Conciliação/Mediação

Proposta do CPC/2015


O Novo CPC, aposta muitas de suas fichas na solução consensual dos conflitos. O texto base, aprovado no Senado, usa as expressões “mediação” e “conciliação” ao menos 44 (quarenta e quatro) vezes, colocando, entre as normas fundamentais do processo civil, o dever do Estado de incentivar a solução consensual dos conflitos (art. 3º, §§ 2º e 3º do CPC/2015). Disciplina, ainda, a figura do mediador/conciliador – profissional qualificado por prévio curso de capacitação, recrutado por concurso público (cargo público) ou mediante cadastramento junto ao Poder Judiciário (art. 167 do CPC/2015) –, que, doravante, será remunerado conforme regramento a ser editado pelo CNJ/Tribunais. E o mais importante: estabelece que nas ações de rito comum (modelo procedimental que substituirá os ritos ordinário e sumário), o juiz, logo ao despachar inicial, designará audiência de conciliação ou de mediação, a ser conduzida, onde houver, necessariamente por conciliador ou mediador.

Alguns fatores legislativos e materiais, contudo, podem comprometer a eficácia desta audiência inaugural de conciliação/mediação, ou mesmo causar perplexidade nas partes e procuradores.

De fato, a audiência de conciliação/mediação será quase obrigatória. Só não será realizada se o direito em debate não admitir autocomposição, ou se ambas as partes, expressamente, declinarem desinteresse, vedado ao magistrado “dispensar” o ato, mesmo vislumbrando a total improbabilidade do acordo.

Ora, um Código tão festejado por ser democrático e dar voz às partes, contraditoriamente, não privilegia a vontade delas; não dispensa o ato, tal como constava na versão do Senado, quando quaisquer das partes (e não ambas) declinarem desinteresse; não confia ao juiz a aferição dos casos em que a mediação/conciliação não tem a menor chance de frutificar.

A opção traz problemas práticos concretos: a) quebra-se aquilo que de mais caro há nos métodos consensuais de solução de conflito, a autonomia da vontade, lançada pelo próprio legislador como princípio da mediação (art. 166 CPC/2015); b) burocratiza-se a mediação/conciliação, obrigando todas as partes, mesmo não querendo, a se submeter a ela, simplesmente porque uma delas deseja; e c) dá azo a manobras processuais protelatórias, com um dos demandados aceitando a audiência, apenas, para ganhar mais alguns meses de tramitação processual, sem possiblidade de intervenção judicial para obstar a manobra; e d) torna maior o custo do processo, pois além do pagamento pelos serviços do mediador/conciliador, o demandado domiciliado em outra localidade, praticamente em todas as ações, deverá se deslocar para a audiência de mediação/conciliação no foro da propositura.

E tudo isso temperado pela cominação de que o não comparecimento injustificado ao ato será considerado ato atentatório à dignidade da justiça, sancionando-se o ausente com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

Há, também, a questão do custo com a mediação/conciliação judicial, atualmente prestada voluntariamente por abnegados profissionais.

Como não há almoço grátis, o Novo CPC estabelece que, ressalvada a situação dos conciliadores/mediadores detentores de cargo público, os demais receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo CNJ. Mas à exceção dos beneficiários da Justiça Gratuita – cuja mediação/conciliação será feita, graciosamente, por centros privados cadastrados ou mediadores/conciliadores voluntários –, o Novo CPC não deixa claro quem pagará por isto.

Pese a omissão do art. 84 do CPC/2015 (em enunciar a remuneração dos mediadores/conciliadores como despesas processuais), cogita-se que quem pagará pela mediação/conciliação sejam as partes, na forma do art. 82 do CPC/2015 (o que tornará mais caro o ato de demandar). Se forem mesmo elas como se cogita, só fará sentido o autor antecipar o pagamento se ele desejar o ato; se não declinar, na inicial, desinteresse. Não havendo interesse, competirá ao réu, caso também não manifeste desinteresse pelo ato, antecipar o pagamento por ele, mesmo o processo tendo mal começado. Realizada a audiência por ausência de declinação de quaisquer das partes, se houver acordo, as partes deliberarão sobre as despesas processuais (art. 90, § 2º, CPC/2015). Não havendo, ao final o vencido pagará a despesa com a mediação/conciliação.

Ou seja, a impressão que se tem é que poucos vão querer antecipar o custo da mediação/conciliação judicial, consequentemente, declinando desinteresse no ato. Se quisessem, teriam pagado pela mediação/conciliação extrajudicial. E a audiência inaugural de mediação/conciliação, de quase obrigatória, somente acabaria por acontecer nos casos em que: a) as partes se dispusessem antecipar o pagamento pelo ato; b) nos que MP, Defensoria Pública e Fazendas fossem partes (já que não precisam antecipar pagamento – art. 91 CPC/2015); e c) nos casos de partes beneficiárias da Justiça Gratuita (onde o ato é “grátis”).

Aliás, mesmo nos casos de gratuidade judiciária, o sucesso da audiência inaugural de conciliação/mediação fica a depender da existência de mediadores/conciliadores voluntários, ou câmaras privadas de mediação cadastradas para prestar este serviço. Se não houver e o juiz tiver que realizar audiência inaugural em todos os processos, será literalmente o caos. Não só pelo atraso que isto representará no processamento dos feitos. Mas também porque isto viola, expressamente, o princípio da confidenciabilidade da mediação (art. 166 do CPC/2015).

Poderia se cogitar de o custeio dos honorários do mediador/conciliador ser integralmente suportado pelos Tribunais, com verbas de seu orçamento. Mas a opção, além de não estar clara no Novo CPC, esbarraria nas restrições orçamentárias do Poder Judiciário, bem como levaria ao necessário aumento das custas processuais. Certamente o Judiciário acabará optando pelo modelo de voluntariado que precariamente funciona atualmente.

Enfim, vale apostar na conciliação/mediação, tal como faz o Novo CPC?
Para ela funcionar a contento, indispensável que as partes sejam deixadas livres para decidir pela participação ou não no ato; que haja estrutura adequada nas unidades judiciais ou nos CEJUSCs, para que o magistrado seja desonerado do encargo de presidir as audiências inaugurais do rito comum (o que não é sequer recomendado tecnicamente); que o custeio da mediação/conciliação seja repensado, melhor disciplinado, a fim de remunerar adequadamente o profissional, mas sem inviabilizar a participação das partes neste importante ato.



Fonte: Jot.Info Apud  F.F.Gajardoni – Comp. Ubarros Jr.


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