Todos em órbita.

O Brasil deu um nó na cabeça dos analistas, daqui e alhures, como já havia dado no governo Dilma Rousseff e em seus opositores. Quem melhor flagrou tal situação embaraçosa foi a inglesa The Economist, ela própria siderada pela ciclotimia dos movimentos brasileiros. Em sua edição de novembro de 2009, ilustrada pela imagem do Cristo Redentor disparando como foguete, avaliou o fim da recessão no país como início de uma era de expansão sustentada. O governo Lula, com a candidatura presidencial de Dilma Rousseff a tiracolo, adorou, o mercado financeiro acreditou, e 2010 foi um ano de Produto Interno Bruto (PIB) sem freio, entregando gloriosos 7,5% de crescimento. The Economist volta ao tema esta semana com ares de inglês traído, desfazendo em 14 páginas, tanto quanto na edição de 2009, as loas à economia brasileira, já indicada na ilustração de capa, agora com o Cristo Redentor apresentado como um foguete desgovernado. Não alivia que o enfático título anterior, "O Brasil decolou", vem agora como dúvida: "O Brasil estragou tudo?" Ou também, em tradução livre, "O Brasil se perdeu?". A The Economist parece querer se desculpar, ao mesmo tempo em que, ao se expor menos assertiva, faz o que todos com interesses econômicos e políticos nesse debate têm feito: vende o seu peixe, procurando influenciar a formulação das políticas. O momento é apropriado para isso. O governo, por exemplo, desenhou as concessões de transportes engessando a rentabilidade do negócio, parte pela tarifa, parte pela exigência de que 70% das obras sejam feitas nos cinco anos iniciais de contratos com 30 a 35 de prazo, e os aspirantes a concessionários fecharam a cara. Entre o anúncio do programa de concessões e o choque da realidade, Dilma levou mais de um ano para sacar que não conseguiria moldar o mercado a seu gosto. Não conseguiu, e por isso tem tentado aliviar parte das condições iniciais, como não conseguirá com o pré-sal, lançado como a riqueza em que bastaria ancorar naviosplataformas no mar e começar a furar para o petróleo jorrar, credenciando o país a um assento na OPEP. O leilão para o Campo de Libra atraiu 10 empresas, fora a Petrobras, frustrando a expectativa de que viriam 40. Das que vieram, três são estatais da China, candidata a tudo — e quase que literalmente.
Poder só não pode voar
pode tudo, como voar, por exemplo. É isso que faz a economia confundir tanta gente. Está certo quem lamenta as oportunidades desperdiçadas, tal como a Economist, ao destacar que os gastos em infraestrutura mal chegam a 1,5% do PIB – "insuficientes como biquíni fiodental", compara, com o humor típico inglês. A média mundial é de 3,8% do PIB. Só que é errado tomar tais coisas como expressão de uma crise que a sociedade não sente nem pressente, com a taxa de desemprego no menor nível histórico (5,3% da população ativa), o salário subindo (+1,3% real em agosto sobre igual mês de 2012, na média do IBGE) e o maior acesso ao crédito, apesar dos juros outra vez em alta. Em agosto, o aumento interanual das novas concessões foi de 15,9% – e o financiamento imobiliário superou, pela primeira vez, todas as demais modalidades de endividamento da pessoa física.
Arroz, feijão, e acabou
Mas a economia tem problemas, e acusá-los não significa pessimismo adversativo, como a presidente ironizou dias atrás. Nem que Cristo Redentor se perdeu, conforme a metáfora dos jornalistas ingleses. Servindo-se de outra imagem, é como se a economia pusesse arroz e feijão na mesa, mas não garantisse camarão. Não há orçamento para duplicar as principais rodovias nem para bancar a Petrobras sozinha na exploração do pré-sal. Muito menos, é possível subir os impostos. A carga tributária chega a 35% do PIB, contra 10% na Índia, 20% na China, 15% no México, nossos maiores concorrentes. E, para valer, o governo não gere o orçamento, já que a destinação de 90% dos gastos é fixada em lei. É do que sobra que saem o Bolsa Família, a verba para catástrofes, o investimento em obras públicas. Está aí porque Dilma aceitou privatizar a malha de transportes com as concessões.
Disputa nos bastidores
A folga do gasto fiscal acabou. A emissão de dívida pelo Tesouro para a banca estatal apoiar a indústria e a infraestrutura com juro barato bateu no teto. Foram mais R$ 440 bilhões, 9% do PIB, assim, desde 2008. Por ser crédito do Tesouro, tais repasses não inflaram a dívida pública líquida, de 34% do PIB, relativamente baixa. Mas as agências de rating passaram a olhar a dívida bruta, 60% do PIB, a maior do mundo emergente, e ameaçam cortar a nota de crédito do país. Tudo isso significa.que o crescimento vai perder força sem reformas profundas. Influenciá-las é o que agita os bastidores.
Só para líder manhoso
Não são medidas para agora. Não há tempo. Nem vontade legislativa. A cabeça dos políticos já se voltou para a eleição, e vários, Dilma inclusive, para a reeleição. Também há algum consenso de que como está não fica. Do PT à Economist, que reflete o capital financeiro internacional, todos falam de reformas. O consenso acaba quanto ao que deve mudar. Tudo fere interesses, sobretudo por tratar de rever o gasto público e de melhorar a qualidade da gestão dos governos. Mas virá de um jeito ou de outro, e atrasado. Na campanha de 2002, já circulava um plano de reformas, a tal "agenda perdida", adotada parcialmente pelo então ministro Antonio Palocci. O grosso viria em 2007, se Lula não fosse forçado pela crise do mensalão a abrir sua coalizão e o cofre. Reforma com caixa cheio é menos dura. Com caixa baixo, sai no susto ou vira geleia. Ou o líder é manhoso como Lula.



Fonte: JC

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