O Brasil
voltou a conviver com os fantasmas do passado. Depois de uma década de calma
relativa, as catacumbas se abrem e exibem velhos conhecidos até então
considerados mortos ou enfraquecidos o suficiente para não incomodar, como a
inflação, os baixos índices de investimento e de crescimento, o inchaço de um
Estado intervencionista e até as aplicações de curtíssimo prazo, à moda do
overnight — quem ainda se lembrava dele? A inflação tem visibilidade maior
porque está estampada nas gôndolas dos supermercados e frutarias. Sua alta pesa
rapidamente no bolso do consumidor. As donas de casa, que já foram fiscais do
Sarney e enfrentaram a carestia dos anos 1980, lembram bem do estrago que uma
disparada dos preços pode ocasionar. Estamos longe de repetir esse quadro, mas
a forma como o governo tem lidado com o assunto amplia o risco da situação
piorar. O problema, segundo especialistas, é tratado de maneira incorreta
porque está sendo visto pelo ângulo errado. Não é o tomate o vilão nem o frango
o salvador. A questão está relacionada à perda de autonomia do Banco Central (BC),
que no período Dilma Rousseff não conseguiu manter a relativa independência
conquistada nos governos passados. A questão está sendo conduzida pelo olhar
político, aquele que mantêm o foco apenas no campo eleitoral. Nos últimos 13
anos, a inflação nos países desenvolvidos foi de 2% ao ano, em média, segundo o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Este ano, será ainda menor: 1,6%. No
Brasil, a inflação em 12 meses, terminada em março, ultrapassamos o teto da
meta de 6,5%. Nos últimos quatro anos, o país não se esforçou para ficar no
centro da meta (4,5%). O piso (2,5%) tornou-se peça de ficção. A ambição do BC
passou a ser não ultrapassar o limite do considerado aceitável. Em comparação
com os países da América Latina, somos os campeões na taxa de inflação.
Projeções do FMI para este ano e para o próximo apontam os seguintes índices:
Crescimento
No patamar atual, a inflação brasileira dificulta às empresas fazer
planejamentos e investimentos em médio e longo prazos. É ainda mais cruel com o
trabalhador, que tem a renda corroída rapidamente. Mesmo com dinheiro em caixa,
e beneficiadas com os programas de desoneração do governo, que chegarão a R$
158 bilhões entre este ano e o próximo, as empresas nacionais não estão
contribuindo para o crescimento do país. Falta confiança nos rumos da economia
e prevalecem, ainda, os receios causados pelo estilo intervencionista da
presidente Dilma. Em discursos recentes, a chefe do Executivo insistiu que o
investimento chegará a 25% do PIB até o fim de seu governo. Frente aos índices
atuais, abaixo de 18%, é praticamente impossível. A taxa média anual de
crescimento dos dois primeiros anos da administração Dilma é de 1,8%, a mais
baixa para um início de mandato desde a Era Collor. Fernando Henrique Cardoso,
em plena crise, conseguiu entregar uma taxa acumulada de 2,28%, no seu segundo mandato.
E Lula manteve o patamar de 3,43% nas duas gestões. A desculpa de que o baixo
crescimento está atrelado à crise global já não convence mais ninguém. A
Comissão Econômica da América Latina e Caribe (Cepal) reduziu, na semana
passada, a projeção de crescimento da região devido à recuperação menos
dinâmica de Brasil e Argentina. A expectativa caiu de 3,8% para 3,5%. Ficaremos
com o pior índice, abaixo até mesmo do país de Cristina Kirchner, que passa por
um dos piores momentos de sua economia. O crescimento do Brasil será de 3%,
enquanto o de vizinhos como Argentina e Paraguai será de 3,5% e 10%,
respectivamente. Panamá (8%), Peru (6%), Haiti (6%), Colômbia (4,5%), Uruguai
(3,8%) e México (3,5%) completam a lista.
Bolsa
banqueiro
O baixo crescimento já começa a refletir na capacidade do país
de criar empregos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mostram que, mês a mês, a geração de postos de trabalho tem
desacelerado. E a indústria continua a demitir mesmo com todos os benefícios recebidos
do governo. Em março, o saldo líquido entre admissões e demissões fechou no
vermelho em 83 mil vagas, levando-se em conta as seis maiores regiões metropolitanas
do país. Com menos produção e custos em alta, o setor não tem conseguido vencer
a concorrência com produtos importados. Prova disso é que o deficit nas
transações correntes está em um patamar preocupante. Apenas nos três primeiros meses
do ano, a conta do que entrou e saiu do Brasil ficou no vermelho em US$ 24,8
bilhões. Trata-se do maior rombo nas contas externas já registradas para o
período na história recente e pior, esse buraco terá que ser coberto com
capital especulativo. Mais uma prova de que os fantasmas do passado voltaram a
assombrar o Brasil. Em meio a esse turbilhão de más notícias, um dado novo voltou
à tona no debate econômico. O excesso de dinheiro em circulação no mercado
bancário levou o BC a elevar o volume de operações compromissadas, reeditando o
esquecido overnight. Muito comum na época de hiperinflação, esse tipo de
aplicação teve volume recorde de R$ 700 bilhões somente em abril. Para o
economista Felipe Salto, essas operações custam aos cofres públicos R$ 46
bilhões ao ano — três vezes mais que o desembolso do programa Bolsa Família.
Não à toa, ele chama a volta do overnight de "bolsa banqueiro".
Fonte:JC
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