“Nossas
dúvidas são traidoras, E nos fazem perder o bem, Que sempre poderíamos ganhar, Por
medo de tentar” (Shakespeare)
O percurso surrealista de Joseph K, no magnífico livro “O
Processo”(1920), de Kafka, retrata o homem indefeso e incrédulo dentro de um
sistema judicial anacrônico e corrupto, hierarquizado e inacessível, cruel e
injusto, e é o pano de fundo de uma ampla reflexão sobre o Judiciário no mundo,
que se iniciou no segundo pós-guerra e ainda não terminou. A instalação das
Cortes Constitucionais europeias (Alemã-1951, Italiana-1956, Portuguesa-1976 e
Espanhola-1978) inaugura uma nova era, surge o modelo pós-positivista do
direito, com protagonismo do Poder Judiciário na cena da democracia, o juiz
guardião e ator em relação às promessas constitucionais. O século XXI é do
Judiciário, disseram vários estudiosos do tema. O reverso da medalha é o que se
denominou de judicialização das relações sociais e políticas, com entupimento da
máquina. No Brasil, 24 anos após a Constituição de 1988, o número de casos novos
multiplicou-se mais de 75 vezes. Em 1988, houve ajuizamento de cerca de 350 mil
novas ações em todos os segmentos da justiça. Em 2011, último levantamento do
“Justiça em números”(CNJ), foram mais de 26 milhões, com crescimento anual de
9%. Há cerca de 90 milhões de processos em andamento. Os números revelam 1
processo para cada 2 habitantes no Brasil - o que presume uma grande
concentração de casos em poucos litigantes -, enquanto na Austrália existe 1
processo para cada 6,4 mil habitantes. Somente no Rio Grande do Sul (campeão de
novas demandas) há uma média de 16.500 casos judiciais por cada 100 mil habitantes.
Se examinados os dados em relação ao Supremo Tribunal Federal e os Tribunais
Superiores, o problema espanta mais. O STF recebeu, em 1940, 2.211 recursos, e
no auge da “crise do recurso extraordinário” (1987) recebeu 18.788 casos. A
despeito da criação do Superior Tribunal de Justiça – que absorveu parte da
competência da Corte Suprema -, ainda depois da criação do filtro da
repercussão geral (2007), o STF recebeu 16.492 novos recursos, apenas no
primeiro semestre de 2012. A distribuição de recursos para o STJ sobe
vertiginosamente: 6.103 em 1989 e 290.901 em 2011. Portanto, diante desse
quadro, em todos os níveis do Judiciário cresce a preocupação com o
aprimoramento da gestão administrativa. Em outras palavras, a “boa governança”
da magistratura, ainda porque o planejamento nunca foi o forte da Administração
Pública, desde o Brasil- Colônia, mormente em relação ao Judiciário - ante a inexistência
absoluta de autogoverno até a Constituição de 1988. Nesse contexto, o Prêmio
Innovare – destinado a identificar e divulgar as melhores práticas
desenvolvidas para aprimorar o trabalho judicial - encomendou pesquisa
científica para “mapear” todas as práticas premiadas desde sua primeira edição,
capturando um dado muito interessante: em sua absoluta maioria, os juízes estão
experimentando e inovando em gestão administrativa, como ferramenta eficiente
para melhorar e tornar mais eficiente a prestação jurisdicional. A necessidade
de adequada capacitação de juízes e servidores vem sendo percebida pelas
Escolas de Magistratura, que, com auxílio de novas tecnologias, ministram cursos
a distância de “gestão judicial”, estimulando com promoções na carreira aqueles
que participam. A hora é de aprofundar e acelerar o treinamento, com atuação
firme da Escola Nacional de Formação (ENFAM). O planejamento e gerência
estratégicas dos Tribunais, com orçamentos participativos, representam
inovações benfazejas, a desafiar a ação do Conselho Nacional de Justiça para
efetivação das Resoluções 68 e 70/2009. Ademais, sem nenhuma pretensão de
esgotar assunto tão amplo e complexo, mas com o propósito de inserir o debate
na agenda atual do Estado Brasileiro, é momento de fortalecer, com seriedade e determinação,
as soluções alternativas à jurisdição (arbitragem, mediação e conciliação),
técnicas que, se bem difundidas e coordenadas, farão diminuir em muito a
litigiosidade. A sociedade quer discutir o aperfeiçoamento de suas
instituições, avanços necessários em um país que viveu experiências traumáticas
de prolongados regimes autoritários, e agora busca o melhor caminho da
liberdade e prosperidade. O Poder Judiciário é como planta que só viceja na
democracia, quer ter a oportunidade de seguir a mesma trilha.
Fonte: JC - Texto de LUIS FELIPE SALOMÃO - Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
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