A agenda da reunião do Conselho de Administração
da Petrobras que aprovou o plano de investimentos da estatal para o período de
2013-2017, no total de US$ 236,7 bilhões, equivalentes a 1,96% do PIB ao ano,
incluía outro tema, igualmente sensível, cuja apresentação foi adiada por falta
de tempo: as consequências no Brasil da exploração do gás de xisto e de
petróleo de fontes não convencionais nos Estados Unidos. Trata-se de uma
revolução, especialmente na oferta de gás, que é o que está por trás da
retomada do investimento industrial nos EUA em vários setores, sobretudos os
intensivos em consumo de energia. Em março, de acordo com a comissão federal de
energia dos EUA (FERC, na sigla em inglês), o gás está cotado lá a US$ 3 por
milhão de BTU (unidade térmica). No Brasil, US$ 16,80, algo assim na Europa,
US$ 17,80 na Coreia do Sul, US$ 18,10 na Argentina, US$ 19,40 na China. Nos EUA
é assim há mais de três anos, dada a oferta abundante e a restrição do governo
à exportação de gás e petróleo não processado. No resto do mundo com carência energética,
como Europa e China, o preço alto é recorrente, além das questões geopolíticas.
A Europa depende do gás russo. A China se volta ao Golfo Pérsico e tende a
assumir com a Índia o papel, hoje dos EUA, de gendarme da região. O preço, tal
como o do petróleo cru, é ditado pelas conveniências do fornecedor e do cartel
da OPEP. Os EUA começam a se livrar dessa canga, como se espera que o pré-sal seja
a nossa alforria. Só que o novo quadro da energia nos EUA implica
desdobramentos complexos. As estimativas são de que as reservas de gás
constatadas garantem aos EUA fornecimento por 150 anos, ao nível de 1,5 bilhão
de metros cúbicos/dia, segundo importante entrevista do engenheiro Sérgio
Quintella, conselheiro da Petrobras, à Conjuntura Econômica, órgão da Fundação
Getulio Vargas (FGV), da qual é vice-presidente. "Daqui a apenas cinco,
seis anos", disse, "os EUA estarão perto da autossuficiência em
energia". E não só pelo gás extraído do xisto, cuja ocorrência também se
dá no Brasil, embora se saiba pouco sobre a extensão e condições de exploração.
Tais questões não são neutras à Petrobras. Elas suscitam duvidas e demandam respostas
do governo.
EUA vão sair do
mercado
Os EUA, aos poucos, também estão obtendo cada vez
mais petróleo. A previsão é que a importação caia de 11 milhões de barris/dia
para 3 milhões, disse Quintella na entrevista – um resultado, acrescentou, que
vai liberar cerca de 8 milhões de barris/dia para o mercado. "Isso terá
influência no preço, a não ser que a demanda interna da China cresça muito",
ele pondera. O preço do barril vai cair diante deste cenário ou ficará estável
em torno de US$ 100, o preço médio atual, como supôs a Petrobras para
2013-2017? Já há simulações nos EUA projetando o preço do barril em torno de
US$ 70 e até menos, se não for revogada a restrição à exportação de óleo cru.
Obama faz oferta à
China
Não é improvável que a China recorra a fontes
alternativas e até participe dos programas de energia dos EUA, mesmo o xisto,
conforme acordo bilateral facilitado pelo presidente Barack Obama. Ele tocou no
tema ao saudar o presidente da China, Xi Jinping, cujo governo começou na
semana passada, no contexto da reclamação sobre ataques de hackers,
supostamente chineses, contra empresas americanas. As consequências
geopolíticas sobre a revolução energética nos EUA "são evidentes",
segundo Quintella. Tudo isso motivou o Conselho de Administração da Petrobras a
pedir estudos aprofundados à estatal. A presidente da empresa, Graça Foster,
segundo Quintella, criou um grupo para pesquisar a tecnologia do fracionamento
hidráulico, que permitiu a produção de gás de xisto nos EUA, e identificar
locais mais prováveis de sua existência no Brasil. Mas ela fez mais.
Conveniência dos
gastos
A Petrobras contratou uma consultoria dos EUA
para estudar a fundo os desdobramentos do fenômeno do gás de xisto. O trabalho
deve ser apresentado na próxima reunião de seu conselho. A providência é bem
vinda. Também seria saber se a produção de petróleo e gás (com pré-sal
incluído), prevista em 4,2 milhões de barris/dia em 2020 pela Petrobras,
deixará excedente para exportar. Talvez não, com a volta do crescimento
econômico à normalidade, 4% ao ano, por aí Em tal caso, e com o alivio do preço
externo devido à autonomia em curso nos EUA e aos programas de conservação e às
novas tecnologias (solar, eólica etc.), merece ser estudada a conveniência dos
gastos para criar uma cadeia local de fornecedores, uma das grandes causas dos
custos enfrentados pela Petrobras. Ainda há muito que discutir.
A Petrobras emparedada
programa de investimentos do que às razões
alegadas pelos críticos, ainda que eles tenham razão. Inépcia de sua administração
no governo Lula, quadros politizados e defasagem do preço são as críticas mais
comuns. As causas são mais objetivas, estando sua origem no que a obriga a lei
de petróleo patrocinada pelo governo Lula e apoiada pela então ministra Dilma
Rousseff. A Petrobras virou operadora única do pré-sal, tem de bancar um mínimo
de 30% de cada área licitada e, além disso, dar preferencia a fornecedor
nacional, mesmo com custo maior que o de mercado, sem tecnologia e incapaz de
cumprir os prazos. Para um projeto de 50 anos, com o preço tendendo a US$ 150,
e foi além antes da crise de 2008, levado pela especulação, parecia ser o
certo. Mas o mundo mudou. Os EUA caminham para a autonomia, surgem novas
energias, o etanol de segunda geração é realidade aqui. Tais são os fatos e não
se pode ignorá-los.
Fonte: JC