Elevação de juros nos EUA vai acentuar desequilíbrios brasileiros


A economia brasileira chega ao dia em que será anunciado o esperado aumento da taxa de juros nos Estados Unidos marcada por profundas incertezas, agravadas pela nova derrota do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na tentativa de ajustar as contas públicas. O consenso dos especialistas é que os desequilíbrios macroeconômicos que fragilizam o país serão ainda mais acentuados nessa nova etapa em que a política monetária norte-americana começa o caminho de volta à normalidade.


A manutenção de taxas de juros próximas de zero, como aconteceu nos Estados Unidos durante os últimos sete anos, na esteira da crise financeira de 2008, deve ser considerada uma exceção na história econômica moderna. A política agressiva de expansão monetária praticada pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, foi a estratégia adotada para evitar que os transtornos deflagrados pelo colapso  do banco Lehman Brothers contagiassem ainda mais a economia mundial. O poder letal das crises financeiras globais condiciona a reação dos governos nesses momentos. 

Ao longo desses anos, os americanos avançaram no marco regulatório do setor financeiro e prepararam o retorno à política monetária tradicional. Apesar de amplamente antecipado pelo Fed, o movimento de elevação dos juros na principal economia do mundo encontra o Brasil em momento de particular desajuste econômico e político. Uma recessão de grandes proporções deverá se estender pelo menos até 2016, enquanto a taxa de inflação quebra a barreira dos dois dígitos e o desemprego percorre uma trajetória ascendente. No campo político, a presidente Dilma Rousseff trava uma luta acirrada pela sobrevivência no cargo. 

– O Brasil teve todo o tempo do mundo nesses últimos dois anos para corrigir os seus desequilíbrios internos e externos. Não conseguiu, por escolhas erradas de política macroeconômica até 2014. As tentativas de mudar o rumo neste ano esbarraram em dificuldades na área fiscal e no impasse político. Agora, o provável aumento dos juros pelo Fed torna o ambiente externo mais hostil e dificulta a superação do quadro de recessão com inflação – analisa o presidente do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central. 

Tendência
A sua conclusão, em conversa com o blog, é que o timing da decisão do Federal Reserve é ruim para o país. As fragilidades da economia brasileira estarão expostas justamente no momento em que ocorrerá uma dinâmica de realocação de capitais no sistema financeiro global. Nesse novo contexto, a tendência é que países que enfrentam desajustes macroeconômicos, como o Brasil, saiam perdendo na disputa por recursos e mercados em escala global. A expectativa é de valorização do dólar em relação às demais moedas, com impacto mais evidente nas economias em desequilíbrio.
O Brasil se insere nessa condição, mas Langoni ressalva que os fatores dominantes na variação do real hoje são o impasse político e a situação fiscal do país. Ou seja, as questões internas têm ditado a desvalorização da moeda brasileira. Um movimento mais brusco e agressivo do Federal Reserve na elevação dos juros poderia sobrepor esse cenário interno, mas não é o que está colocado no horizonte. O mais provável é que o Fed promova uma elevação de 25 pontos-base e caminhe gradualmente, ao longo de dois anos, em direção à média histórica dos juros nos EUA – em torno de 4% ao ano. 

Os acontecimentos de ontem na discussão da meta fiscal para 2016 confirmam o peso dos fatores internos na crise econômica brasileira. A decisão de reduzir a meta de superávit primário para 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano, com a possibilidade de zerá-la diante de uma série de eventos – a começar pela frustração da arrecadação tributária – comprovou mais uma vez a dificuldade que o governo encontra para gerir as contas públicas. Sem um compromisso claro com o ajuste fiscal, o país encontra-se à beira da perda do grau de investimento por uma segunda agência de classificação de risco. 

Trata-se de uma “combinação infeliz”, na avaliação de Langoni, essa que adiciona ao aumento de juros nos Estados Unidos a possibilidade de um novo rebaixamento da nota de crédito do país. A piora na percepção de risco-país que viria na esteira da descida de mais um degrau na classificação das agências internacionais não afetaria apenas a nota da dívida soberana. Repercutiria também na classificação de empresas e setores, como uma onda que propaga efeitos negativos. Nesse ambiente, a preferência pelos títulos americanos, com risco praticamente nulo e reforçados por taxas de juros mais atraentes, será irresistível. 

Commodities
As consequências da decisão dos integrantes do Federal Reserve devem atingir também uma área especialmente relevante para o Brasil, que é a exportação de commodities. O fim do superciclo que elevou às alturas os preços das commodities no mercado global começou a se acentuar a partir de 2012. A tendência, agora, é que seus preços sejam ainda mais deprimidos diante do aumento dos custos financeiros decorrentes da elevação de juros nos Estados Unidos. Como mercadorias negociadas em mercados globalizados, esses produtos são sensíveis às condições de financiamento para estocagem. 

Em outras palavras, o aumento dos custos financeiros tende a perpetuar os preços deprimidos de produtos como minério de ferro, importante na pauta de exportação brasileira, petróleo e grãos, entre outros. Ficaram distantes os tempos em que a tonelada de minério de ferro alcançou, em 2011, o pico de US$ 190 – hoje, está em torno de US$ 40. É claro, como ressalva Langoni, que o principal fator de retração da demanda pelas commodities é o fim da era de ouro da China, aquela em que a economia do país asiático cresceu a taxas superiores a 10% ano. Em contraste, a previsão mais recente para a próxima década é que a China avance em torno de 5% ao ano, ou até menos. 

O Brasil está colocado, assim, diante de desafios múltiplos para se reinventar no contexto de uma nova realidade econômica global. Imersas nos problemas internos, as lideranças políticas e empresariais do país parecem alheias ao risco que esse novo cenário internacional representa. No fundo, como diz Langoni, trata-se de uma “crise de Estado” vivida pelo Brasil e pontuada pelo esgotamento de um modelo que funcionou a contento numa época de bonança para a exportação de commodities e de liquidez abundante no mundo. 

A mudança na política monetária norte-americana adiciona, portanto, mais um capítulo na história das dificuldades brasileiras para se readaptar às mudanças estruturais em curso. A estratégia defendida pelo ex-presidente do Banco Central é uma guinada liberal da economia do país em direção a mais inovação, produtividade e tecnologia, os vetores principais da geração de riqueza no mundo. “Não é uma questão ideológica e sim pragmática”, defende. No mercado internacional mais competitivo e restrito, será necessário diversificar as exportações brasileiras, minimizando a dependência atual em relação às commodities. 

Essa mudança de foco proposta por Langoni pressupõe o equilíbrio das contas públicas e a busca de novas parcerias no campo comercial. Os acordos que poderiam abrir novos mercados para os produtos brasileiros estão engavetados ou sequer começaram a ser negociados, como ele lamenta. A pedra de toque do ajuste fiscal está relacionada à incapacidade gerencial e financeira de o Estado brasileiro alimentar um novo ciclo de desenvolvimento. As decisões tomadas ontem pela presidente Dilma Rousseff na definição da meta fiscal para 2016 indicam que o novo caminho proposto passa longe do Palácio do Planalto.

Fonte. Exame

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