Nos 20 anos do Real,
expansão brasileira é a 15ª maior, enquanto alta de preços é a 7ª.
Passados 20 anos do Plano Real, os números
da economia mostram o Brasil com inflação alta de Terceiro Mundo e crescimento
baixo de país desenvolvido. Ao cruzar os dois indicadores com os de 32 países
de América Latina, Brics (além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul), Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan) e
desenvolvidos, o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, encontrou a
sétima maior inflação acumulada de 1995 a 2013, de 275,4%, mesmo com a
estabilização — o que representou taxa média anual de 7,2%, pouco acima da
expectativa de inflação do mercado para este ano, de 6,46%. Na América Latina,
o Brasil só perde para Venezuela e Colômbia. No ranking de crescimento, o
Brasil cai para o meio da lista. Está na 15ª posição, com média de expansão de
3%.
— O que essa tabela mostra é que, em termos
de crescimento econômico, o Brasil tem característica de país desenvolvido
(países maduros que crescem mais devagar). Já a inflação revela problema
crônico de país de Terceiro Mundo. Podemos sintetizar o problema pelo custo
Brasil, colocando no preço as nossas deficiências estruturais, como logística,
mobilidade urbana caótica, burocracia, tributação complexa e excessivamente
elevada.
‘CUSTO
BRASIL AFUGENTA CRESCIMENTO’
O economista ainda cita problemas de
ingerência política em decisões técnicas, o que provoca insegurança jurídica e
baixo crescimento.
— Todo esse custo Brasil afugenta o
crescimento. Os Tigres Asiáticos estão à frente do Brasil. Crescem quase o
dobro, enfrentando adversidades externas maiores que o Brasil. Na comparação
com os outros, é emblemática a nossa situação. Essa situação não é à toa. O
processo de estabilização do Brasil combateu 30 anos de indexação (repasse para
os preços da inflação passada), afirma o decano da PUC e especialista em
inflação Luiz Roberto Cunha:
— Ninguém teve 30 anos de indexação como
nós tivemos. No crescimento, tivemos problemas sim, não evoluímos nas reformas
como o Chile, a Colômbia e o Peru (todos tiveram expansão superior à do
Brasil). Eles caminharam melhor do que nós. É claro que a complexidade da
economia brasileira também é maior. Para poder conviver com a inflação, foi
criada a correção monetária no período militar, que embutia, na maioria dos
preços, a inflação passada. A correção monetária foi extinta com o Plano Real. Cunha
afirma que a indexação ainda existe, atualmente causada por uma inflação
renitente em 6%:
— A demanda por indexação cristalizada em
6% é muito grande, formal e informal. O aumento real do salário mínimo tem como
contrapartida a inflação de serviços, que está comendo parte do ganho. O
professor da USP Heron de Carmo teme esse repasse da inflação passada aos
preços de hoje. Para ele, o governo errou ao não reduzir para 3% a meta de
inflação quando as taxas estavam perto de 4%, entre 2006 e 2007:
— A inflação começou a subir com os
choques. Agora, vivemos administrando choques. Ainda temos o custo da taxa de
juros entre as mais altas do mundo. Há de se ter cuidado com as comparações,
afirma Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, diante de estágios diferentes
de desenvolvimento entre os países. Ela cita o exemplo da China, que deu um
impulso no crescimento com a migração da população rural para as cidades,
elevando a produtividade e o crescimento. O Brasil viveu este fenômeno com mais
intensidade nas décadas de 1960 e 1970. A economista considera boa a média de
3% de crescimento anual, mas chama a atenção para o fato de esta performance
ter piorado nos últimos anos. Para 2014, o Relatório de Inflação do Banco
Central, divulgado semana passada, já prevê expansão da economia de apenas
1,6%. Mas a avaliação da economista não se repete para as taxas de inflação:
— Ficamos mal na foto na inflação. É alta a
média de 7,2%. Muito longe da meta de 4,5%. Tem havido um enfraquecimento
institucional no Brasil. Isso fica claro com a inflação muito alta. Se alguns
preços não estivessem represados, poderia estar até acima de 7,2%. Deveríamos
estar hoje bem abaixo desta média de 20 anos.Cunha lembra que mesmo países que
sofreram com inflação alta não tinham a tradição de indexação do Brasil,
citando a quantidade de índices de preços aqui, com os da FGV, da Fipe e do
IBGE. Mônica afirma que Colômbia, Chile e Peru não tiveram o problema inflacionário
do Brasil, mas conseguiram adotar políticas de abertura comercial e fazer
reformas como a tributária e trabalhista:
— Quando se faz reforma estrutural,
ganha-se eficiência. O crescimento sobe, e a inflação cai.
REAL:
FALTA DE SURPRESA EXPLICA SUCESSO
Para Lia Valls, especialista em América
Latina da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil se saiu bem, na medida do
possível, principalmente baixando o patamar da inflação:
— Dentro do possível, a gente se saiu bem.
Conseguimos, principalmente, sair da âncora cambial de uma forma que não causou
muito trauma na economia. Conseguimos fazer isso de uma maneira que não a
inflação não acelerou. Depois se criou um consenso de que a inflação é algo que
a gente não deve aceitar. Cunha afirma que o sucesso do real veio da falta de
surpresas. Num artigo em dezembro de 1993, o professor da PUC explica cada
passo do plano, com base na divulgação oficial, ao contrário de planos
anteriores, que a população só sabia o que ia acontecer na hora. Na avaliação
do diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto
de Economia da Unicamp, Francisco Lopreato, foi a renegociação da dívida
externa que viabilizou o sucesso do Plano Real. Segundo ele, a experiência
brasileira seguiu a de outros países da América Latina, que conseguiram se
livrar da hiperinflação após reestruturar a dívida dos países. — Não é
coincidência que o Plano Real só tenha ocorrido depois da renegociação. Sem
querer tirar o mérito do real, que foi um plano inteligente, o acordo da dívida
retomou o acesso ao crédito internacional, o que tornou viável o plano.
Fonte:
O Globo