Porque os preços de ações sobem

Com o passar do tempo, os preços de ações estão fadados a subir? Fatores micro e macroeconômicos estão enredados nesta ponderação. Olhando-se o contexto macro exclusivamente, a resposta à pergunta seria sim. A população mundial aumenta, assim como a demanda por bens materiais, os investimentos e a produção das empresas, as vendas, os lucros. A história é dividida em grandes ciclos de crescimento da atividade econômica, com correções intercaladas, que caracterizam os períodos recessivos, de mercado urso (de preços de ativos declinantes). Estes intervalos, contudo, são ajustes temporários, dentro de uma eterna trajetória de expansão. Por outro lado, se a análise for feita sob a ótica micro, fica evidente que a resposta não é tão simples assim. Ao longo dos anos, as necessidades, os hábitos e as preferências do ser humano mudam e, além disso, o crescimento da atividade resulta em maior competição. Provavelmente, essas asserções básicas de microeconomia compõem a melhor explicação para o sobe e desce do valor de empresas, no âmbito econômico global. Visto por este ângulo pura e simplesmente, então, o preço de uma determinada ação subiria até um ponto, a partir do qual começaria a declinar, até virar pó, com o desaparecimento da companhia. Em seu lugar, simultaneamente, outro papel, de outra firma, estaria despontando e fazendo o percurso inverso. Esta ação em processo de valorização representaria a mudança, os novos anseios da população. Se esta lógica prevalecesse ao pé da letra, teríamos um mercado sempre dividido, com parte das ações em subida consistente, enquanto outras se encontrariam em queda inexorável. Também não é bem isso que acontece.Embora extremas, quando aplicadas em conjunto, estas duas linhas de pensamento se aproximam da realidade, ajudando a montar o quebra-cabeça. De fato, ambas as teses são verdadeiras, só que com vasta gama de pormenores, possibilidades e variantes, que ocorrem tanto no nível macro como no microeconômico. No primeiro, intervenções governamentais, como, por exemplo, as medidas monetárias e fiscais que foram adotadas na atual recessão, em praticamente todo o mundo, podem influir na duração e intensidade das etapas dos ciclos. Políticas de abertura ou fechamento comercial, maior ou menor liberdade para os fluxos de capitais, maior ou menor controle sobre transações financeiras, entre outros itens, também ilustram como as fases dos ciclos econômicos podem ser alongadas ou encurtadas. O consenso, porém, entre economistas de diferentes estirpes é que as etapas não podem ser evitadas, ou seja, devem ser cumpridas. Os ajustes ou acomodações dos níveis de produção e a reorganização dos arranjos econômicos são imprescindíveis, de tempos em tempos, para que a engrenagem volte a acelerar. Ou seja, as recessões, além de inevitáveis, cumprem um papel essencial. Como uma mola, chega-se num determinado ponto a partir do qual é necessário haver contração, para impulsionar novamente a expansão. Já no campo micro, certas empresas conseguem se adaptar melhor e mais rapidamente do que outras às mudanças dos gostos e necessidades do consumidor. Flexibilidade é a palavra de ordem, no que tange à sobrevivência. O aumento de fusões e aquisições, em escala global, tem sido um dos artifícios mais empregados na contínua briga por mercados. Inovação e intercâmbio tecnológico ininterrupto é outra arma indispensável na incessante missão das corporações para obter lucros, e se manterem vivas. Ademais, determinados setores podem ser beneficiados por conjunturas locais ou temporárias. É o caso agora da construção civil, impulsionada por pacotes governamentais. Enfim, dentro de qualquer cenário macro, existirão sempre nuances micro que pressionarão algumas firmas para cima e outras para baixo. O valor correto das ações de empresas, grosso modo, embutiria somente esses dois fundamentos: o macro e o micro. Um panorama de crescimento econômico firme, certamente, empurra todas as ações para o alto. Apesar de, a princípio, todos os ativos serem favorecidos durante esses períodos de fartura, deveria haver sempre alguns papéis que destoassem da tendência principal do mercado, ou ao menos empacassem. Isso, se um terceiro fator, cada vez mais poderoso e preponderante, não influenciasse decisivamente os preços: os movimentos especulativos. As apostas (na subida ou na queda dos preços) em prazos cada vez mais curtos, em volumes que crescem exponencialmente com o aumento da liquidez, tencionam os mercados e distorcem as cotações. É comum que, quando as perspectivas econômicas melhorem, uma certa euforia tome conta dos mercados acionários. As apostas vão se baseando, então, em projeções cada vez mais otimistas, não na realidade presente. As projeções, por sua vez, são feitas com base em interpretações que, na verdade, espelham a aposta da maioria. Investidores caçam barganhas diariamente, de olho na evolução (e no histórico) do preço de cada papel. Em um forte mercado touro (em que os ativos seguem valorizando), reza a lógica que, se uma determinada ação ficou para trás, uma hora vai subir. Num certo momento, a partir de algum rumor ou qualquer motivo que se espalhe, todos correm para o tal papel defasado. As apostas vão se concentrando cada vez mais no curto prazo, vendendo-se diariamente o que subiu "demais" e se comprando as retardatárias, sendo que acaba acontecendo um rodízio de ativos nas duas pontas. A trajetória de alta é mantida, com o preço de praticamente todas as ações avançando. Novos apostadores, vendo o sucesso de outros, vão sendo atraídos para o mercado e o número de compras permanece mais alto do que o de vendas. O que vem sendo alardeado sobre a atual conjuntura é que o mundo está agora na posição da mola contraída ao máximo, pronto para explodir em crescimento. Por outro lado, existe um paradoxo bastante peculiar. Enquanto a esperada explosão não se materializa, com a recuperação se mantendo anêmica e o número de desempregados elevadíssimo, os governos mundiais, pressionados politicamente, mantêm os juros baixos, assim como os incentivos fiscais, o suporte à expansão do crédito e demais programas de estímulo econômico. Analistas da empresa de pesquisas sobre investimentos BCA Research sustentam que, historicamente, tais condições, somadas à inflação baixa, constituem o ambiente em que os preços de ações desempenham melhor. Usando mais uma vez a China como exemplo, a involução que aconteceu há poucas semanas nos seus mercados reforça, de certa forma, a observação dos estrategistas da BCA. O índice da bolsa de Xangai recuou 23%, ao mesmo tempo em que surgiam novas evidências de robustez econômica do país. O declínio se deu exclusivamente porque os investidores se assustaram ante a possibilidade de Pequim se empenhar para restringir a enxurrada de empréstimos e apertar a política monetária, e não por qualquer sintoma de fraqueza da economia. Nos Estados Unidos há uma outra pista de que o levantamento da BCA - indicando esta combinação de fatores macroeconômicos como a principal causa da elevação dos preços das ações - pode proceder. Na quinta-feira passada, a forte demanda por títulos de 30 anos, num leilão do Tesouro, reforçou o otimismo dos mercados. O sucesso dessas vendas, na verdade, tem balizado os movimentos das bolsas do país. O rali iniciado em março foi em parte alimentado pelo anúncio do Federal Reserve (o Banco Central americano) de que iria adquirir diretamente US$ 300 bilhões em débito, financiando os gastos do governo com os pacotes de estímulo. O sucesso da operação garante não apenas que a administração Obama injete dinheiro na economia, como que os juros de longo prazo permaneçam baixos, não pressionando as taxas de curto prazo, estabelecidas pelo Fed. Conforme aumenta a procura pelos treasuries, os preços desses bônus sobem e os juros remunerados por eles (que são referência para as taxas de longo prazo) caem. A partir destas reflexões, surgem algumas conclusões e novas indagações. Com relação ao Brasil, fica claro que a alta dos ativos domésticos está inserida no contexto global, com enorme influência do ingresso de investimentos estrangeiros na bolsa do País. Esses investidores, entretanto, se baseiam primeiramente nos dados lá de fora, para depois investir aqui. Os indicadores da economia brasileira pesam, no sentido de colocar o País como uma boa opção para alocação de recursos, num bom momento em todo o planeta para a compra de ações. Se, contudo, houver qualquer mudança de percepção nas economias centrais, que induza a venda de ações, a bolsa brasileira não continuará subindo sozinha. Na verdade, os desdobramentos econômicos dos EUA e da China regem a performance das ações no mundo inteiro.Outro questionamento importante que se impõe, diz respeito àquela velha máxima, que estamos tão acostumados a escutar: "Ações são um bom investimento a longo prazo." Será mesmo? Se isso for verdade, de que prazo, mais especificamente, estaríamos falando? O que se nota é que as bolsas vêm sendo dominadas por aplicações no curto prazo, com o número de day traders (que compram e vendem no dia) crescendo sem parar. Se analisarmos os papéis da Ford Motor no longo prazo, verificamos que a gigante americana, ícone do capitalismo e precursora da revolução industrial, está se tornando também um símbolo da transitoriedade de empresas e de ações. Pela curva do preço de seus papéis, a companhia está muito mais próxima do fim do que da recuperação, sendo um ótimo exemplo de inadaptabilidade a mudanças de gostos e necessidades humanas, bem como ao acirramento da concorrência.Quem adquiriu os ativos da Ford até 1986, pensando no futuro, e os vendeu até o ano 2000, conseguiu lucrar um bom dinheiro. Aqueles iluminados que se desfizeram das ações em 1999 (auge da valorização), contabilizaram ganhos de até 5.800%, dependendo de quando a compra foi feita. A partir de 2000, contudo, quem segurou os papéis da empresa em carteira viu seus recursos minguarem, até que, em novembro de 2008, os preços retornaram ao nível mais baixo do começo dos anos 80, atingindo o valor de US$ 1,01 por ação. Ou seja, quem comprou em 1986 estava sentado, naquele momento - após mais de 20 anos de espera -, num baita prejuízo. Isso sem falar naqueles que adquiriram esses ativos entre 1987 e 1999 e os possuem até hoje. Nesse caso, as perdas são desalentadoras. Fica claro que, quando se trata de ações, tempo não é sinônimo de ganhos.
Fonte: JC

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