O
impacto da criação de varas ambientais foi o tema da mesa de debates que abriu
o segundo dia do encontro O Poder Judiciário e o Meio Ambiente, na sexta-feira,
na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Para o
desembargador Cândido Alfredo Silva Leal, membro do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região (TRF-4), a criação das varas especializadas em meio ambiente
demonstra a intenção de tornar o Direito Ambiental prioritário para o
Judiciário. “É como se a matéria estivesse numa vitrine”, comparou. Ele
acrescentou, porém, que é preciso aliar a isso a sensibilidade e a criatividade
do julgador. Cândido Leal contou que a inovação surgiu em 2005, na 4ª Região,
que reúne os estados da Região Sul. A proposta foi uma espécie de resposta ao
movimento ambiental, que reivindicava a especialização da jurisdição. Para o
magistrado, a relevância constitucional do tema, a complexidade dos conflitos
ambientais e a possibilidade de criação de mais um instrumento de acesso ao
Judiciário justificam a criação das varas especializadas.
Peculiaridades
Ele
explicou que há ainda uma especificidade em cada vara, a depender das
peculiaridades do local. Revelou que na Justiça do Paraná são comuns os
processos envolvendo Itaipu; em Santa Catarina, é recorrente o tema do uso do
solo em áreas litorâneas; já no Rio Grande do Sul, são frequentes as
contestações sobre caça amadora. O juiz do TRF-4 avalia o papel do juiz como
pequeno, apesar de importante, porque ele não tem a iniciativa: “A proteção do meio
ambiente não depende dele. A ação do juiz só será eficiente se outros agentes
sociais atuarem neste sentido.” Ele relatou que órgãos públicos nem sempre
conseguem proteger adequadamente o ambiente por falta de recursos. Esta
realidade gera descrença na sociedade, o que pode gerar inércia. Para o
magistrado, o exemplo do Judiciário não deve se restringir às suas decisões,
mas alcançar suas atitudes como a gestão ambiental e a responsabilidade social.
Ele afirma que a especialização não é suficiente e não pode ser um projeto
isolado. “Deve haver apoio às varas ambientais, sensibilização e capacitação de
juízes e servidores, e uma atuação socioambiental integrada, com outras
iniciativas e boas práticas”, resumiu. “Temos há 24 anos uma Constituição
consolidada com a ideia de meio ambiente como bem jurídico, mas ainda relutamos
em implementá-la.” A declaração do desembargador Elton Martinez Carvalho Leme, do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), marcou a crítica do magistrado
não só ao Judiciário e aos operadores do direito, mas a toda a sociedade. Em sua
fala, ele tratou da contribuição do Poder Judiciário à conservação da natureza.
“Não condicionamos o nosso comportamento à realidade ambiental. Não
condicionamos o nosso consumo à realidade ambiental”, protestou. Para o desembargador,
o que se tem feito é uma tentativa de redução do impacto ambiental. “Somos – o
homem – um elemento biológico no planeta, aprisionado numa biosfera limitante.
Não nos acostumamos com isso. O mundo não vai acabar, mas a espécie humana
vai”, afirmou Elton Leme, acrescentando que o progresso da sociedade em termos
ambientais tem sido basicamente no campo das ideias. O desembargador salientou que
a matéria ambiental se encontra presente em praticamente todos os ramos do
direito, e defende que, mais importante do que especializar as varas, é levar a
Justiça Ambiental para dentro dos magistrados. “Devemos ter a sustentabilidade
como meta”, recomendou.
Caso Arniqueiras
Ao
tratar do tema A proteção aos mananciais no bioma cerrado, o juiz federal
Alexandre Vidigal de Oliveira, do Distrito Federal, fez um relato sobre sua atuação
numa ação civil pública que mobiliza a capital do Brasil, conhecida como Caso Arniqueiras.
A área hoje ocupada pelo Setor Habitacional Arniqueiras localiza-se a 12 quilômetros
do Plano Piloto de Brasília e foi pensada como um cinturão verde para a cidade.
No entanto, anos de expansão urbana sem planejamento geraram degradação
ambiental. Pela área passa um dos sistemas hídricos mais importantes da capital
do País, de acordo com Alexandre Oliveira. O juiz conta que o governo federal
interveio em 2002, criando a Área de Preservação Ambiental (APA) do Planalto
Central, na tentativa de interromper o crescimento desordenado. Não houve
resposta. Em 2008, o Ministério Público Federal ajuizou ação para combater a
destruição do meio ambiente. O problema já atingia 50 mil pessoas e, ao avaliar
o pedido de liminar para embargar a área, o juiz conta que usou de criatividade
e inovação. “Fiz uma inspeção judicial, acompanhado de todas as partes
interessadas. Precisava conhecer a situação”, disse. O resultado foi
surpreendente: “Alegações nos autos de que se tratava de um exagero do
Ministério Público vieram abaixo. Era nítido o constrangimento das pessoas frente
às cenas de degradação ambiental que víamos.” Ao conceder a liminar, o juiz percebeu
que apenas embargar novas obras não seria suficiente. Ele notificou as
fornecedoras de energia elétrica, água e esgoto, televisão a cabo e telefone
para que não fizessem novas ligações ou consertos no local. Determinou, ainda,
ao Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) e à entidade reguladora
dos corretores de imóveis que comunicassem o embargo aos seus filiados, para que
lá não atuassem.
Questão maior
“A
população, aos poucos, foi entendendo que a preocupação ambiental refletia, na
verdade, uma questão social maior”, ressaltou. “Temos um arcabouço de leis que
dá retaguarda aos implementadores de políticas públicas. Não dá para ficar
omisso. Não há forma de enfrentar o problema ambiental a não ser produzindo uma
crise”. Até o dia 5 de outubro, o caso Arniqueiras deverá ter uma solução, que pode
envolver demolições e ações compensatórias, conforme revelou o magistrado. Presidiu
a mesa do evento nesta sexta-feira Paulo Afonso de Oliveira, juiz auxiliar da
vice-presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS). A
proposta da conferência é promover a conscientização sobre a responsabilidade socioambiental,
propor novos hábitos e posturas que contribuam para a qualidade de vida da
coletividade, além de integrar diversos segmentos da sociedade em prol de
medidas efetivas de conservação e desenvolvimento sustentável. (Com informações
do STJ).
Fonte: JC
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