A inconstitucionalidade da multa isolada e o posicionamento dos tribunais


Com o advento da Lei nº 12.249/2010, a Receita Federal do Brasil passou a aplicar a chamada multa isolada de 50% sobre os pedidos de ressarcimento e de compensação de créditos tributários (PIS, Cofins, IPI, etc) indeferidos ou indevidos. A Lei incluiu os parágrafos 15, 16 e 17 ao artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, que trata dos pedidos de restituição e compensação de tributos e contribuições. É mais um daqueles casos de medida provisória que versa sobre os mais variados assuntos (não necessariamente revestidos de relevância e urgência para justificar tal iniciativa do Governo), e que às pressas foi convertida em lei pelo Congresso Nacional. Desde o início de sua vigência, a nova regra vem sendo questionada pelos contribuintes. Antes da alteração legislativa, o lançamento da multa isolada só era permitido nas hipóteses previstas no artigo 18 da Lei nº 10.833/2003, como a comprovação de falsidade na elaboração de declaração de compensação pelo sujeito passivo, ou ainda nas compensações não declaradas, elencadas no art. 74, § 12º, da Lei nº 9.430/1996. O que só era utilizado de forma restrita nos casos de má-fé ou de expressa proibição legal, passou a ser permitido inclusive nos casos de simples indeferimento de compensação ou ressarcimento, ou seja, um dos procedimentos mais procurados nas repartições federais. Não há dúvidas de que a previsão da sanção em tela visa coibir os contribuintes de realizarem pedidos dessa natureza sem fundamento. A Receita Federal, por sua vez, tenta justificar sua atual posição com o número crescente de pedidos não homologados, formulados com créditos inexistentes ou com o único intuito de obter certidão negativa (já que a compensação extingue o crédito tributário sob condição resolutória). Por outro lado, se há tantos pedidos indeferidos ou indevidos – como defende a Receita Federal – quanto será que é arrecadado a título de multa? Só pra se ter uma idéia, nos últimos anos, a Receita Federal não homologou cerca de R$ 36 bilhões de crédito tributário, o que geraria arrecadação na vultosa quantia de R$ 18 bilhões só de multa. Ora, multa não se confunde com tributo, ainda mais se for indevida, declarada inconstitucional! Diante desse cenário, os contribuintes estão buscando o Poder Judiciário para afastar a multa em debate, e já se tem notícia de que foram proferidas decisões favoráveis na Justiça Federal de São Paulo e do Rio Grande do Sul, por exemplo. Em julgamento realizado em 28 de junho, o Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (sul do país) declarou a inconstitucionalidade dos §§ 15º e 17º do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, por afronta ao exercício pleno do direito de petição, do devido processo legal e da proporcionalidade, assegurados pela Constituição Federal. O aludido direito de petição restou prejudicado com a possibilidade de aplicação da multa mesmo nos casos em que não há qualquer indício de máfé ou dolo, pois cria obstáculos ao direito do contribuinte de ingressar com os requerimentos perante a Receita Federal, diante do justificado receio de vir a suportar a severa penalidade. Sob outro espeque, a multa no elevado percentual de 50% sobre o montante do crédito tributário discutido é considerada abusiva, desarrazoada e desproporcional, ainda mais se comparada com a prevista até a edição da norma, aplicada no percentual de 20%. Mais do que isso, trata-se de multa com nítido caráter confiscatório, o que também é vedado pela nossa Carta Magna. Este foi o primeiro precedente importante proferido pela segunda instância do Poder Judiciário, e a tendência é que outros tribunais federais adotem o mesmo entendimento. Em casos semelhantes, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a inconstitucionalidade de sanções tributárias abusivas, com violação ao princípio da proporcionalidade. Em um dos casos, o Ministro Celso de Mello afirmou que “O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.” (RE nº 37.481/RS). Nesse sentido, espera-se que a resposta do Poder Judiciário sobre a inconstitucionalidade da multa isolada de 50% sobre os pedidos de ressarcimento ou compensação seja o pontapé inicial para que a União Federal, por meio da Receita Federal do Brasil, reveja sua posição e deixe de aplicar essa multa abusiva, em respeito aos contribuintes, cumpridores de suas obrigações tributárias, e aos princípios constitucionais.

Fonte: JC

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