Brics sem i em tempos de Rio+20

A discussão entre austeridade e crescimento vai dar espaço (provavelmente não muito) ao debate sobre como conciliar crescimento com sustentabilidade. Esse pequeno desvio de foco na pauta econômica global se deve à realização da  conferência Rio+20, que coloca o Rio de Janeiro no centro do noticiário mundial. Além de autoridades, reúnem-se na Cidade Maravilhosa empresários, cientistas e alternativos de todo o mundo, que abordam temas dos mais diversos, sob prismas dos mais esquisitos. Enquanto isso, a Índia, uma das nações que levaram o economista britânico Jim O’Neill a cunhar o termo Bric, defronta-se com a perspectiva de perder o grau de investimento pela agência de classificação de riscos Standard & Poor’s. Dentro do Brics (evolução do acrônimo que inclui a África do Sul), a Índia, provavelmente, é o país que melhor espelha os dilemas atuais não só das grandes nações emergentes, mas de toda a humanidade. Para além da Rio+20, o seu retrocesso coloca em xeque a sustentabilidade do modelo de organização econômica que vêm sendo tentado no mundo, nas últimas décadas.


NO BRASIL, DE ACORDO COM uma pesquisa divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente, 78% dos brasileiros não têm ideia do que seja a Rio+20. Paradoxalmente, a mesma pesquisa aponta que 82% dos entrevistados não querem mais o progresso à custa da depredação ambiental. Provavelmente, na Índia, a confusão e desinformação a respeito da temática ecológica deva ser parecida, senão maior ainda. Atualmente com cerca de 1,2 bilhão de pessoas, a população indiana vem crescendo praticamente um Brasil a cada dez anos – segundo o censo realizado em 2011, o número de habitantes aumentou em 181 milhões na década passada. O Produto Interno Bruto (PIB) nominal do país está na faixa de US$ 2 trilhões (não muito distante do brasileiro), mas a recente e abrupta desvalorização da moeda local (a rúpia) vem surrupiando a estatura da sua produção, quando calculada em dólares. Quando aferido em termos da paridade do poder de compra, no entanto, o tamanho da economia indiana salta para US$ 4,4 trilhões, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
A RENDA PER CAPITA NOMINAL da Índia é baixíssima: US$ 1.500 ao ano, enquanto a renda per capita pela paridade do poder de compra (PPC) não passa de US$ 3.700 anuais. No Brasil, a renda per capita PPC está próxima de US$12 mil por ano. Como referência, nos EUA, essa renda está na faixa de US$ 48 mil ao ano; na Suiça, em US$ 43 mil; em Cingapura; em US$ 59 mil, e em Luxemburgo (movido por serviços financeiros), em US$ 80 mil. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Índia também é medíocre: o país ocupa a posição 134 no ranking global, com IDH de 0,547, enquanto o Brasil está no 84º lugar, com 0,718 de pontuação nesse indicador, que pretende aferir a qualidade de vida em diferentes nações.
TODOS ESSES DADOS SERVEM para mostrar que, embora a economia indiana venha crescendo a taxas que impressionam, ininterruptamente e por mais de uma década – de 2005 a 2010 cresceu acima de 7% ao ano, tendo atingido 10,4% em 2010 –, o país continua acentuando a desigualdade social, sendo que a maioria da população permanece paupérrima. Mesmo assim, os sonhos de inserção no consumo global se mantêm aquecidos, o que vem impulsionando a forte expansão, como acontece em todo o bloco de países emergentes. As incongruências do sistema econômico mundial, que agora cogita incluir sustentabilidade na equação expansionista, saltam aos olhos na Índia. De acordo com o Banco Mundial, o consumo das famílias representou 56,96% do PIB do país em 2010. A pujança dos gastos do consumidor indiano e a sua relevância para a economia do planeta ficam bastante claros em um estudo do think tank McKinsey Global Institute (MGI). Segundo o instituto, o povo indiano, que hoje ocupa o 12º lugar no ranking dos que mais consomem no planeta, saltará para a quinta posição em 2025. Em 2015, diz a MGI, o nível de consumo na Índia igualará o da Itália. É um dado expressivo, principalmente quando considerado que a classe média é formada por apenas 5% da população. Até 2025, porém, a consultoria diz que esta classe corresponderá a 40% dos habitantes do país.
GROSSO MODO, ESTE É O PROCESSO que está em curso em todo o bloco emergente. A inclusão no consumo de uma massa de pessoas que até então esteve totalmente alijada das benesses capitalistas, e que, portanto, está ávida por consumir, é o que tem sustentado o pujante desempenho econômico nesses países, bem como compensado o tranco nas economias de renda mais elevada. Ou seja, o padrão de crescimento econômico que o mundo conhece depende, em última instância, do aumento constante do nível de consumo, seja por meio da expansão da renda (e/ou do crédito), seja via aumento populacional. E é aí que entra a questão da sustentabilidade. Como diz Delfim Netto, não cabem no mundo 10 bilhões de pessoas com renda de US$ 20 mil/ano. A correção da última onda baixista parou em 38,2% (Fibonacci). Caso supere os 56.700 pontos, deve buscar os 57.598 pontos (50%). A média móvel de 200 sessões está em 59.306 pontos. Precisa, no entanto, formar fundos ascendentes para configurar um reversão. Para baixo, as regiões de 54.000, 53.000, 52.480 e 51.800 podem proporcionar enrosco, antes dos 49.432 pontos. A semana abre sob o impacto das eleições gregas. Um movimento brusco para qualquer lado é possível. No caso de uma vitória pró-austeridade, porém, muito já pode ter sido descontado.
MAS O QUE ESTÁ DANDO ERRADO AGORA, que faz a reluzente Índia, um dos portentosos Bric (junto com Brasil, Rússia e China), ser ameaçada de perder o tão almejado grau de investimento, que, na verdade, significaria perder o encanto, ou a atratividade? São vários os indicadores que estão levando agentes do mercado a crer na incapacidade do país de sustentar o ritmo de crescimento nos níveis recentes. Um persistente e crescente déficit comercial, que está em torno de US$ 13,4 bilhões, incomoda. No cerne deste problema está a queda da demanda europeia, que responde por 20% de todas as exportações indianas. A indústria têxtil, que despacha cerca de 70% da sua produção para os Estados Unidos e a Europa, viu suas vendas externas despencarem 10% em abril, em relação a igual período em 2011. Uma das soluções tentadas pelo governo é subsidiar exportadores. Cada vez mais pressionados, os empresários, por sua vez, partem para alternativas mercadológicas. “Atualmente, 40%
das nossas exportações vão para a Europa, mas nós tomamos a decisão de reduzir esta proporção para 25%, com o restante indo agora para países como o Brasil e outros no Oriente Médio”, explica Harsh Piramal, diretor da Morajee Textiles, de Mumbai.
O BRASIL DEPENDE CADA VEZ MAIS da China, que persegue um entrelaçamento da cadeia produtiva de artefatos de alta tecnologia com a Índia, que conta com o Brasil para manter sua indústria têxtil. Enquanto isso, os Estados Unidos estão em campanha pelo ‘reshoring’, termo em inglês para o repatriamento de unidades de produção. Tanto o presidente Barack Obama quanto o seu opositor republicano nas eleições de novembro, Mitt Romney, têm falado repetidamente na promoção do movimento de volta ao ‘made in USA’. Será que esses poderiam ser sinais de uma nova dinâmica econômica global? Seja lá o que for, fato é que os mercados farejam algo de errado no mundo emergente. Com relação à Índia, além do déficit comercial e em conta corrente (que deve chegar a 4,4% do PIB esse ano), o déficit fiscal está em trajetória ascendente, atingindo 5,9% em 2012. Outro motivo de estresse é a dívida soberana de curto prazo, que alcança alarmantes 23,3% do PIB.
PARA COMPLICAR DE VEZ O CENÁRIO, a moeda indiana, a rúpia, enfrenta uma severa desvalorização, tendo cravado o menor valor já registrado frente ao dólar (56,51 rúpias por dólar) no final de maio. Tradicionalmente, períodos de forte queda da rúpia prenunciam perturbações econômicas mais sérias. “Essencialmente, a derrocada da rúpia reflete a vulnerabilidade da Índia a choques externos”, pondera Eswar Prasad, consultor do ministro de Finanças, Pranab Mukherjee. Tal vulnerabilidade vai ficando exposta, em parte pela crise europeia, mas também pela insólita combinação de desaquecimento econômico com inflação, que aflige o país. Essa resiliência dos preços, por sinal, tem sido um denominador comum entre as principais economias emergentes.
EXISTE UM CONSENSO entre analistas de que boa parte do grupo de nações em desenvolvimento empacou, no que concerne a reformas estruturais, que seriam vitais para estender o ciclo de alto crescimento. Talvez a atual janela de oportunidade esteja se fechando. Se este for o caso, é possível que a Índia seja a primeira a cair, em um processo que leve em cadeia outros dos Brics. Ou não, talvez passe a ser Brics sem o i. Difícil é imaginar como seria isso.


Fonte: JC





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