O Fed como Pilatos.

Não se discute mais que a economia brasileira está submetida a uma onda de estresse com epicentro no mercado financeiro. Ela atinge as economias emergentes em geral, mas com gradações, de marolinhas até vagalhões, sem que esteja clara a força com que chegarão por aqui. Em 2009, segundo o presidente Lula, foram marolinhas. Desde então, a crise originada nos EUA rodou o mundo, vergou a Europa, aproxima-se agora das economias emergentes, e a política econômica no Brasil pouco mudou. Pelo menos em relação ao que a expõe ao risco externo — basicamente, o viés do deficit em conta-corrente e a necessidade de financiamento para cobri-lo, além de girar os papéis do Tesouro. Hoje, conforme o depoimento da nova presidente do Federal Reserve, Janet Yellen, à Câmara dos EUA, a economia brasileira seria uma das mais vulneráveis. Mas devido ao que denominou de “desenvolvimentos adversos”, sem relação com a lenta volta à normalidade da liquidez do dólar. O alerta do Fed chocou o governo Dilma Rousseff. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, foi acionado a contatar seus interlocutores junto à equipe de Janet, sucessora de Ben Bernanke, para argumentar que o mercado já diferencia o Brasil dos outros emergentes avaliados como os mais frágeis no momento: Turquia (o mais abalado), Índia, Indonésia e África do Sul. Deve ter ouvido que está tudo num gráfico da exposição de Yellen. Trata-se de um índice elaborado pelo Fed que mede a vulnerabilidade de 14 países emergentes, combinando taxas cambiais frente ao dólar com uma mistura de indicadores como o saldo em contas-correntes, o crescimento do crédito, e a relação entre a reserva de divisas e as exportações e entre a dívida externa e o PIB. O gráfico apresentado por Janet abrange o período de 30 de abril de 2013 ao último dia 6. A leitura do tal gráfico indica Coréia do Sul e China sem maiores problemas com o ajuste monetário nos EUA. No extremo inferior, pela ordem, aparecem Turquia e Brasil. O texto lido por Janet afirma que as “economias que aparecem relativamente mais vulneráveis no índice são as que tiveram maior desvalorização cambial” no período. E “o rendimento dos títulos públicos também foi o que mais aumentou”.
Diagnóstico sem firula
A conclusão do Fed: “Essa evidência é consistente com a visão de que a redução do grau de vulnerabilidade econômica é importante, se as economias emergentes forem tornar-se mais resistentes a choques externos, incluindo os resultantes de desenvolvimentos financeiros nas economias avançadas”. Curto e grosso, o que isso quer dizer? Que vai ficar mais difícil financiar os deficits externos, dada a redução do laxismo monetário nos EUA (e da Inglaterra, que tende a diminuir acompanhando o viés do dólar, e da China, o país que mais espichou o crédito desde 2009 e dá sinais de passar por uma crise bancária). No geral, tais deficits resultam da queda do superavit comercial, com as importações avançando sobre as exportações. O Brasil tem deficit fiscal crônico, as contas externas também são negativas, e o consumo corre à frente do PIB há vários anos.
O tombo de R$ 60 bi/ano
Nos cenários do economista Fernando Montero, os problemas aparecem com clareza ao se analisar o excedente de receita tributária gerado pela economia. Entre 2004 e 2011, a receita líquida federal cresceu 7,7% ao ano acima da inflação. Em dinheiro, significa que o governo dispôs de R$ 80 bilhões a mais de receita a cada ano. E agora? Nos últimos dois anos, a receita líquida regular (sem a licitação do campo de Libra e Refis) cresceu 1,7% real ao ano, deixando uma folga de R$ 17 bilhões anual. E isso com a despesa ganhando tração a cada ano ao redor de 9%. O governo Lula teve R$ 80 bilhões para gastar a cada ano (supondo o deficit nominal habitual). A folga caiu para R$ 17 bilhões por ano. Resumo: O governo Dilma Rousseff “perdeu” R$ 60 bilhões de receita/ano, sem equivalência na despesa.
Governo legou a força
A diferença virou deficit fiscal, financiado por papéis do Tesouro vendidos no mercado. E expandiu o deficit externo, já que o gasto público turbina a demanda, parte da qual é atendida com importação (em paralelo à reversão das commodities, reduzindo exportações). Nessa peleja, o BC sobe juros visando moderar a demanda (portanto, a importação e o deficit externo) e atrair hot money para fechar a conta, de modo a que o ajuste não recaia só sobre o crescimento e o emprego. A vulnerabilidade ocorre quando a liquidez se estreita no mundo e o naco da demanda vazado para importações mantém o ritmo de antes. E assim é porque o crescimento está abaixo do potencial, não há muito gasto para cortar sem ferir a lei, o ano é eleitoral e não há a quem apelar, se a política econômica legou a força ao mercado.
Como acalmar os ogros
A conta estimada para o governo se acertar com os ogros do mercado financeiro é da ordem de R$ 45 bilhões, segundo Fernando Montero. É o gasto a ser cortado na Lei Orçamentária Anual de 2014. Mas ela já saiu do Congresso e foi sancionada pela presidente com as despesas mandatórias subestimadas e a receita inflada. Além disso, surge a necessidade de gastos maiores que o projetado, tais como a conta de subsídios ao setor elétrico, que pode dobrar sobre os R$ 9 bilhões estimados. O recurso de segurar emendas parlamentares foi vetado. Dificilmente o governo arranjará nova montanha de receita atípica como ocorreu em 2013 (cerca de R$ 35 bilhões). A via de escape do gasto bancado com repasses do Tesouro ao BNDES implica emissão de dívida que parte do mercado só se habilita a subscrever se tiver mais juros e outra parte, a externa, pode dar com as pernas como alerta o Fed. Mas não é para ficar pessimista. O que esta sendo forçado é a antecipação de reformas que viriam de algum modo em 2015. Se bem feitas, o ajuste pode ser mais brando que depois da eleição.



Fonte: JC

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