Na era do Grafeno


No curso da História, o uso intensivo de determinados
materiais pontua grandes saltos no desenvolvimento
tecnológico humano. Foi assim com o bronze, que alavancou
expressivos avanços na metalurgia e marcou um período que
ficou conhecido por Era do Bronze. Alguns séculos mais tarde,
a emergência do ferro resultou na confecção de ferramentas
bem mais baratas e elaboradas, o que impulsionou a produção
 de alimentos. Esta é a fase denominada Era do Ferro.
 A Revolução Industrial cunhou a Era do Petróleo.
Seguindo esta lógica, é coerente se referir ao atual momento
como a Era do Silício. Em 2004, dois pesquisadores da Universidade de Manchester, na Grã-Bretanha, retiraram flocos de grafite de um lápis com uma fita tipo durex, a qual dissolveram em acetona. O resíduo foi colocado em uma placa de silício. Ao olharem no microscópio, os cientistas se depararam com uma folha de átomos de carbono da espessura do próprio átomo. Estava descoberto o grafeno e, com ele, abriram-se possibilidades que prenunciam uma nova era.

O GRAPHENE – CONFORME FOI BATIZADO em inglês por seus descobridores – é o material mais fino, mais resistente, mais elástico e melhor condutor disponível hoje. A peculiar combinação dessas propriedades é justamente o que promete  revolucionar  vár ios campos da ciência. Em 2010, o achado valeu o prêmio Nobel de física aos professores Konstantin Novoselov e Andre Geim, colocando a nova substância em evidência e gerando ainda mais especulações acerca do seu possível impacto no mundo.  No  mesmo   ano, a  IBM  anunciou a criação de um transistor de dimensões diminutas, e com velocidade de transmissão até então inconcebível. A inovação foi possível porque o equipamento foi feito em grafeno, em substituição ao silício. O equipamento era do tamanho de um grão de sal e sustentava frequências de até 155 GHz. Para se ter uma noção, o silício consegue operar com freqüências de até 40 GHz, o que significa que, a princípio, um grão de grafeno é capaz de transmitir informação a uma velocidade 230% superior à alcançada por uma fatia (wafer) de silício. De acordo  com o pesquisador da  IBM,  Yu-ming Lin, no entanto, esse protótipo foi apenas o começo: “Atualmente nós não vemos qualquer limite intrínseco para o quão rápido essa velocidade possa atingir”, enfatiza.

COM O GRAFENO, PORTANTO, o conceito de banda  larga alcançará uma nova  concepção. Conjuntos de dados que hoje levam minutos, ou mesmo horas para serem baixados chegarão em questão de segundos. Sem falar que o tempo para se recarregar as baterias que alimentam diversos aparelhos, como telefones celulares, por exemplo, serão incrivelmente reduzidos. É previsto que a telefonia móvel, por sinal, dê um enorme salto de qualidade e confiabilidade. Além da maior capacidade de transmissão, porém, o grafeno é também cerca de duzentas vezes mais resistente do que o ferro e cinquenta mil vezes mais fino do que um fio de cabelo, o que o torna extremamente maleável. Com isso, a indústria já concebe monitores de televisão e de computador na espessura de uma folha de papel. Já se imagina smartphones dobráveis, ou que possam ser usados como relógios, enrolados em volta do pulso. O professor de física Walt de Sheer, do Instituto Tecnológico da Universidade da Georgia, resume bem o que deve vir por aí: “Nós não estamos tentando fazer coisas melhores ou mais baratas do que fazíamos com silício. Nós iremos produzir coisas que não poderiam ser feitas de forma alguma com o silício e os materiais disponíveis até então.”

O FATO MAIS EMPOLGANTE no advento do grafeno, contudo, é que suas aplicações se estendem aos mais diversos ramos científicos e não apenas às telecomunicações, o que caracterizaria a suposta revolução tecnológica na qual o mundo estaria adentrando. No setor energético, pode-se imaginar uma nova geração de baterias para veículos elétricos, ante um relevante aumento de autonomia, além da redução absurda do tempo de abastecimento (carga).  Em termos de exploração de petróleo também são vislumbrados avanços impactantes. Um dos métodos mais tradicionais de prospecção utiliza pequenos sensores sem fio que penetram em fendas e rachaduras no subsolo, de onde enviam dados. A presente limitação destes apetrechos consiste na bateria que os alimenta, cujo tamanho os impede de percorrer orifícios muito pequenos. Testes com grafeno demonstraram que uma superfície de apenas 0,03 mm por 0,15 mm é capaz de gerar 85 nanowatts de potência. Com isso, revestindo-se os micro-sensores com o material, seria detonada uma corrida para a busca por óleo e gás em regiões até então inacessíveis. Estima-se que a produção de óleo e gás de xisto, que experimenta um boom atualmente, deverá crescer significantemente com o emprego da nova tecnologia.

NA MEDICINA, AS EXPECTATIVAS acerca da empregabilidade do grafeno também são enormes. “Os nossos experimentos mostram que nanotubos de carbono (que são folhas enroladas de grafeno), similarmente às células nervosas de nosso cérebro, são excelentes condutores de sinais elétricos e formam íntimos contatos mecânicos com as membranas celulares, estabelecendo assim um link funcional com as estruturas neuronais”, atesta a doutora Laura Ballerini, professora de fisiologia da Universidade de Trieste, na Itália. Em suma, essa característica tem tudo para resultar em extraordinários avanços no tratamento de doenças como Alzheimer, Mal de Parkinson, cegueira, epilepsia e diversos tipos de paralisia, que estão associadas a disfunções neurológicas. Uma das técnicas altamente favorecidas seria a de implante de eletrodos no cérebro dos pacientes.

ESTUDOS PREVEEM que outras áreas da medicina também serão beneficiadas. Cientistas da Universidade de Nankai, na China, desenvolvem um método de transporte para drogas anti-câncer utilizando óxido de grafeno como condutor. Com um sistema de identificação das células cancerígenas por meio do PH, o tratamento preservaria células saudáveis e atacaria especificamente as doentes, ganhando eficácia e diminuindo drasticamente os efeitos colaterais. Na Austrália, médicos já vêm utilizando um sangue sintético – o HBOC-201 –, com capacidade de restaurar a hemoglobina, carregar oxigênio e evitar coágulos, que contém heparin, à base de grafeno. Na Universidade do Texas, em Dallas, as pesquisas se concentram na criação de fibras musculares sintéticas,   por meio da introdução de nanotiras de grafeno. Essas fibras superam em cem vezes a força dos músculos naturais. No laboratório da Força Aérea norte-americana, em Ohio, pesquisadores estão usando o grafeno como indutor de crescimento de tecidos humanos. Foi observado que, quando em contato com o óxido de grafeno, as células proliferam  rapidamente. Segundo o doutor Daniil Stolyarov, há estudos promissores para a utilização de grafeno como membrana na próxima geração de rins artificiais.

O USO MILITAR COMPLETA o leque de aplicações nas quais o grafeno vem sendo testado, que estão chamando mais a atenção. Na Universidade do Texas, em Dallas, um grupo de cientistas descobriu que, com suficiente estimulação elétrica, uma folha desta teia de carbono esquenta a ponto de a diferença de temperatura entre ela e a área ao seu redor fazer com que as ondas de luz se curvem, tornando invisíveis os objetos logo atrás da película. O que se conjectura desde então é o advento de uma espécie de gel ou pintura, à base de grafeno, que torne mísseis, aviões, tanques, ou mesmo soldados invisíveis.

NÃO FOI POR ACASO, portanto, que a demanda por grafeno explodiu nos últimos anos, com um salto de 4.000% desde 2010, quando os cientistas que o criaram receberam o Nobel. Alguns produtores do novo material viram o seu valor de mercado disparar recentemente. É o caso da norte-americana CVD Equipment Corporation, cujas ações galgaram 300% em menos de dois anos. O think thank BCC Research estima que as vendas de grafeno no mundo alcançarão US$ 67 milhões em 2015 e US$ 675 milhões,  em 2020. Como a China responde hoje por cerca de 70% da produção mundial de grafite – a matéria prima para o grafeno –, o forte crescimento da demanda começa a preocupar muitos governos, tornando-se assunto estratégico. Tanto a União Europeia quanto os Estados Unidos classificam o grafite como um “mineral de oferta crítica”. Além da China, apenas outros quatro países extraem grafite atualmente. Um deles é a Coreia do Norte. O Canadá está entre os que, aparentemente, apresentam potencial para expandir significantemente a produção.

NÃO DEIXA DE SER bastante intrigante o fato de que justamente o carbono, que serviu de tijolo para a construção de todas as moléculas orgânicas e, portanto, para a vida na Terra, esteja no âmago da próxima revolução tecnológica. Ao investidor, cabe ficar atento, tanto à evolução da produção e oferta de grafite, que é uma commodity, quanto ao movimento das ações de empresas mineradoras (de grafite) e/ou fabricantes de materiais e equipamentos à base de grafeno. Toda essa cadeia produtiva deverá apresentar um carrilhão de novidades, que, muito provavelmente, proporcionarão oportunidades fantásticas de investimento nos próximos anos.


Fonte: JC

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