Déficit para pagar
benefícios atuais e futuros equivale a 43,9% do PIB, segundo Ipea.
O peso dos gastos com aposentadoria dos
servidores nas contas públicas e a crise fiscal dos estados impõem a
necessidade de incluir na reforma da Previdência — prometida pelo governo
federal — os chamados regimes próprios (União, estados de municípios). Essa é a
conclusão de um estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), prestes a ser publicado, que faz um diagnóstico sobre a sustentabilidade
desses regimes no longo prazo. De acordo com o levantamento, o déficit atuarial
(necessidade de financiamento para pagar todos os benefícios presentes e
futuros) dos estados alcançou R$ 2,4 trilhões em 2014 — o equivalente a 43,9%
do Produto Interno Bruto (PIB) e um custo per capita (por servidor ou
pensionista) de R$ 543 mil. Somando a União, o rombo pula para R$ 3,6 trilhões
ou 65,8% do PIB.
Equilibrar as contas dos estados está nos
planos da equipe econômica para o ajuste fiscal. Na semana passada, o
Ministério da Fazenda acordou com governadores o alongamento da dívida dos
estados com a União, em troca de medidas de redução de gastos, como
congelamento de salários de servidores e limites para aumentos de despesas
correntes. No caso dos regimes de Previdência, o estudo do Ipea mostra que as
reformas são necessárias. Das 27 unidades da federação, 13 (incluindo os
municípios) não têm recursos suficientes sequer para pagar um ano de
benefícios. Nesses estados, a despesa previdenciária corrente já representa o
dobro da arrecadação, de acordo com o levantamento. Estão na lista São Paulo,
Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia, Goiás, Ceará, Paraíba, Distrito
Federal, Alagoas, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Paraná. No ano
passado, o regime de aposentadoria da União fechou com déficit de R$ 40 bilhões
para pagar 980 mil aposentados e pensionistas. Já no setor privado, o rombo foi
de R$ 85,8 bilhões para um número maior de beneficiários: 28,3 milhões. E o
conjunto dos estados, mais o Distrito Federal, registrou saldo negativo de R$
60,9 bilhões, segundo dados oficiais. O autor do estudo e pesquisador do Ipea,
Marcelo Caetano destaca que, para pagar aposentados e pensionistas, alguns
estados já vêm sacrificando a própria folha, como adiantamento de 13º salário,
diluição do pagamento do salário e suspensão do pagamento da dívida com a
União. O Rio é um deles. — Isso já demonstra o grau de fragilidade — afirma
Caetano. Ele observou que o quadro tende a piorar, diante do envelhecimento da
população (o universo de idosos com 65 anos subirá de 8% em 2015 para 27% em
2060). Com a mudança na demografia, haverá menos servidores na ativa para
ajudar custear o pagamento de aposentados e pensionistas. A proporção atual
entre ativos e inativos nos estados é de 1,5 servidor por beneficiário. Na
virada da década de 2050 e 2060, essa proporção cairá para 0,65% (ou seja, não
será nem de um para um).
GOVERNO
QUER REGIME ÚNICO
No caso dos municípios, o resultado em 2015
foi superavitário em R$ 6,7 bilhões, mas este quadro tende a se reverter no
longo prazo, aponta o estudo do Ipea. Atualmente existem 3,6 servidores
municipais ativos por beneficiário. Em 2060, essa proporção cairá para 1,4. A
situação das entidades está relativamente confortável porque o fluxo de
pagamento com aposentadorias e pensões ainda é baixo, pois os regimes foram
criados a partir da Constituição de 1988, sendo que 60% dos municípios
continuam vinculados ao INSS. Segundo Caetano, para trazer os déficits para uma
trajetória sob controle, é preciso acabar com as aposentadorias especiais
(mulheres, professores e militares), fixar a idade mínima (acima de 60 anos),
acabar com a paridade entre ativos e inativos no caso de aumento salarial e
reduzir o valor das pensões por morte para um montante equivalente a 70% do
valor do benefício. O gasto com policiais e professores, que se aposentam mais
cedo, tem peso relevante nas contas de estados e municípios, que arcam com
despesas com segurança e educação. Caetano observou que as reformas realizadas
até aqui foram benevolentes, com regras de transição para aliviar o peso das
mudanças para quem já estava trabalhando na época — o que minimizou os efeitos
das iniciativas e não assegurou sustentabilidade aos regimes de aposentadoria.
As duas últimas foram realizadas em 1998, com foco no regime geral (INSS) e em
2003, nos regimes dos servidores públicos. Essas mudanças ajudaram a reduzir a
distância entre o regime de funcionalismo e a iniciativa privada, mas não
acabaram com as distorções. No estudo, Caetano ressalta que as principais
regras para os regimes de aposentadoria dos funcionários públicos estão
definidas no artigo 40 da Constituição Federal e se aplicam a qualquer ente da
federação. Portanto, bastaria aprovar uma emenda constitucional, com apoio dos
governadores, explica. A intenção do governo — apresentada no Fórum da
Previdência — é fazer uma reforma mais ampla: com mudanças no INSS e nos
regimes próprios. A ideia é adotar no país um regime único de aposentadoria,
apesar da rejeição das centrais sindicais e do próprio PT.
GASTOS NOS ESTADOS SOBEM HÁ DEZ ANOS
Um estudo do especialista e consultor da
comissão de orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, mostra que a
crise fiscal dos estados tem relação direta com a Previdência e foi estimulada
pelo próprio governo federal. O levantamento mostra que, a partir de 2006, os
gastos com pessoal dos estados entraram em trajetória ascendente. A data, afirma
Rolim, coincide com a chegada do ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno
Augustin, que baixou uma portaria permitindo que estados pudessem abater dos
limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) o déficit com os
regimes de aposentadoria. Com isso, o crescimento real acumulado dos gastos com
pessoal foi de 73%, entre 2005 e 2014. Ele explicou que a LRF permite abater
apenas despesas com inativos, pagas com as contribuições dos servidores e
demais receitas e não déficits. E quando o limite de gastos é extrapolado (49%
para o Executivo e 60% somando todos os Poderes), os entes são obrigados a
tomar medidas para se enquadrar. O ex-secretário Arno Augustin foi procurado,
mas não foi localizado. Em nota, a Secretaria do Tesouro Nacional contesta e
diz que “não houve flexibilização das regras relacionadas ao limite de gastos
com pessoal. Houve, sim (...) a inclusão de orientações mais claras sobre esse
item, com a finalidade de evitar que sejam deduzidas, para cômputo da despesa
total com pessoal, as despesas custeadas com recursos repassados pelo tesouro
do ente quando os regimes de previdência apresentam déficits financeiros”, diz
a nota.
Fonte:
O Globo
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