O
alto escalão do governo continua acusando o golpe desferido pela agência de
avaliação de risco de crédito Standard & Poor’s (S&P) na segunda-feira,
ao rebaixar a nota do Brasil para o nível em que se encontrava em 2008 quando
ela mesma dera a chancela de investimento seguro à economia – o chamado
"investment grade". A comenda encheu de orgulho o então presidente
Lula, que a usou inclusive na eleição de 2010 como argumento de campanha em
favor de Dilma Rousseff. Ele explicou a seu jeito, num evento em Teresina, o
significado da decisão: seria como um homem comportado, que cuida da família,
paga o aluguel, não tem vícios. "Esse é o investment grade", disse. Seis
anos depois, a S&P caiu em desgraça. Paulo Bernardo, ministro das
Comunicações, disse que o downgrade foi uma decisão "política",
insinuando coincidência "muito estranha" com as críticas do senador
Aécio Neves (PSDB-MG), adversário da presidente nas eleições em outubro, à
condução da economia. E Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência,
lembrou o fiasco das agências ao dar nota AAA aos bancos que detonaram a crise
de 2008 nos EUA. O que aconteceu entre a ascensão da economia brasileira de
2004 a 2008, levando a S&P a promover outra elevação de grau em 2011, e a
queda agora? O economista Fernando Montero, colaborador assíduo da coluna,
encontrou dez respostas para o que indigna o governo. 1ª, o superavit primário
em 2008 chegou a 3,4% do PIB. Só não foi maior devido ao aporte de parte do
dinheiro economizado para formar o Fundo Soberano do Brasil. Tal superávit
murchou para 1,9% do PIB em 2013. Só não foi menor graças a receitas
excepcionais, como o Refis de dívidas tributárias e o leilão do campo Libra, no
pré-sal. 2ª, o déficit nominal, que inclui o pagamento de juros, era de 2% do
PIB em 2008, elevou-se a 3,6% no ano passado e segue subindo. 3ª, os juros da
dívida pública custaram 5,46% do PIB em 2008, algo próximo aos 5,3% pagos pelo
Tesouro em 2013. Mas a Selic média fora de 12,5% seis anos atrás (em queda),
incidindo sobre um estoque de dívida de 42,4% do PIB. Em 2013, a Selic média de
8,2% (em alta) se aplica sobre uma dívida líquida de 34,7%.
Esforço para contrariar
Tais
eventos foram acompanhados pela perda gradativa da confiança do mercado e dos
empresários na política econômica, sem ter havido maiores esforços para
reverter a percepção. Ao contrário. É o que se vê, voltando-se à lista preparada
pelo economista Montero: 4ª, a dívida líquida de 38,5% do PIB em dezembro de 2008
caiu para 33,3% em janeiro de 2014, enquanto, em contrapartida, o total bruto
aumentou, nas mesmas datas, de 57,9% para 58,5%, na conta do BC. 5ª, nestes
seis anos, enquanto os indicadores fiscais se tornavam menos favoráveis,
cresceu a opacidade das contas públicas. Abriu-se uma fábrica de dividendos dos
bancos estatais, obtidos com repasses de aportes do Tesouro, metas de
desempenho foram sendo reescritas e adaptadas a novos conceitos de gastos
abatidos dessa conta etc.
Selfie de números ruins
6ª,
nos cinco anos até 2008, a economia cresceu 4,8% em média. Nos cinco anos
seguintes, desacelerou para 2,3%. O governo falava, em 2011, em crescimento
potencial de 5% a 5,5% ao ano. Não fala mais. 7ª em 2008, o país investiu 20%
do PIB, com poupança nacional de 18,5% do PIB. Em 2012, investiu 18%, com poupança
de 13,9% do PIB. 8ª, a diferença implicou o aumento do déficit em conta corrente
de 1,7% do PIB para 3,7%, bancado com ingressos de capitais externos. 9ª, o
IPCA cresceu 5,9% em 2008, quase tanto quanto em 2013. Mas a expectativa em
2008 para o triênio apontava uma variação de 4,67% – na prática, no centro da
meta anual, de 4,5%. Hoje, prevê-se 5,86%, sem o alinhamento dos preços
relativos que havia em 2008. 10ª, não se discutia abastecimento de água, oferta
de energia. A Petrobras e a Eletrobras eram as vedetes na bolsa, com o índice
que mede a valorização das ações em 63 mil pontos. Hoje, ele oscila em torno de
48 mil. Mais: a confiança era elevada, o governo não tinha de lidar com black
blocs da rua e de sua base aliada, e por ai vai.
Praguejar não é resposta
O
Brasil mudou para melhor na área social, as reservas de divisas, como destaca
Montero, cresceram de US$ 207 bilhões em 2008 para US$ 377 bilhões, formando,
diz, "um importante colchão" de proteção das contas externas. O que
saiu errado? Ele arrisca: "Muito da piora se deveu à crise externa e à
nossa resposta a ela". Ou também, segundo Julio Sérgio Gomes de Almeida,
professor da Unicamp e ex secretário de Política Econômica da equipe de
Mantega, estamos em meio ao fim do ciclo de crescimento movido a consumo sem
que outro, liderado a investimentos, tenha se assentado. Melhor diagnosticar e
tratar que praguejar contra os outros. Não leva a nada e cria falsas ilusões.
Rebaixamento veio antes
Antes
da mão pesada da S&P, conforme juízo de Almeida, "todos nós já
havíamos rebaixado a nota do país", com o governo incluído nesse plural.
"Esperteza demais não funciona", diz, falando das lambanças contábeis
do superávit primário. Com carga de juro sistematicamente acima de 5% do PIB,
não se pode ter superávit menor de 2%, sob pena de o déficit nominal só crescer
e ficar insustentável, ele avalia. Almeida não é economista de mercado, longe
disso. Para ele, se a distribuição de renda havida neste ciclo iniciado em 2004
não deve piorar, também não vai melhorar, e é o que exige mais atenção.
"Não se faz desenvolvimento com perda de direitos e retrocesso
social", diz. Mesmo, acrescenta, com uma "rodada duríssima de reformas"
pela frente. Ele acha que duas metas são essenciais: defender o poder de compra
dos 40 milhões saídos da pobreza e acelerar o investimento.
Fonte:
JC
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