Pedidos de recuperação judicial crescem mais entre pequenas e médias empresas

Com a crise, vendas caíram e empresas ficaram sem caixa para pagar as contas; empresas menores têm mais dificuldade de obter crédito, dizem economistas.

As micro e pequenas empresas sofrem os efeitos da crise com mais intensidade que as médias e grandes. De janeiro a novembro deste ano, os pedidos de recuperação judicial e falência das pequenas empresas cresceram mais na comparação com 2015 do que entre as companhias maiores, segundo pesquisas da Serasa Experian e da Boa Vista SCPC.

Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, afirma que “a crise afeta mais intensamente as pequenas empresas porque elas têm uma estrutura menor de capital, e menos condição de sobreviver por um tempo maior num ambiente econômico ruim”. “A pequena empresa não tem tantos recursos como uma grande. Na questão de crédito, dependem praticamente única e exclusivamente dos bancos, não têm acesso ao mercado de capitais.”

Flavio Kalil, economista da Boa Vista SCPC, aponta ainda outras causas para as dificuldades serem mais desafiadoras para pequenos e médios empresários. “Por terem menos recurso em caixa, as pequenas empresas têm menos capacidade de diversificar com suas receitas, de diversificar produtos. E, muitas vezes, suas receitas acabam sendo diminuídas ainda porque as grandes empresas param de contratar os serviços das pequenas para cortar seus próprios custos.”




Segundo dados da Serasa Experian, nos primeiros 11 meses do ano a quantidade de pequenas empresas que pediram recuperação judicial aumentou 80% na comparação com o ano passado. A variação é bem maior que a registrada pelas médias e grandes empresas, de 28% e 5%, respectivamente.

Dados da Boa Vista SCPC também apontam essa tendência. Enquanto os pedidos de recuperação judicial de pequenas empresas subiram 57%, os de médias tiveram alta de 11% e os de grandes, queda de 66%.

A recuperação judicial é o mecanismo pelo qual as empresas em dificuldade financeira tentam reestruturar sua dívida com credores. A lei de 2005 acabou com o instrumento da "concordata" no Brasil e permite que a empresa endividada apresente a sua própria proposta para os credores.




Os números sobre pedidos de falência dos primeiros onde meses do ano também mostram que a crise tem sido mais pesada para os pequenos empresários. Segundo a Serasa, houve aumento de 7% no número de pequenas empresas que pediram falência de janeiro a novembro, enquanto para as médias a alta foi de menos de 1%. Já entre as grandes empresas, houve queda de 0,2%. Já de acordo com a SCPC Boa Vista, o aumento no número de falências solicitadas foi de 12% entre as pequenas empresas, contra 3% entre as médias. Entre as grandes, houve aumento de 16%.

Empresas tentam se reerguer

O empresário Victor Sarue conta que a crise atingiu em cheio as contas de sua confecção de roupas masculinas em São Paulo, que vende as peças para lojas do varejo em todos os estados. O acúmulo de dívidas levou a empresa a pedir recuperação judicial, em novembro de 2015, depois de 20 anos de funcionamento. “Eu nunca passei por nada parecido”, afirma o sócio e diretor industrial MVS Industria e Comercio de Confecções, de São Paulo.

“A principal causa foi a queda brusca da demanda, de 50%, o consumo está muito baixo. O faturamento caiu na mesma proporção”, diz Saue, que prefere não divulgar valores. “Fora isso, a carga tributária é elevadíssima. Para ‘ajudar’, teve a inflação e as taxas bancárias cada vez mais crescentes, e mais a concorrência do importado”, lista o empresário. Ele aponta também que “o crédito escasso” também prejudicou a empresa no último ano.

Depois que o pedido de recuperação foi aceito, as principais mudanças para a realidade da empresa foram o aumento da restrição ao crédito e o enxugamento de custos, segundo Sarue. A confecção, que já chegou a ter cerca de 100 funcionários, tem hoje aproximadamente 50. Sarue aponta que a prioridade no corte de gastos é reduzir a quantidade de maquinário e de unidades. “Esse é o tamanho do mercado hoje. O mercado consumidor encolheu.”

Com a recuperação em andamento, as dívidas das empresas ficam suspensas temporariamente. Foi o que aconteceu com o grupo de fabricação de itens plásticos Canguru, de Criciúma (SC), que produz materiais como embalagens plásticas.

No pedido de recuperação, em julho de 2016, a empresa pedia, entre outras medidas, para que não fossem cortados os serviços de energia elétrica, telefone, água e gás, que estavam com pagamentos atrasados. A Justiça aceitou o argumento, apontando em decisão que os serviços são essenciais para a manutenção das atividades. A empresa continua na ativa.

No pedido, a empresa apontou entre as causas das dificuldades o endividamento acima das receitas, além da oferta de crédito menor e demanda fraca por causa da crise. A alta do dólar também aumentou os custos de produção. O endividamento chegou a R$ 200 milhões.

Luis Alberto de Paiva, presidente da Corporate Consulting, que cuida do processo da empresa, diz que ela está conseguindo reverter a situação. “Até a recuperação, a empresa já tinha acumulado prejuízo de R$ 12 milhões. O quadro deve fechar em R$ 8 milhões negativos em 2016. Já o ano de 2017, devemos fechar com cerca de R$ 18 milhões de lucro, que serão usados para amortização de dívidas.”

Segundo Paiva, a Canguru adotou práticas como redução de custos, como a matéria prima. “A empresa representava um risco de não pagamento, e os fornecedores se aproveitavam dessa situação. Fizemos a renegociação com fornecedores, e alguns foram até substituídos.”

Os gastos com a folha de pagamentos também tiveram corte. A empresa, que tem 45 anos, já chegou a ter 2 mil funcionários. Quando pediu recuperação, tinha 850 empregados. Hoje, são 400.

O Grupo Zanatta, dono da Canguru, tinha outras duas empresas em dificuldades. A Inza, de descartáveis, foi fechada. Já a Imbralit, de telhas e caixas d’água, também está em recuperação judicial.





Inadimplência

Para que o crescimento do número de pedidos de falência e recuperação judicial comece a desacelerar entre as micro e pequenas empresas, Luiz Rabi aponta que é preciso, primeiro, que o crescimento da inadimplência seja estancado.

Segundo a Serasa Experian, os dados mais recentes sobre a inadimplência mostram que o número empresas com contas em atraso vem aumentando, e chegou a 4,5 milhões até agosto, somando R$ 108 milhões em dívidas no total. O valor médio das dívidas por CNPJ é de R$ 24 mil, segundo a Serasa.

“A gente está ainda numa tendência de piora", diz Rabi. “As empresas começam a deixar de pagar uma série de compromissos antes de entrar com pedido de recuperação judicial. Enquanto a inadimplência não der nenhum sinal de queda, não vamos ver também sinal de queda nos pedidos de falência e recuperação judicial. ”

Retomada difícil

De cada quatro empresas que entram em recuperação judicial, apenas uma consegue retomar suas atividades depois do encerramento do processo. É o que revela outro estudo feito pela Serasa Experian logo após a entrada em vigor da Lei de Recuperação Judicial e Falência, em 2005.

O tempo médio de recuperação para empresas que entraram em Recuperação Judicial Deferida é de 4 anos e 7 meses. Segundo a pesquisa, entre junho de 2005 e dezembro de 2014, 23% das companhias que encerraram seu processo de recuperação judicial tiveram sucesso. Outros 77% dos casos terminaram em falência.

O economista Luiz Rabi aponta que uma das justificativas para os números é que algumas empresas solicitam a recuperação quando já estão numa situação irreversível.

Luis Alberto de Paiva, presidente da Corporate Consulting, diz que “a maioria das recuperações judiciais não tem sido tratada adequadamente”. “A maior parte das empresas não tem conseguido reverter a gestão. Pedem recuperação, mas continuam fazendo a mesma coisa, obtendo os mesmos resultados.”




Fonte: G1.

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