O fim da política monetária


Política monetária objetiva o correto dimensionamento das necessidades de liquidez da atividade econômica. Se excessiva – suprimento de moeda em valor superior aos bens e serviços produzidos – surge o processo inflacionário. Em caso contrário, entra-se em deflação. A história dos BCs, neste capítulo, de estabilidade do valor da moeda, caracteriza-se por um infindável processo de tentativa e erro, onde os erros são frequentes, e as correções tardias. No entanto, ainda que de forma equivocada, os BCs conseguiam atuar sobre a liquidez, induzindo o nível de atividade econômica. Conseguiam. Não conseguem mais. Este é um aspecto da crise que se desenrola, que não tem o devido destaque. A política monetária não funciona mais, com as moedas perdendo o significado econômico, para se tornarem  instrumentos financeiros de salvação dos bancos. Os BCs injetam moeda no sistema financeiro não mais em resposta à maior ou menor  demanda de crédito por parte dos agentes econômicos; mas sim em resposta às necessidades de bancos inadimplentes, ou abertamente insolventes. Aos   BCs não restou opção além do “afrouxamento monetário” (quantitative easing); e  quem não tem opção não tem política. Reconhecida a situação cabem duas considerações. A primeira diz respeito à perda do valor econômico das moedas. Na prática isto significa que o câmbio saiu da esfera da paridade do poder de compra, para tornar-se matéria de intervenções arbitrárias dos BCs. Em consequência, os movimentos de valorização/desvalorização de 10% em poucas semanas, ou 30% em poucos meses, passaram de exceção a regra. Que comércio internacional, ou livre fluxo de capitais, resiste a isto? Não por outra razão o protecionismo está na ordem do dia, e em ascensão, no mundo inteiro. A segunda consideração é que o cálculo econômico empresarial tornou-se um exercício de adivinhação; não só pelo câmbio, como pelo crédito. Este estará disponível, ou não? Até quando? A que taxa? A que prazo? Os trilhões despejados nos bancos, dos diversos países, não conseguiram movimentar uma palha da atividade econômica real. E isto é facilmente explicável: por terem financeirizado as moedas, estas foram utilizadas, coerentemente, para aplicações financeiras (especulação cambial, ativos reais, arbitragem de juros, e títulos de dívida publica). Quanto à atividade econômica real, esta, por ainda não ter expurgado os prejuízos da euforia dos juros reais negativos, iniciada em 2001, não responde, nem responderá, a emissões monetárias. É uma tentativa inútil. Para bem caracterizarmos o fim da política monetária, vale apontar para o sexteto de BCs que se comprometeu no mais recente acordo de swaps cambiais incondicionais: Federal Reserve (EUA), Banco do Japão, Banco da Inglaterra, Banco Central Europeu,  Banco Nacional  Suíço, e Banco do Canadá. Os seis estão praticando juros reais negativos, em perfeita sintonia, há cerca de dois anos. Fosse a política monetária efetiva, e teríamos um clássico surto de crescimento econômico movido a estímulo inflacionário. O que se verifica, ao contrário, é que a atividade econômica não se mexe, e a inflação não ganha fôlego. A política monetária está tão morta que sequer uma estagflação se cria. Nos EUA o IPC-Índice de Preços ao Consumidor saiu de uma deflação de 2,1% ao ano, em julho de 2009, para uma inflação de 2,7% ao ano, em dezembro de 2009, que recuou para 1,05% ao ano, em junho de 2010, que subiu de volta para 3,87% ao ano, em setembro de 2011, para recuar a 2,65% ao ano, em março de 2012. Observa-se que o processo inflacionário não deslancha, mesmo na presença de emissões monetárias da ordem de US$ 2 trilhões! Na  Inglaterra o Programa de Compra de Ativos do Banco da Inglaterra, se inicia em Mar 09, com 75 bilhões de libras esterlinas; vai a 125 bilhões em maio de 2009; a 175 bilhões em agosto de 2009; a 200 bilhões em novembro 2009, a 275 bilhões em outubro de 2011; e bate em 325 bilhões de libras esterlinas em fevereiro de 12. No período, o IPC vai de 1,1% ao ano, em setembro de 2009, para 5,2% ao ano, em setembro de 2011, para recuar a 3,5% ao ano, em março 12. Como nos EUA, o processo inflacionário não se cria, apesar da ininterrupta elevação dos valores injetados pelo Banco da Inglaterra no sistema financeiro, conforme visto acima. Na zona do euro, apesar da injeção de mais de 1 trilhão de euros nos bancos europeus, pelo BC Europeu, em sucessivas ampliações das operações de resgate, o IPC saiu de 0,6% ao ano em março de 2009, foi a 3% ao ano em setembro de 2011, para recuar a 2,7% ao ano em março de 2012. O Japão, onde a bolha estourou ainda na década de 90, pode ser visto como um caso emblemático. Tendo adotado a política de injeções de moeda irrestritas, para evitar a quebra sistêmica, viu o seu IPC manter-se inalterado no entorno de 0%.No Canadá, o IPC, depois de atingir 3,1% ao ano, em agosto 2011, recuou para 1,9% ao ano em março de 2012. Por último a Suíça que,  parece,  é o argumento definitivo. O Banco Nacional Suíço entrou na crise do Lehman Brothers, em setembro de 2008, com Ativos de FS 131,08 bilhões. Três  anos decorridos, em setembro de 2011, seus Ativos haviam triplicado para FS 381,36 bilhões! O impensável tornava-se uma possibilidade: uma inflação suíça. Pois, no período, contra toda e qualquer teoria de política monetária, o IPC foi de 2,9% ao ano, em setembro de 2008, ao entorno de zero, já em janeiro de 2009, até chegar a uma deflação em torno de 1% ao ano nos meses recentes. Tudo isto nos faz pensar: qual o futuro dos BCs? Apenas continuar a emitir trilhões para os bancos?


Fonte:JC

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