Impostos para o bem ou para o mal

Estados cujos orçamentos e dívidas explodem não é uma excentricidade do século XXI. Também não é novidade o fato de a constatação dessa insustentabilidade fiscal coincidir com períodos de aprofundamento de crises econômicas. Se há algo de novo, em que a situação atual se distingue do passado, pode-se arriscar que esse fator se chama globalização. Afinal, são vários os países que se encontram na pindaíba, ao mesmo tempo. Por força das circunstâncias, tal discussão vai se impondo como pauta global: a função da arrecadação e gestão de tributos, sua legalidade, equidade, limites, objetivos, eficiência e desvirtuações. A Europa empreende um primeiro experimento de tratamento do tema a nível supranacional, visto que, no mundo atual, o desequilíbrio de um afeta a todos. Os mercados estão atentos e cada vez mais intolerantes. A própria população parece buscar mecanismos que permitam maior controle e participação na forma de gerar e administrar recursos públicos.
No decorrer da história, a cobrança de impostos esteve no cerne, repetidamente, de sérios embates, revoltas e revoluções. Entre os episódios mais célebres, pode-se citar a Revolução Francesa (1789), cujas origens estão na crescente incapacidade de manutenção do Estado (cada vez mais oneroso) e na pesada taxação da indústria. Antes, a Revolução Inglesa do século XVII também teve como uma de suas maiores motivações o abuso por parte da monarquia na imposição de tributos. O processo instaurou o regime parlamentarista e plantou as condições essenciais para a Revolução Industrial no século seguinte, abrindo caminho para o avanço do capitalismo. No Brasil, vale lembrar que a Derrama, imposto instituído pela coroa portuguesa nas regiões produtoras de ouro na então capitania de Minas Gerais, foi causa imediata da Inconfidência Mineira, em 1789.

Entre os vários países que andam hoje as voltas com rombos estratosféricos nas contas públicas, provavelmente o caso mais emblemático seja o dos Estados Unidos, tanto por representarem cerca de 23% do PIB mundial, quanto por serem os maiores ícones da sociedade capitalista. Republicanos e democratas são incapazes de chegar a qualquer acordo para debelar o déficit fiscal, para reformar o sistema tributário do país, ou mesmo para prolongar deduções concedidas na administração Bush. Obama, principal porta-voz do Partido Democrata, quer mexer nas alíquotas sobre aplicações financeiras e aumentar a taxação a milionários (aqueles com renda anual tributável superior a US$ 1 milhão) e corporações. O presidente vem se referindo à sua proposta como Lei de Buffet (Buffet Rule), numa menção a Warren Buffett, que se posicionou a favor de um aumento dos impostos para classes abastadas. O megainvestidor declarou achar um contra-senso que em 2010 ele tenha recolhido 17,4% de sua renda (entre salário e aplicações financeiras) aos cofres do Tesouro, enquanto muitos funcionários de sua empresa de investimentos – a Berkshire Hathaway – pagaram 36%.

Existem seis patamares de tributação individual marginal (antes das deduções) nos EUA: 10%, 15%, 25%, 28%, 33% e 35%. Há também uma contribuição específica para a Previdência Social (Social Security) para quem perfaz até US$ 106.800 anuais. As classes de maior rendimento estão dispensadas da contribuição para a Previdência, haja visto que, a priori, não utilizam as redes de proteção social. Quanto mais alta é a renda do contribuinte, mais pesada fica a contribuição marginal. Ocorre que são previstas numerosas deduções, favorecendo principalmente as classes mais endinheiradas, o que acaba reduzindo seus impostos significantemente. Além disso, investidores como Buffett são taxados em no máximo 15% sobre ganhos de capital, dividendos e compensações recebidas como gerentes de investimentos ou sócios de fundos de hedge. Contribuintes da classe média normalmente pagam alíquotas de 15% ou 25% sobre o que recebem, ou seja, a taxação sobre salários é mais alta do que a que incide sobre ganhos em investimentos.

O Partido Republicano, por sua vez, acusa Obama de fomentar uma ‘guerra de classes’. Os argumentos da oposição se baseiam na asserção de que a elevação de impostos aos mais abonados desencorajaria investimentos, o que atravancaria ainda mais a economia. Em vez disso, o partido defende que o déficit fiscal seja atacado por meio, principalmente, de uma diminuição das verbas destinadas à assistência médica e à previdência. Esta opinião se fundamenta no fato de que ricos são empreendedores e investidores. A destinação de sua renda a negócios ou a aplicações financeiras – que teoricamente financiam a produção –, portanto, seria a principal mola propulsora da economia. De acordo com esse raciocínio, a justificativa para a classe média trabalhadora estar pagando mais impostos seria, então, garantir o seu próprio ganha-pão, ao possibilitar a diminuição da carga sobre empreendedores e investidores. Sob outro prisma, porém, quanto menor é o tributo incidente sobre a massa trabalhadora, mais dinheiro sobra para o consumo, o que, por sua vez, também impulsiona o crescimento econômico.

Em recente entrevista à revista Conjuntura Econômica, da FGV, o ex-ministro Antônio Delfim Netto disparou a seguinte pérola: “(...) Pela primeira vez se tem consciência de que não cabem na Terra dez bilhões de pessoas com renda per capita de US$ 20 mil. Há de se acomodar isso da melhor maneira possível.” Aprofundando-se sobre o processo evolutivo da organização socioeconômica humana, ele acrescenta: “(....) Trata-se de um processo altamente competitivo, uma corrida que, para ser honesta, deve permitir que todos se alinhem no mesmo ponto de partida, não importa se você nasceu na suíte presidencial do Waldorf Astoria ou foi fabricado na Lapa. É um processo civilizatório, de justiça dentro do capitalismo.”

O equilíbrio ideal entre essas duas premissas tão bem resumidas por Delfim Netto está no âmago da questão tributária. Tudo indica que os republicanos norte-americanos focam, essencialmente, na continuidade ad æternum da expansão da produção e da renda, sem atentar para essas duas condições básicas, que vão impondo severas limitações à expansão da renda, ao crescimento econômico, e ao bem estar social.

Brasil é referência de ineficiência estatal (Maria Carolina Ferreira)

É de se esperar que o aumento na arrecadação de tributos tenha como consequência a melhoria substancial dos serviços públicos, especialmente quando a economia em questão passa por vigoroso ciclo de expansão, como vem sendo o caso do Brasil. Dezessete anos depois do lançamento do Plano Real, que estabilizou a moeda e inseriu o País no quadro desenvolvimentista emergente, contudo, o que se evidencia tem a forte marca de uma antiga incongruência: a qualidade dos benefícios prestados pelo governo segue muito aquém dos exorbitantes volumes transferidos aos cofres públicos via tributos.

A precariedade da educação e da saúde oferecidas aos brasileiros, conta que também inclui a atuação da iniciativa privada, foi uma das razões que rendeu ao Brasil a simplória 84ª posição no relatório de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2011, atrás dos vizinhos Chile (43ª) e Argentina (44ª), além de nações como Cazaquistão (68ª) e Bósnia (74ª). É muito pouco para uma economia que acaba de tomar o lugar do Reino Unido como a sexta maior do mundo e cujo crescimento da carga tributária atingiu 264,49% de 2001 a 2010. A taxa é superior ao ritmo de disparada do PIB brasileiro, que galgou 212,32% no mesmo período, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). “Isso mostra que o governo se expandiu mais que a própria economia”, conclui o diretor do IBPT Fernando Steinbruch. Ele lembra que o levantamento recente, no qual o instituto pondera o IDH e a arrecadação nos 30 países com as maiores cargas tributárias do mundo, o brasileiro é o contribuinte que tem o pior retorno em benefícios, em proporção ao volume de impostos que paga.

O peso dos tributos sobre a sociedade no Brasil ficou em 35,13% no ano passado, contra os 34,41% do exercício anterior, segundo cálculos dos IBPT. A estimativa do instituto é de que a razão subirá de 0,8 a 1 ponto percentual no País, com o volume recolhido pelo governo aumentando para R$ 1,5 trilhão em 2011, de R$ 1,29 trilhão em 2010. Com uma receita tributária tão expressiva, como se explica o fato de a contrapartida prestada pelo estado brasileiro continuar deixando tanto a desejar? Sem hesitar, o professor do Ibmec Gilberto Braga localiza a resposta na histórica ineficiência da máquina pública, que sofre de corrupção crônica. “A má administração dos recursos impõem duplo custo à boa parte dos brasileiros, que paga uma primeira vez ao governo por benefícios que não utiliza e uma segunda à iniciativa privada, para realmente ter acesso aos serviços”, lamenta.

Além do ponto levantado por Braga, o chefe do departamento Tributário do escritório Almeida Advogados, Fernando Vaisman, identifica a complexidade do modelo nacional como outro aspecto problemático na relação fisco/contribuinte. “Associada ao estratosférico tamanho das alíquotas praticadas no País, a complicada natureza do nosso padrão desestimula o investimento ao mesmo tempo em que estimula a sonegação”, explica. O retrato da restrição que a estrutura local impõe à execução de novos aportes na economia brasileira ficou claro no último relatório de competitividade realizado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Em um grupo de 142 nações, o Brasil aparece como a mais afetada pelo sistema tributário, como fator limitante da intenção de corporações de atuar e investir no país.
Ibovespa
O índice está encontrando muita dificuldade para superar a faixa dos 60.000 pontos. Os indicadores chineses que serão divulgados no início da semana podem dar o impulso que falta, ou fazê-lo recuar com mais ímpeto. Acima dos 60.500, passará a mirar em 63.890 pontos. Na parte de baixo, os próximos suportes estão em 57.960, 56.312, e 55.300 pontos.



Fonte: JC


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