A ENCRUZILHADA DO PETRÓLEO

A oferta de petróleo barato, ou a preços que nunca chegaram efetivamente a comprometer e nem limitar o seu uso, definiu o modo de vida contemporâneo. A de pendência do homem moderno da commodity se tornou tão abrangente, que seus derivados são utilizados até mesmo na fabricação e instalação de equipamentos para geração de energia alternativa (como eólica, por exemplo). Somente nos Estados Unidos, há cerca de 210 milhões de automóveis e caminhões de pequeno porte em circulação. A frota brasileira é estimada 70 milhões, embora inclua veículos movidos a etanol. Na China, já são mais de 100 milhões de carros. Em um contexto globalizado, graças ao ouro negro, o homem se acostumou a viver distante do seu local de trabalho de onde é produzida sua comida, bem como outros itens básicos que consome no seu dia a dia. Do petróleo provêm 50% da energia que abastece o planeta. a humanidade se tornou refém desta situação, ou seja, da oferta abundante de óleo a um custo que inviabilize suas múltiplas aplicações. Até quando esse padrão conseguirá ser mantido?

POR CAUSA DO ÓLEO BARATO, metade da população americana fincou residência nos subúrbios. Por causa do óleo barato, mercadorias fundamentais em nosso cotidiano nos chegam por caminhões, navios ou aviões, a milhares de quilômetros de distância de onde são produzidos, normalmente com peças, componentes, insumos ou maquinário originados a outros tantos milhares de quilômetros. O comércio entre nações é garantido por esse paradigma. Para manter o estilo de vida atual, o modelo de desenvolvimento e o processo de globalização, o mundo terá que seguir descobrindo gigantescas reservas de óleo cru e de gás natural e continuar expandindo a produção de combustíveis líquidos, de forma a atender a crescente demanda. Essa conta, entretanto, não é nada fácil de ser fechada.As outras opções seriam desenvolver muito rapidamente alternativas viáveis que possibilitem a manutenção do presente padrão, ou rever praticamente todos os alicerces que vêm sustentando a economia planetária.

O SITE FUTUREMONEYTRENDS compilou dados alarmantes sobre o tema, que são reproduzidos a seguir.Entre 1995 e 2005,a China elevou o seu consumo de petróleo em 3,6 milhões de barris por dia (adicionais à base de 1995). Durante o mesmo período, os EUA aumentaram seu consumo em 3 milhões de barris por dia. Em dez anos, a demanda norte-americana saltou de 17,7 milhões para 20,7 milhões de barris diários, o que representa um acréscimo de 17%. Enquanto isso, em termos de percentagem, a demanda chinesa explodiu 400%. Poucos sabem que há vinte anos a China era exportadora (líquida) de óleo bruto. Hoje, o dragão asiático é o segundo maior importador de petróleo e maior consumidor de energia do planeta. O seu gasto atual é de nove milhões de barris por dia. As estimavas são de que, em 2015, esse dispêndio atinja 15 milhões de barris diários. Ou seja, daqui a menos de quatro anos, considerando-se somente a necessidade chinesa, o planeta precisará estar produzindo seis milhões de barris a mais por dia. A questão que se coloca, em caráter emergencial, é se há capacidade produtiva para tal e mesmo se existe tal quantidade de petróleo disponível em reservas, por quanto tempo. Sim, e não. Especialistas acreditam que ainda há óleo para ser explorado. A primeira parte do problema,no entanto,é que os custos de exploração e produção dos campos existentes serão muito mais altos daqui para frente.

ATUALMENTE , O MUNDO UTILIZA cerca de 85 milhões de barris por dia, sendo que os EUA são responsáveis por 20 milhões deste total.Todo campo petrolífero tem um começo e um fim, com um pico de produção em determinado momento. Após ser atingido esse ponto máximo, o óleo remanescente vai se tornando mais difícil de ser extraído, e mais caro. Olhando-se para a trajetória norte americana, os números são contundentes e didáticos. A primeira perfuração bem sucedida na América aconteceu em 1859, na Pensilvânia. As descobertas no país continuaram aumentando até 1930, quando ocorreu o ápice. Colocando-se de outra forma, até 2011, o ano em que mais se encontrou petróleo em solo americano foi 1930, apesar do fantástico avanço tecnológico do setor no último século.

EM 1965, OS ESTADOS UNIDOS eram o maior produtor mundial da commodity. Em 1970, o país atingiu o pico de sua produção doméstica, quando retirava 9,6 milhões de barris diariamente. Apesar de todos os esforços nas últimas décadas, a extração, hoje, gira em torno de 5,5 milhões de barris por dia. Em termos globais, o mundo chegou ao clímax da descoberta de reservas de óleo em 1964, ano em que foram encontrados na Terra campos com capacidade de 500 bilhões de barris. De lá para cá esse número vem recuando consistentemente. Em 2010,os novos achados ficaram abaixo de 100 bilhões de barris.

DURANTE A ÚLTIMA DÉCADA, verificou-se um decréscimo ano após ano no número de países exportadores de petróleo, tanto pela expansão da demanda doméstica em praticamente todas as nações, quanto pelo escasseamento das reservas nacionais. O México, que nos próximos anos se tornará importador, ilustra bem essa dinâmica. Atualmente, o país ainda é um dos maiores vendedores mundiais.Isso significa que os EUA perderão em breve o seu terceiro maior fornecedor. Dos quatro maiores campos em atividade no planeta – Cantarell (no México), Samotlor (na Rússia), Burgan (no Kuwait) e Ghawar (na Arábia Saudita) – três estão oficialmente em declínio. Embora as autoridades do país neguem que o campo saudita tenha alcançado o pico, muitos analistas acreditam que sim, ou que esteja próximo a isso. Esse, por sinal, é um mistério que vem sendo muitíssimo contestado, já que as reservas do reino têm se mantido no mesmo nível por décadas (de acordo com informações do governo). Observadores e mesmo investidores como Jim Rogers apostam que os príncipes sauditas mentem acerca do verdadeiro status de seus depósitos.Ou essa suposição é verídica, ou os poços árabes têm uma intrigante e inédita capacidade de não apresentar perdas produtivas com o tempo, o que seria, na visão técnica, altamente improvável. Segundo o site Wikileads, baseado em comunicações confidenciais das embaixadas norte-americanas, a Arábia Saudita teria superestimado os seus depósitos em 40%.De acordo com esses documentos, o pico de produção do país poderia acontecer em 2012.

NO COMEÇO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, a população mundial era de um bilhão de pessoas. Agora, justamente quando a produção global de petróleo atinge o zênite, somos sete bilhões de humanos. Se a China – que hoje possui um número de carros per capita equivalente a um décimo do padrão americano – for se igualar aos Estados Unidos nesse quesito (afinal, é isso que se busca), seriam necessárias, segundo especialistas, sete (novas) Arábias Sauditas para atender a essa demanda.

A REPOSIÇÃO DO PETRÓLEO, contudo, é uma tarefa que extrapola a questão energética, já que ele ou subprodutos de sua extração são utilizados na confecção de diversos artefatos que passamos a associar diretamente ao nosso conforto.Tecidos, pneus, materiais plásticos, embalagens, fertilizantes, pesticidas, tênis e solas de sapatos, adornos como pulseiras, brincos e colares, cosméticos, protetores solares, escovas de dentes, escovas de cabelo, perfumes, óculos, balas, ipods, telefones celulares, e por aí afora. A lista inteira provavelmente não caberia nesta coluna. Fato é que o planeta se encontra muito próximo de um ponto de virada, numa encruzilhada,onde a demanda suplantará o estoque global. O Departamento de Energia dos Estados Unidos admite que existe a chance de o mundo experimentar um substancial declínio na produção de combustíveis líquidos entre 2011 e 2015.

CASO NÃO SEJAM VIABILIZADAS alternativas em tempo hábil, algumas implicações são previsíveis em termos de estilo de vida e que se imporiam à medida que o preço do óleo siga aumentando. A primeira e mais óbvia seria um movimento em sentido contrário à globalização, com a reestruturação de economias e maior ênfase em produções locais. Outra suposta consequência seria o êxodo populacional de regiões que não disponham de oferta local de trabalho. Esse fenômeno já é notado nos Estados Unidos,onde os subúrbios mais afastados dos centros de grandes cidades são as áreas mais golpeadas pela crise imobiliária, com devoluções em massa de propriedades aos bancos. O modelo corrente de produção e distribuição de alimentos,que requer enorme volume de combustível líquido,seria profundamente afetado. Que tal a volta das hortas caseiras? Resta torcer para que antes que um choque mais impactante na nossa maneira de viver se torne inevitável, o mundo consiga se libertar da dependência. Ou que a nossa adaptação a uma nova realidade possa ser gradual e suave.

Fonte:JC


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