no máximo 3% do PIB e uma relação dívida/PIB menor do que 60%. Este percentual da dívida mostrou-se ambicioso e prevaleceu a interpretação de que ele deveria ser apenas uma tendência a ser obedecida por cada país. Com relação ao déficit, a Alemanha, a França, a Holanda e a Grécia deixaram de cumprir esta meta nos primeiros anos do euro. Com a crise financeira de 2007/2008, tanto a meta da divida de 60% como a do déficit público de 3% tornaram-se miragens para os países do euro.
Apesar do descumprimento generalizado das regras fiscais, existe uma maneira bastante simples para avaliar-se a sustentabilidade fiscal de um país, que não envolve os números observados do déficit público e da dívida pública: a taxa de juros da dívida pública. Quando esta taxa inclui um premio de risco, o mercado financeiro sinaliza que existe uma possibilidade de que o governo não honre seus compromissos. No caso da Grécia, o mercado esta exigindo um prêmio de risco de mais de 2% acima da taxa paga pelo Tesouro Alemão, ou seja, a Grécia anda mal das pernas e precisa corrigir seu problema fiscal.

A teoria econômica, que analisa as condições para a formação de uma união monetária ótima, procura identificar os benefícios e custos de um país participar. No caso da Alemanha e da França, a decisão foi política. Alguns países, como a Suécia e a Inglaterra, prefeririam ficar fora do euro e manter suas moedas e no caso da Grécia e de outros países europeus, por que eles aderiram? Se a decisão também no foi politica, eles avaliaram que os benefícios compensavam os custos.
Numa união monetária podem ocorrer pelo menos três tipos de benefícios. O primeiro e o aumento do comercio internacional, porque deixa de existir o custo da variação cambial. O segundo tipo de benefício decorre da integração dos mercados financeiros, traduzindo-se na prática por uma taxa de juros real mais baixa. O terceiro benefício, para um país acostumado a uma política monetária errática, é ter um banco central com credibilidade, não sujeito ao sopro dos ventos políticos.

Custos
Na vida não tem almoço grátis. Quais são os custos de abdicar de sua própria moeda? O país deixa de ter o instrumento de política monetária, a taxa de juros. Quando um choque afeta às economias da união monetária de maneira assimétrica, não há como calibrar a taxa de juros para atender a cada um dos membros. Ademais, a taxa de câmbio deixa também de ser um ator coadjuvante importante neste processo, pois não há como mudar a taxa de câmbio com os demais parceiros da união, pois a moeda é única.
O único instrumento de política econômica que resta é a política fiscal. Porém, se a dívida pública já era elevada porque em tempos normais o governo gastava sistematicamente mais do que arrecadava, a única opção dos gregos é dançar sua música quebrando os pratos. Isto é, não existe outro caminho que não um ajuste fiscal vigoroso. No curto prazo, significa um aperto de cintos com bastante sacrifício para a população, que já compreendeu a situação e saiu às ruas em protesto.
A Grécia tem uma dívida pública bastante elevada, boa parte na mão de investidores estrangeiros, com uma rolagem expressiva nos próximos meses, mas com vencimentos escalonados ao longo do tempo. À comunidade do euro não interessa, portanto, que esta crise contagie o mercado financeiro. Por outro lado, tratar a Grécia maneira leniente poderia estabelecer o precedente de que compensa ser carona, um perigo para a sustentação da união monetária europeia.
Uma alternativa que poderia ser contemplada pela Grécia seria voltar a sua antiga moeda e sair do euro. Todavia, esta operação é bastante complexa porque significa reescrever todos os contratos e não seria recomendável fazê-lo num momento de crise. A emenda poderia ser pior do que o soneto, como diz o ditado popular.
Não há dúvida do sucesso do euro desde sua introdução como moeda escritural em 1999 e como papel moeda em 2002. O Banco Central Europeu, seguindo a tradição de seu antecessor, o Bundesbank da Alemanha, tornou-se um dos grandes bancos centrais do mundo. O Pacto de Crescimento e Estabilidade que determinou as regras fiscais já foi modificado, procurando-se ajustá-lo à realidade dos fatos. As penalidades previstas neste Pacto, para quem não cumprisse as regras fiscais, nunca foram postas em prática. A crise grega e a situação fiscal da maioria dos países europeus depois da crise financeira de 2007/2008 vai certamente exigir uma reorganização do arcabouço de regras fiscais da união monetária europeia.

Fonte: Fernando de Holanda Barbosa - Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV.

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