Não vem que não tem.


A nebulosa compra pela Petrobras de uma refinaria em Pasadena, no Texas, já seria um caroço de abacate na goela de qualquer governo, num quadro de normalidade. A estatal pagou US$ 360 milhões por 50% de uma instalação que havia sido comprada por uma empresa belga, de nome Astra, um ano antes, por US$ 42,5 milhões. Já era estranho. E ficou esquisito quando, devido a uma decisão judicial nos EUA, a Petrobras se viu obrigada a comprar a outra metade da refinaria aos belgas, desembolsando ao todo US$ 1,18 bilhão por algo que custara quase 28 vezes menos ao vendedor e hoje a estatal só encontra quem queira comprar por menos de US$ 100 milhões. É quando se apurou que a diretoria da Petrobras concordara, com o endosso do seu Conselho de Administração, com duas clausulas extravagantes. A primeira dava aos belgas da Astra o direito de uma parte comprar a da outra em caso de desavença entre os sócios. Isso não é incomum em fusões e aquisições. A segunda garantia à Astra lucro garantido de 6,9% ao ano, independentemente da situação do mercado nos EUA. A soma das duas condições antecipava um cenário de conflito. Foi isso o que aconteceu, e a Petrobras perdeu. Surgiu um escândalo, mas ele estava mais ou menos contido politicamente até esta semana, apesar de o Ministério Público e a Polícia Federal terem sido acionados. O negócio vinha sendo tratado como um desastre empresarial, assim como tantos cometidos por empresas privadas, ou justificado pela direção passada da Petrobras, presidida por Sérgio Gabrielli, e a atual, comandada por Graça Foster, ambos do PT, como defensável à época de sua realização, em 2006, quando a internacionalização das atividades da estatal, inclusive de refino, estava em pauta. Deixou de ser algo trivial, conforme esta linha de defesa, depois que o jornal Estado de S. Paulo publicou a ata da reunião em que o conselho da Petrobras aprovara a tal operação. O caroço de abacate, em ano de eleição, acumulou-se a um soco no estômago. O negócio foi realizado no governo Lula, com a participação da presidente Dilma Rousseff, que então acumulava a chefia da Casa Civil com a direção do Conselho de Administração da Petrobras. Ela viu nesse vazamento mais que uma notícia de rotina e pôs fogo num capinzal que nem seus adversários na corrida presidencial se animavam a desbastar. Esse é o fato, apesar de o megaprejuízo da Petrobras ser o dado relevante.
Acionando o ventilador
A publicação do documento em que o conselho da estatal dava aval à compra então de 50% da refinaria no Texas só trazia mais informação ao que se sabia e o governo já mandara investigar. Como uma empresa aberta, suas decisões relevantes estão disponíveis às bolsas em que as ações são negociadas e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A presidente não recebeu a notícia com essa frieza. Ela a rebateu, distribuindo nota escrita de próprio punho em que atribui seu voto, aprovando a operação recomendada pela diretoria da Petrobras, a um relatório "técnica e juridicamente falho", já que, ela explicitou, "omitia qualquer referência" a cláusulas condicionantes que, "se conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo Conselho".
Arriscada, mas pensada
Esse é o fato novo. E muito grave. A presidente pôs em suspeição o procedimento dos diretores da estatal, como se tivessem a intenção deliberada de ocultar aos conselheiros detalhes do negócio levado à sua aprovação. É óbvio que a oposição, desta vez, não deixou passar em branco. O senador Aécio Neves, candidato do PSDB a disputar com Dilma a corrida presidencial, cobrou a apuração completa do caso e abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, as ruidosas CPI. Como a decisão de Dilma de destampar um podre que respinga no PT não foi impensada, já que discutida com assessores próximos e com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a questão em aberto é o propósito político de sua atitude. E isso com o risco de a ideia da CPI prosperar, implicando, para derrubá-la, o apoio do PMDB, cuja liderança e bancada na Câmara, também extemporaneamente, iniciaram o ano com disposição de peitar o governo em votações importantes.
Oposição ganhou vacina
Ninguém fica bem nesta história, nem a presidente, que só revelou a tal da omissão da diretoria anterior da Petrobras depois de ver a ata com sua concordância ao negócio no Texas publicada na imprensa. A oposição passou a ter a vacina para rebater o PT, se acusada de querer privatizar a Petrobras, como aconteceu nas ultimas eleições. Mas não deve esperar muito mais. CPI só passa se o governo estiver fraco no Congresso. E ai a notícia é outra. Se Dilma decidiu correr riscos, é porque havia algo grave a reprimir em seu próprio quintal e a impor limites. Certo assanhamento dos aliados, inclusive do PT, por exemplo. Os desdobramentos vão indicar seu domínio dos fatos.
A governança deturpada
Se levadas a ferro e fogo, as investigações policiais vão chegar a culpados. Ou não, caracterizando um quadro não menos desabonador a todos os envolvidos: incompetência gerencial das grossas, além de péssima governança, inclusive do conselho de administração. Eles existem não para pagar jeton a conselheiros nem para complementar o salário de figurões do governo, mas para aconselhar a diretoria e a aprovar os seus atos meio que fazendo a vez do dono. A lição é antiga, sabida e foi, outra vez, lembrada pelo escândalo da Petrobras: não se põem representantes de partidos para trabalhar em negócios de Estado tratados por sua natureza como privados, além de também ser temerário colocá-los sob a asa de quem tem potencial de criar conflito de interesses. O ministro da Fazenda, presidente atual do conselho da Petrobras, por exemplo, respira inflação. A ajuda dos preços da gasolina e do diesel para tanto não é gratuita.



Fonte: JC

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