O Banco Central precisa se explicar


O Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) devem explicações aos brasileiros que têm dívidas. Reportagem de Ana D’Angelo publicada no sábado pelo Correio revela que uma regra proposta pelo BC e chancelada pelo CMN em dezembro de 2007 está provocando prejuízos a pessoas que juntam algum dinheiro e pretendem quitar seus débitos. Esse grupo— com perfil financeiro bastante responsável, o que ajuda a solidez da economia — está desembolsando mais do que deveria de acordo com a letra da Lei 8.178, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Tome-se por exemplo uma pessoa que contratou um financiamento de um carro ou um empréstimo de R$ 30 mil em novembro de 2008, com pagamento em 60 parcelas e juro de 2,5% ao mês. O saldo devedor hoje é de R$ 13.588. O CDC, porém, diz que o juros contratados na época devem ser excluídos do saldo devedor, já que o dinheiro não será usado até o final do prazo. De acordo com a lei, o saldo a pagar cai para R$ 11.347,20. A Resolução 3.516 do CMN diz outra coisa. É uma regra complexa: desconta-se do juro contratado a taxa básica (Selic) da época, estabelecida pelo BC. Tem-se, assim, o spread do banco, ou sua margem bruta: a diferença entre o custo de captação do dinheiro e o que cobra, sem contar despesas operacionais. Soma-se, então, essa margem à Selic atual para obter o juro a ser expurgado. No exemplo citado, será 2,1% em vez de 2,5%. Assim, o saldo devedor sobe para R$ 11.668,05. Pode-se argumentar que a diferença de R$ 320,85 é pouca coisa. Só que o empréstimo pode ser bem maior do que o exemplificado. Além disso, não se trata apenas de um problema individual. Quando se pensa em todas as pessoas que quitam dívidas no país, a história é outra. Em escala coletiva, o dano vai para outro patamar. Exatamente por isso os bancos não costumam abrir mão de um só real quando quem tem de pagar é o correntista. Em situações de alta da Selic, o devedor sai beneficiado, pois o desconto acaba sendo maior do que a taxa pactuada no empréstimo ou financiamento. E o banco também sai ganhando, porque o cliente lhe recursos que podem ser emprestados a outra pessoa com ganho maior. Na situação de baixa da Selic é que o problema se apresenta — sobretudo agora, em que o país chegou ao índice mais baixo da história, em 7,25% ao ano. Com a Resolução 3.156, é como se o CMN tivesse criado um seguro para defender os bancos de uma parte do prejuízo com a queda da Selic. O devedor responsável, que paga suas contas em dia, é uma galinha que põe ovos de ouro todos os meses. Quando ela vai embora, o banco ganha direito a uma compensação. E quem paga é a galinha. A ideia da compensação fica clara quando se leva em conta o motivo que levou a diretoria do BC a propor em dezembro de 2007 a Resolução 3.156. O que se buscava era a eliminação da taxa de uma 7% que era paga aos bancos na quitação dos empréstimos. Esse valor também era ilegal, pois não se pode exigir desembolso sem oferecer um serviço ou produto em troca. Ao eliminar um erro, criou-se outro, vinculado à Selic. "A resolução é absurda. A Lei 8.178 é clara quando diz que o abatimento dos juros tem que se basear na taxa de contrato e no prazo que falta. Não pode haver um fator externo", afirmou à jornalista Ana D’Angelo o promotor de Justiça Leonardo Bessa, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Quem entra com ação na Justiça consegue pagar o que manda a lei. O problema é que os cálculos são tão complicados que muita gente nem se dá conta dos direitos. Assim, quando se fala hoje em quitação antecipada de dívidas, há dois tipos de cidadãos: os que têm seus direitos respeitados e os que não têm, por culpa de um instrumento do Estado. Os advogados do BC não perceberam a afronta ao CDC quando a resolução foi feita? E hoje, o que eles têm a falar sobre isso? Aguardamos respostas.

Fonte: JC

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