No
campeonato brasileiro desse ano, após emendar 29 rodadas entre os
quatro primeiros colocados, sendo que algumas delas na liderança, na 34ª o
Botafogo deixou o pomposo grupo do G-4, cujos integrantes se qualificam à disputa
da almejada Taça Libertadores da América,
a apenas quatro jogos do final da
temporada. Esta coluna está sendo escrita um pouco antes das últimas e
decisivas partidas, cujo desenrolar ainda promete emoções fortes ao torcedor
alvinegro. No que tange à questão brasileira, o seu desenlace também depende de
um confronto, sendo que este se dá sobretudo no campo ideológico, envolvendo
visões bastante díspares, bem como motivações ou interesses muitas vezes
nebulosos. Na época em que o Botafogo ganhava seu último campeonato nacional, o
Brasil começava a sentir os efeitos da última grande reforma econômica,
iniciada pelo Plano Real. Foi ali, mais precisamente em 1994, que começaram a
ser plantados os alicerces de um projeto de longo prazo para o País. A decorrente
estabilização da economia mostrou-se em pouco tempo um poderoso instrumento de
inclusão social, ampliando o poder de compra da população e permitindo que as
famílias mais humildes passassem a planejar suas vidas, coisa difícil em um
país que acumulara, de 1965 a 1994, inflação superior a um quatrilhão por
cento! A implementação do plano deu
sequência a uma série de reformas estruturais, entre as quais se destacam a
privatização de setores estratégicos, que se encontravam emperrados nas mãos do
Estado, a criação das agências reguladoras, o programa de estabilização do
sistema financeiro (o Proer), a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal,
com a renegociação da dívida de estados e municípios dentro de critérios
extremamente rigorosos, a liquidação ou venda de bancos estaduais, que eram
grandes fontes de corrupção e cuja saúde ameaçava o sistema financeiro, a
promoção de uma maior abertura comercial ao exterior e o lançamento de uma
série de iniciativas na área social. Ainda durante o governo Fernando Henrique
Cardoso, foram instituídos o regime de metas de inflação, com a independência
tácita do Banco Central para conduzir a política monetária, e o câmbio
flutuante. Do primeiro governo Lula, que se iniciou em 2003, até hoje, o que se
viu foi uma política econômica essencialmente adaptativa, até mesmo por causa
do consenso que se estabeleceu acerca do chamado tripé macroeconômico (metas de
inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal), como também por conta
das turbulências internacionais. Do segundo mandato de Lula em diante, a
pretexto de mitigar os efeitos domésticos da crise que se abateu sobre as
economias desenvolvidas, o governo aprofundou os incentivos ao consumo e
afrouxou a política fiscal. Em suma, principalmente no seu primeiro mandato, o
líder petista consolidou as reformas implementadas por seu antecessor, sem,
contudo, voltar-se para outros entraves do País, que, cedo ou tarde,
precisariam ser enfocados. Vale ressaltar que o arcabouço assistencialista
também foi repaginado e reforçado. O governo Dilma seguiu a linha do de Lula,
restringindo-se a lidar com situações de
acordo como elas vão surgindo. Diante de uma inflação em tendência de alta e da
atividade econômica em queda, decidiu prolongar o enlevo consumista, mesmo diante
do acúmulo de evidências que mostravam a exaustão do modelo. Prosseguiu com a
elevação dos gastos públicos e preservou os estímulos ao consumo das famílias,
continuando a puxar a expansão do crédito via bancos oficiais, não apenas
deixando o Banco Central totalmente isolado na luta contra a inflação, como
também sabotando a tarefa do órgão. Por fim, a máquina governista começou a
ensaiar uma ruptura com os paradigmas estabelecidos desde 1994, especialmente
no que tange à responsabilidade fiscal. Olhando-se para trás na história do
País, de outras nações e mesmo de indivíduos, percebe-se que um dos principais,
senão o principal fator determinante do sucesso, é a convicção no caminho
traçado. Questionamentos e hesitações são normais e profícuas, mas quando
começam a impedir o avanço rumo aos objetivos almejados, tornam-se um estorvo.
Chega-se a um ponto em que, sem sólidas diretrizes que norteiem o planejamento
no longo prazo, as ações de curto prazo começam a se engalfinhar. Nesse mérito,
o que vem ocorrendo com a Petrobras é emblemático. Para aqueles que acreditam
em economia de mercado e nos conceitos básicos sob os quais ela se assenta, o
uso político da petrolífera para segurar os preços domésticos é um sacrilégio.
Já para a equipe econômica é uma atitude totalmente válida, normal. É o que se
entende dos comentários do ministro da Fazenda Guido Mantega, que deixou claro
que, na sua visão, o combate à escalada dos preços deve se sobrepor aos
interesses da companhia. Cabe lembrar, no entanto, que a Petrobras depende de
captar dinheiro no mercado para cumprir os imponentes investimentos com que
está comprometida. Das duas uma: o governo não conta com o mercado, o que é de
se estranhar, ou não o compreende muito bem. Seja como for, pode-se deduzir que
a equipe econômica subestima a lógica da engrenagem na qual a economia
brasileira está inserida, goste ou não, ou superestima o seu poder de
contrariá-la. O relacionamento do governo com o mercado, por sinal, tem sido
marcado pela dubiedade. Mais parece uma criança, que dissimula quando é
apanhada em alguma travessura. Só que o excesso de rebeldia costuma ser
castigado. Em se tratando de economia, o castigo pode causar sérios prejuízos.
É sempre bom ressaltar que, no caso de rebaixamento da nota do Brasil e da
Petrobras pelas agências classificadoras de risco, os investimentos
estrangeiros seriam desestimulados, em um momento no qual eles são cruciais.
Além disso, o custo de empréstimos à empresa e ao País entraria em rota
ascendente. Dizem que a referência de sistema econômico que o governo de Dilma
teria em mente, assim como o de Lula, seria o chinês nas últimas décadas, um
conceito que convencionou-se chamar de socialismo de mercado. Entretanto, além
de as histórias e peculiaridades dos dois países serem drasticamente
diferentes, a China está em transição. A sua economia caminha claramente no
sentido de mais abertura, capitalismo e integração com os mercados
internacionais. O Brasil vai na contramão? Mais proveitoso seria se, em vez de
ficar se atendo a dogmas, picuinhas e à cobiça sem limites daqueles que o
formam, o governo buscasse de fato ir além dos avanços já consumados pela
nação, priorizando a visão de longo prazo. No curto prazo, bastaria cumprir à
risca o que a sociedade já referendou no passado, sem a necessidade de ficar
inventando modas e, politicamente
falando, custe o que custar. Pelo menos até as eleições do ano que vem,
contudo, isso certamente não acontecerá. E até lá, infelizmente, há tempo de sobra
para que estragos significativos se consumem, atrasando-se ainda mais o próximo
voo. Em tempo, é triste ver a presidente do Brasil vir a público defender a
continuação de obras cuja paralização vem sendo recomendada pelo Tribunal de
Contas da União, por repetidas evidências de superfaturamento, ou ainda por
erros crassos de execução. Crime não seria paralisá-las, como disse a
presidente, mas sim permitir que se permaneça surrupiando dinheiro público ou
que, no caso de uma estrada, continue a ser construída na direção errada. Mas a
ótica míope, acostumada a deturpações, não enxerga maiores problemas. Esse tipo
de coisa sim, é que precisa ser mudado. Bom, o campeonato ainda não acabou.
Pode ser até que, nessa derradeira rodada, o Botafogo alcance a terceira
posição da tabela e termine classificado para a Libertadores do ano que vem, o
que seria uma vitória sem título. Pode ser também que chegue em quarto, mas
acabe perdendo a vaga no principal torneio das Américas para a Ponte Preta,
caso o clube de Campinas vença a decisão contra o Lanús da Argentina na próxima
quarta-feira e se sagre campeão da Copa Sul Americana. Se esta última hipótese
se concretizar, entrará para a história como mais um naufrágio de última hora
do Glorioso. Complicada a situação do Botafogo, complicada a situação do Brasil.
Fonte: JC
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