Depois de negociar as medidas de restrição em
benefícios previdenciários, como pensões por morte e auxílio-doença no
Congresso Nacional, o governo Dilma Rousseff vai iniciar uma discussão com os
movimentos sindicais para acabar com o fator previdenciário. A informação é do
ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, que concedeu ao Estado sua
primeira entrevista após assumir o cargo. A ideia, diz ele, é substituir o
fator, criado em 1999, por uma fórmula que retarde as aposentadorias no Brasil.
“O fator previdenciário é ruim porque não cumpre o papel de retardar as
aposentadorias. Agora nós precisamos pensar numa fórmula que faça isso e
defendo o conceito do 85/95 como base de partida. As centrais concordam com
isso”, defende. A fórmula 85/95 soma a idade com o tempo de serviço - 85 para
mulheres e 95 para homens. Além de ser um dos ministros mais próximos da
presidente Dilma Rousseff, Gabas está escalado para discutir com as centrais e
os parlamentares o pacote de aperto aos benefícios sociais, incluindo
seguro-desemprego e abono salarial. Só com pensões por morte e auxílio-doença,
o governo gastou quase R$ 120 bilhões em 2014.
A seguir, a entrevista:
O
governo anunciou o aperto na concessão dos benefícios sociais, inclusive as
pensões por morte e auxílio-doença. Apesar do protesto dos sindicalistas, o
governo vai insistir no pacote?
Primeiro, precisamos separar o conceito de
ajuste fiscal do ajuste nos benefícios da Previdência. Essas medidas têm,
obviamente, efeito fiscal e financeiro, mas já vinham sendo discutidas com
representações de trabalhadores e empregadores. Não são medidas inventadas
agora, não são novidade. As centrais sindicais sabem da necessidade de se
manter uma Previdência equilibrada. Tem muitas forças políticas no Brasil que
entendem que esse nosso sistema é falido, que não funciona, e dizem que precisamos
fazer uma grande reforma da Previdência.
E não
precisa?
Eu sou contrário. O regime atual, se bem
administrado, tem sustentabilidade no tempo. Esse é nosso objetivo, por isso as
mudanças necessárias em pensão por morte e no auxílio doença. Precisamos desses
ajustes, não de grandes reformas. Como a sociedade é dinâmica, precisamos
acompanhar com pequenas evoluções.
Como
assim?
Nos últimos dez anos, a expectativa de
sobrevida no Brasil subiu 4,6 anos. Em média, a expectativa de vida chega a 84
anos e a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição é de 54 anos.
Então, o cidadão fica 30 anos, em média, recebendo aposentadoria. Não há
sistema que aguente. Para que nosso sistema previdenciário seja preservado
temos que estender um pouquinho essa idade média de aposentadoria, que é uma
discussão diferente, que ainda não entrou na pauta.
Seria a
instituição de uma idade mínima para se aposentar, como boa parte dos países
desenvolvidos faz?
Não, não defendo isso. Existem outras
fórmulas que protegem o trabalhador mais pobre.
Mas
isso passa pelo fim do fator previdenciário, não?
Eu briguei muito contra o fator
previdenciário quando ele foi instituído. Eu era sindicalista. Se hoje eu
estivesse no movimento sindical, eu teria outra postura, faria uma proposta,
não ficaria apenas contrário ao fator. Qualquer cidadão tem que pensar que não
é razoável que uma pessoa vivendo 84 anos se aposente aos 49 anos. Com o fator
previdenciário, ao se aposentar cedo, a pessoa recebe um benefício menor, mas esse
benefício serve como complemento de renda. Daí quando a pessoa para mesmo de
trabalhar, ela fica apenas com aquela aposentadoria pequena. Previdência não é
complemento de renda, ela é substituta da renda.
Então,
qual é a fórmula?
O fator é ruim porque não cumpre o papel de
retardar as aposentadorias. Agora nós precisamos pensar numa fórmula que cumpra
esse papel de retardar. Seria a 85/95, como regra de acesso. As centrais
chegaram a concordar isso.
Por que
a 85/95 é melhor que idade mínima?
Porque o trabalhador mais pobre começa muito
cedo a trabalhar. Se coloca 65 anos como idade mínima para se aposentar, ele
terá que trabalhar quase 50 anos ou mais. Já um trabalhador de família mais
rica, que ingressa mais tarde no mercado de trabalho, teria outra realidade.
Nós defendemos aqui, quando essa discussão chegar, uma soma de idade com tempo
de contribuição, para defender o trabalhador mais pobre. Seria 85 para mulher e
95 para homens, mas tem fórmulas dentro disso. O 85/95 é um conceito, um pacote
político, para iniciar as discussões. Essa é a próxima para discutir depois do
pacote das pensões por morte e auxílio doença. O foco do ministério é fazer as
medidas.
Que são
gastos estratosféricos, não?
Sim. Em 2014, gastamos R$ 94,8 bilhões com
pensões por morte e esse dinheiro todo foi para 7,4 milhões de pensionistas.
Com o auxílio doença gastamos R$ 25,6 bilhões para 1,7 milhão de beneficiados. Em
relação as pensões, as mudanças foram propostas porque essa transição que
vivemos no Brasil, onde as pessoas estão vivendo mais, exige uma administração
diferente da Previdência. Essa expectativa de vida de 84 anos é para quem tem
hoje 50 anos. Quem nasceu agora terá uma expectativa de vida de quase 100 anos.
Daí a
restrição?
Isso. A pensão por morte é uma extensão da
aposentadoria. O cidadão se aposentou, recebeu do INSS por 30 anos e quando
morre, deixa uma pensão para outra pessoa, que depois também terá sua própria
aposentadoria. Agora estamos nessa transição demográfica e precisamos encontrar
novas formas. Quem está recebendo continuará recebendo. A mudança é para
frente. Viúvas muito jovens e sem filhos vão receber pensão por um período,
apenas.
Então o
impacto nas contas para 2015 não foi pensado?
Essa não é uma medida para fechar as contas
deste ano. Restringir pensão por morte e auxílio doença são medidas de médio e
longo prazo. Mas é claro que o cenário atual, de complicação fiscal, favoreceu
o anúncio dessas medidas.
O sr.,
e o ministro Nelson Barbosa, vão negociar diretamente com o Congresso. O que é
possível esperar?
Temos agendados encontros com vários
segmentos dentro do Congresso, vamos aos deputados e explicar as medidas. Elas
são importantes, têm o papel de manter a sustentabilidade da sociedade.
E
Eduardo Cunha pode ser um complicador?
Acho que o Eduardo Cunha tem a oportunidade
de usar isso para provar a grandeza dele como presidente da Câmara, não usando
as medidas como instrumento de barganha. No ano passado, o déficit da
Previdência foi de R$ 51 bilhões. Neste ano deve subir mais, se aproximando de
R$ 60 bilhões.
Essa
trajetória preocupa?
A arrecadação tem surpreendido negativamente,
e de fato, as desonerações da folha de pagamento impactaram muito. Mas essa
história do déficit precisa ser tratada com uma visão mais contábil. Nós temos
um modelo de previdência urbana e rural. Tivemos no ano passado cerca de R$ 35
bilhões de superávit na previdência urbana. No rural, a política não foi
pensada com premissa de ter superávit, porque é uma política com objetivo de
proteger o homem do campo, aqueles que trabalham a terra em regime de
agricultura familiar. Esse trabalhador rural é quem produz 73% dos alimentos
que nós comemos. Não vemos latifúndio de dez mil hectares produzindo tomate,
feijão, legumes, apenas commodities.
Então,
se separar, contabilmente, o modelo rural do urbano, o problema estaria
resolvido?
Veja bem, falamos de 8,4 milhões de
aposentados rurais que ganham um salário mínimo. Neste segmento a despesa
cresceu bastante porque o salário mínimo cresceu muito. Essa política não tem
objetivo de ter superávit, a conta não foi feita para fechar, tanto que a
Constituição prevê a Cofins e a CSLL para servirem de fonte de renda para
custear a previdência rural. Contabilmente nosso regime é equilibrado, mas a
conta, depois que houve a unificação dos caixas no Tesouro, se misturou tudo.
Tivemos uma arrecadação de R$ 5 bilhões com o rural e gastos de R$ 80 bilhões.
A arrecadação da Cofins e CSLL é muito superior a essa diferença, mas isso não
fica claro. Temos só que nos colocar de acordo com o pessoal do Ministério da
Fazenda para ver como se transferem esses recursos. Não pode pensar em “vamos
cobrir o rombo”. Não tem rombo, entende?
Para
entender.
O Fator Previdenciário foi criado pelo
governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999,como uma forma de adiar
aposentadorias. Na época, a idade média de aposentadoria era de quase 51 anos.
É uma fórmula baseada na expectativa de vida, no tempo de contribuição e na
idade ao se aposentar. Não conseguiu desestimular os precoces: hoje, 16 anos depois,
a idade média de aposentadoria é de 54 anos. Na prática, reduziu o valor do
benefício e, por isso, é combatido pelas centrais sindicais.
Fonte:
O Estadão
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