O episódio
brutal ocorrido com o casal de turistas estrangeiros, dentro de uma van no Rio
de Janeiro, sublinha uma realidade terceiro mundista. O fato, ao qual
autoridades tentam imputar a conotação de incidente isolado, agraúda a presente
tendência de baixa na curva da percepção externa sobre o Brasil. Os comentários
de desencanto com o gigante sul americano vêm predominando na mídia
internacional, especialmente nas análises econômicas. Não obstante as previsões
de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013 estarem na faixa de 3%,
nota-se, com exceções, a sensação majoritária de que a nação que abre o
acrônimo BRICS está no limite do seu potencial momentâneo, dados os seus sérios
entraves estruturais. Tudo indica que as mazelas passaram a prevalecer sobre as
benesses, na formação do inconsciente coletivo que direciona os agentes dos
mercados financeiros. Num piscar de olhos, a empolgação de até bem pouco tempo
atrás com o País desvaneceu, justamente quando o modelo calcado
fundamentalmente no consumo interno dá sinais de exaustão e um forte ciclo de
investimentos se faz emergencial.
QUEM JÁ ANDOU DE VAN
sabe um pouco mais do Brasil. Mas mesmo para quem
nunca experimentou, a disseminação deste meio de locomoção coletiva proporciona
boas conclusões. A forma como se estabeleceu, forjado a partir da absoluta
carência de investimentos em transportes de massa, do crescimento caótico das
cidades, da complacência política, para não dizer conivência do poder público
com o ilícito, e da esperteza, da ganância e do natural senso de oportunidade
dos que vivem à margem das leis, que são muitos, não deixa de ser um
contundente retrato do País. É óbvio que os principais problemas brasileiros
têm raízes profundas, mas nos efêmeros períodos de euforia econômica, fanfarreados
por quem quer que esteja no poder, eles são invariavelmente ofuscados em vez de
confrontados com a devida firmeza. Esta tem sido uma regra histórica e, talvez,
tudo realmente possa ser explicado pelo atravancado sistema político, que se
perpetua. Fato é que esse padrão, associado aos chamados ‘voos de galinha’,
está arraigado na percepção internacional sobre o Brasil. Isso, por seu turno,
ajuda a eternizar o próprio padrão, alimentando no longo prazo um ciclo vicioso
difícil de ser rompido.
NA SEMANA PASSADA,
a coluna Gráfico da Semana, do Financial Times (FT), teve como
título Os Gargalos do Brasil. O texto de Valentina Romei é um belo resumo da
atual perspectiva estrangeira sobre a economia brasileira. Basicamente, é
demonstrado que, para o País manter a posição como um dos líderes do bloco emergente,
teria que resolver urgentemente seus problemas estruturais, a começar por
educação e infraestrutura. Até aí, nenhuma novidade. O que fica claro nos
gráficos, no entanto, é o quanto a maior economia da América Latina está
distante disso. No ranking do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a posição
107, entre 144 nações que tiveram a qualidade de suas infraestruturas
analisadas. A situação é alarmante, deixando-o atrás de México, Filipinas, Indonésia,
Camboja e Tailândia, entre outros. É enfatizado que a dependência da exportação
de commodities faz com que portos e aeroportos sejam cruciais para o sucesso do
País. Mesmo assim, a precária condição destas instalações coloca o Brasil entre
os 10 piores países do planeta.
EM SE TRATANDO EXCLUSIVAMENTE
de aeroportos, a infraestrutura brasileira só
supera algumas nações bem menos expressivas no cenário global, como Burundi,
Serra Leoa e Haiti. Com relação aos portos, o País não perde apenas quando
comparado a economias do porte de Haiti e Gabão. O FT frisa que somente 5% das
rodovias nacionais são pavimentadas, contra 50% na Índia e na China e mais de
80% na Rússia. Segundo a consultoria McKinsey, até 12% de todos os grãos
produzidos no Brasil se estragam antes de chegar aos portos ou aos consumidores,
em virtude das limitações de infraestrutura. O jornal destaca as filas no porto
de Paranaguá, dizendo que em um dia normal há 89 navios aguardando ao largo –
onde as embarcações esperam para poder chegar ao cais –, em decorrência do
congestionamento. Outro ponto salientado é a fraqueza educacional, responsável
pela deficiente força de trabalho. No Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (PISA), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o Brasil ocupa a posição 53 do ranking, em um total de 65 nações
avaliadas. Na América Latina, o País só está à frente da Argentina e do Peru.
OS RECENTES INDICADORES
da economia brasileira vêm se somando a essa
unanimidade sobre o grave gargalo estrutural, apagando fagulhas de entusiasmo
que vez por outra ressurgem na comunidade internacional acerca do País. A
balança comercial vem batendo recordes negativos, o lucro de grandes empresas
encolhe a inflação segue ameaçando e a produção industrial continua
claudicante. Para completar o quadro desfavorável, os arroubos
intervencionistas do governo em setores vitais não foram bem digeridos, assim
como a postura dúbia ante a escalada dos preços. Há ainda preocupações
recorrentes, como a insegurança, inclusive jurídica, que acontecimentos como a
atrocidade contra turistas teimam em relembrar.
NO ÂMBITO DOMÉSTICO,
a urgência em alavancar os investimentos também é
consensual. Existe, porém, a essa altura, certo descrédito quanto à capacidade
do atual governo de fazê-lo em tempo hábil e na magnitude necessária, a fim de
se evitar um freio mais prolongado no ritmo de crescimento econômico, sem
perder as rédeas do controle da inflação. “São muitos erros acumulados, em meio
a enorme confusão regulatória, e não há expectativa de solução. Assim, não dá.
Não se rebaixa a inflação, nem se promove o crescimento econômico”, constata a
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em sua
última Síntese da Conjuntura Econômica, elaborada pelo ex-ministro da Fazenda e
presidente do Banco Central, Ernane Galvêas. A entidade aponta equívocos do
governo ao interferir em setores vitais, a começar pelo petrolífero. Na sua
visão, a substituição do antigo modelo de concessões pelo de partilha espantou
investidores e desestruturou a Petrobras.
NO SETOR HIDRELÉTRICO,
a instituição enxerga que os contratos foram
desrespeitados e a segurança jurídica atropelada. Em relação aos portos, a CNC
entende que o governo se concentrou na questão da mão de obra, quando o
problema da ineficiência e dos altos custos da operação portuária está na falta
de cais de atracação, de dragagem, de armazenagem insuficiente, no desentrosamento
burocrático entre as repartições envolvidas e na precariedade das vias de
acesso ao porto. “Nos atuais processos de licitação, nas áreas da
logística dos transportes, o governo reconhece que precisa mudar o tratamento dispensado aos empresários
privados, mas cometeu a barbaridade de fixar uma taxa de 5,5% para o retorno
dos investimentos”. O órgão pondera que a presidente Dilma está procurando
organizar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), base do planejamento competitivo,
mas que esse trabalho deve durar de 10 a 20 anos.
CARÊNCIA DE INVESTIMENTOS,
inflação, insegurança, burocracia, fragilidade
jurídica, ineficiência política. Em suma, estes são alguns problemas seculares
brasileiros que estão voltando a ganhar destaque. A dinâmica dos mercados é
essa mesmo. Em tempos de alta, as coisas boas sobressaem, ao passo que, nas
fases de baixa são os aspectos ruins que mais aparecem. A linha divisória que
separa esses dois campos perceptivos é tênue, imperceptível. Na verdade, os
dois lados se cruzam e se misturam, mas sempre com a prevalência de um deles, o
que define a tendência, o momento. Muito provavelmente, a partir do triste
incidente carioca, os estrangeiros que visitarem o nosso País evitarão andar de
van. Eles optarão por conhecer menos o Brasil. E você, já andou de van?
Fonte: JC
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