O CANÁRIO ECONÔMICO PODE DISPARAR NOVAMENTE

Os entusiastas do ouro andam quietos há algum tempo. Desde que a cotação à vista da onça-troy atingiu a máxima de todos os tempos, cravando US$ 1.921, em setembro do ano passado, o preço cedeu cerca de 17%. A desvalorização dos últimos meses, como de praxe nos mercados financeiros, alimentou comentários sobre a consistência da imponente tendência de alta, que ganhou vulto no começo da década passada. Os mais céticos chegaram a falar em bolha. Recentemente, no entanto, e meio que desapercebidamente, alguns acontecimentos podem estar plantando os alicerces para uma nova estocada dos touros (compradores). Entre as novidades, o Comitê de Basiléia para Supervisão Bancária (BCBS, na sigla em inglês), do Bank for International Settlements (BIS) – espécie de Banco Central global para todos os bancos centrais –, está prestes a decidir se o ouro deve ser classificado como ativo do capital de nível 1 (Tier 1) dos bancos comerciais.
EM RESPOSTA À CRISE FINANCEIRA planetária de 2008, o conjunto de propostas para a reforma da regulamentação bancária, em um contexto supranacional, foi chamado de Acordo de Basiléia III. Basicamente, o objetivo das medidas empreendidas é elevar a quantidade e melhorar a qualidade dos ativos que os bancos devem reter, a fim de garantir suas operações, ampliando a capacidade de resistência do sistema monetário como um todo, a momentos de estresse. Ao Bank for International Settlements (BIS), cuja sede é na cidade de Basiléia, na Suíça, e que compreende 58 bancos-membros de todo o mundo, são delegadas duas funções: regular a adequação do capital dos bancos comerciais e garantir a transparência das reservas exigidas pelos acordos internacionais.
NESTE CONTEXTO, OS ATIVOSde bancos comerciais, levando-se em conta a qualidade, são classificados dentro de um ranking composto por três níveis: Tier 1, Tier 2 e Tier 3. O ouro, atualmente, está incluído no nível 3, ou seja, é um ativo do capital Tier 3, sendo que apenas 50% do total possuído é contabilizado, no que concerne à contribuição deste ativo em particular para mitigar o risco da instituição – o tal risk wheighting. O que está em processo de análise pelo BIS é a elevação do metal precioso ao status de ativo Tier 1, bem como o aumento do seu risk weighting para 100%.
NA CLASSIFICAÇÃO QUE VIGOROU até então, os bancos têm sido, de fato, desencorajados a manter o ouro em seus portfólios, enquanto são incentivados a possuir ativos como ações, moedas e instrumentos de débito, nenhum dos quais, diga-se de passagem, mostrou resiliência satisfatória aos momentos de crise mais aguda. A provável mudança na categoria do ouro significa, em última instância, a elevação do seu valor relativo ao de outros ativos. Isto, em tese, aumentaria a atratividade do metal com fins de se cumprir metas regulatórias, resultando na ampliação das compras de ouro por bancos comerciais.
O QUE CONTA MUITO A FAVOR da mais nobre das commodities é a sua natureza anticíclica em relação à maioria dos demais ativos de primeira linha – ela tende a se valorizar quando os outros se desvalorizam. Além do quê, obviamente, o ouro não carrega qualquer risco creditício, ele não envolve outra parte (como os instrumentos de débito), ou seja, ele não é um passivo de outrem, o que ajuda a diminuir os riscos de contágio no sistema. Todas essas características, no entanto, são velhas conhecidas; não é por acaso que o metal foi referência monetária global por muito tempo (o padrão ouro). Com as novas regras que estão sendo contempladas pelo BIS, portanto, seria dado um passo significativo, no sentido da recondução do ouro ao status de uma das principais unidades de reserva, dentro do sistema monetário internacional.
EM TERMOS DE ANÁLISE TÉCNICA, até aqui, a correção ocorrida na tendência primária altista do ouro, após a máxima cravada em US$ 1.921 por onça, não compromete a trajetória de longo prazo do metal (a tal tendência secular). O recuo após a última onda de alta – que ocorreu entre outubro de 2008 e setembro de 2011– está entre o primeiro nível de Fibonacci(23,6%) e o segundo nível (38,2%), o que chega a ser saudável para realimentar a tendência. Além disso, o patamar de US$ 1.500 por onça tem se demonstrado um suporte bastante forte. Alguns países estão aproveitando o momento para aumentar seus estoques do metal. Em maio, segundo o Fundo Monetário Internacional, Rússia, Turquia, Cazaquistão e Ucrânia adquiriram expressivas quantidades de ouro. Tanto a Rússia quanto a Turquia, por sinal, vêm expandindo suas reservas mensalmente há anos, seguindo o movimento capitaneado pela China. Somente em maio, a Turquia aumentou em 2% a quantidade de ouro em seu estoque, confirmando o ritmo de expansão que manteve nos últimos meses. Além disso, o BC permitiu que bancos comerciais elevem a proporção de ouro na constituição de suas reservas compulsórias, de 20% para 25%. O argumento para esta modificação regulatória foi o de prover maior liquidez ao sistema bancário.
EMBORA CHAME A ATENÇÃO o fato de que países considerados periféricos estejam em processo de ampliar a posse de ouro, a percentagem do metal precioso na formação de suas reservas internacionais ainda é bastante modesta, quando comparada à das chamadas economias centrais. Atualmente, na Rússia, por exemplo, esta proporção está em 9,1%, na Ucrânia em 5,1%, e no Cazaquistão em 15%. Já nos Estados Unidos, Alemanha, França e Itália, a percentagem é superior a 70%. Observa-se, porém, que em meio ao agravamento das turbulências causadas pela explosão de dívidas soberanas, o ouro oferece um grau de segurança que é cada vez menor em emissões de qualquer governo. No contexto global, as compras da commodity dourada por bancos centrais atingiram em 2011 o maior nível desde meados dos anos 60, de acordo com a consultoria de metais GFMS, da Thomson Reuters.
UM DOS ASPECTOS NEGATIVOS do investimento em lingotes, usualmente salientado por analistas, é que a sua posse não gera proventos, como juros ou dividendos. Em compensação, quando olhado sob a perspectiva de prazos mais longos, o ativo não desaponta, muito pelo contrário. No contexto histórico, quando comparado ao dólar americano, por exemplo, a segurança, a preservação do poder aquisitivo e a própria valorização do metal precioso saltam aos olhos. Em 1913, ano de criação do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), a onça do ouro valia US$ 20. Hoje, quase cem anos depois, o dólar perdeu cerca de 95% do seu poder de compra, ao passo que a onça de ouro vale cerca de US$ 1.600.
RECENTEMENTE, OS INCENTIVOS à alocação de parte do portfólio em ouro vêm se multiplicando. No ano passado, o banco JP Morgan Chase & Co passou a permitir que seus clientes utilizem a commodity como colateral em operações nas quais, tradicionalmente, somente ações de empresas e bônus do Tesouro norte-americano eram aceitos. Segundo o banco, o ouro seria um ativo, no mínimo, tão bom quanto os treasuries. Também em 2011, o Comitê para Assuntos Econômicos e Monetários do Parlamento Europeu (Econ), endossou o uso do metal como garantia colateral em empréstimos. “O grande corolário do excesso de endividamento no mundo é a relativa escassez de boas garantias colaterais para respaldar a pesada carga de débito em aberto. Esse desequilíbrio entre débito e garantias colaterais está impactando a capacidade de bancos para continuarem emprestando a seus clientes; a de bancos centrais para continuarem emprestando a bancos comerciais; e aos chamados bancos-sombra (ou sistema financeiro nãobancário) de serem fundeados no mercado overnight. Assim, a emergência do ouro como um ativo colateral em mercados altamente endividados é inevitável e está de fato acontecendo. O ouro está se impondo como bom colateral, em um mundo de péssimos colaterais”, define o professor Lew Spellman, da Universidade do Texas, economista com passagem pelo Federal Reserve.
EM RESUMO, ENQUANTO PERDURAR o clima de incertezas econômicas e ameaças iminentes ao sistema financeiro internacional, é presumível que o dólar continue se valorizando. Por sua vez, a tendência de alta da divisa norte-americana, a princípio, inibe a apreciação do ouro, já que prevalece a percepção de que os dois ativos são antagônicos. A elevação de status do ouro a Tier 1, contudo, pode chacoalhar esta visão. Ao investidor cabe ficar atento tanto ao desfecho do processo no BIS, quanto ao suporte em US$ 1.500 por onça-troy, no gráfico das cotações à vista, nos mercados internacionais. Se bem que a região de US$ 1.450 (cerca de 38,2% de Fibonacci) também poderia ser um bom ponto de entrada (para compra). Em teoria, nada impede que o dólar e o ouro subam juntos, apesar de ainda ser difícil visualizar esse quadro. Mas, por outro lado, bastaria o Fed anunciar uma nova rodada de afrouxamento quantitativo (quantitative easing – recompra de títulos do Tesouro americano) para o canário econômico disparar novamente. E isso pode acontecer a qualquer momento.



Fonte: JC

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