Faz
anos. fui voar de asa-delta em Chattanooga. Como o vento não é domesticável,
custou muito até que soprasse certo. Esperei longas horas no local de
aterrissagem. Na manhã de sábado, chegou um americano pesadão, em uma
caminhonete abarrotada de madeira. Depois de empilhar as tábuas no chão, tirou
do estojo um teodolito e pôs-se a medir. Curioso, pensei, engenheiro que
descarrega caminhão! Mas. em seguida, munido de uma cavadeira, furou quatro
buracos. Virou o cimento e construiu quatro blocos, para servirem de alicerce
do que prenunciava ser um quartinho. Desapareceu antes do fim da manhã. Como o
cimento precisava secar, só voltou no dia seguinte. Com uma serra circular de
mão, pôs se então a cortar e a pregar as peças de 2 por 4 polegadas que compõem
a estrutura da cabana. Alguns compensados foram içados, para fazer o telhado,
logo coberto de telhas de asfalto. Em seguida, mais compensados para fechar as
paredes. Quando pousei à tarde. a cabana estava pronta, e já desaparecera o
engenheiro-pedreiro-carpinteiro. Um dia de trabalho: uma cabana pronta e
benfeita. Recentemente, vi outra cabana sendo construída, desta vez no Brasil.
Como era apenas para a duração de uma obra, era mais rústica. Foi também feita
de peças estruturais de pinho e compensado hidráulico. Como os esteios foram
fincados no chão. sem cimento, não foi necessário esperar ate" o dia
seguinte. Na prática, levou o mesmo tempo que a americana. Vejam a grande
diferença: a cabana brasileira foi feita por cinco operários! Quando economistas falam de produtividade,
referem-se a uma relação entre o que se aplica na produção de alguma coisa e o
que se obtém ao fim do processo. A produtividade da mão de obra reflete quantas
horas de trabalho foram necessárias para produzir algo — no caso, uma cabana. Como
o senhor americano produz o mesmo que cinco brasileiros, em tempo equivalente,
nesse exemplo concreto, ele é cinco vezes mais produtivo do que o nosso
operário. A graça do exemplo é que. além de ser real. oferece uma situação
rara. em que podemos comparar a feitura de duas cabanas iguais, em um processo
produtivo que depende pouco do restante da cadeia de produção. Quanto valerá
cada cabana? Depende. Se as duas forem vendidas pelo mesmo preço, cada operário
brasileiro ganhará um quinto do que o americano vai ganhar. Se os brasileiros
ganharem o mesmo que o americano, a cabana custará cinco vezes mais. No
primeiro caso, os operários brasileiros permanecem muito mais pobres. No
segundo, o país deixa de ser competitivo pelos altos custos. No mundo real, ficamos
pelo meio do caminho. O exemplo não mede a produtividade brasileira, pois é um
caso isolado. Mas pesquisas rigorosamente conduzidas mostram o mesmo, uma
gigantesca diferença de produtividade entre os dois países. É preciso entender
que medidas agregadas da produtividade brasileira escondem mais do que revelam.
A empresa Gerdau tem aciarias no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo seus
engenheiros, em processos comparáveis, os operários aqui e lá têm exatamente a
mesma produtividade. Ou seja, a improdutividade dos brasileiros não tem o
endereço das nossas boas empresas. Ao lidarmos com os nossos operários, ficamos
irritados com o pouco que rendem. Mas como poderiam saber mais se não houve
quem os ensinasse? Em contraste, os que voltam dos Estados Unidos se revelam
mais produtivos. Nas escolas de lá ou no trabalho. aprenderam certo. Nossa
produtividade é baixa em virtude de inúmeros fatores, amplamente decantados:
portos e estradas inadequados, a hidra burocrática fungando no cangote dos
empresários, impostos complicados e sufocantes, juros altos... Havendo vontade
de liquidar as assombrações burocráticas, bastam canetaços bem aplicados. E.
com bons contratos, empreiteiras resolvem os gargalos de infraestrutura. Esse é
até o lado fácil. O árduo é elevar a produtividade dos muitos milhões de
operários esparramados pelo território e vivendo em mundos distantes das boas
práticas de trabalho. Senai e Senac ensinam certo e mostram o caminho. Mas
capacitar toda essa gente está além dos seus orçamentos. E prosperidade sem
produtividade é miragem impossível.
Fonte: Veja/Claudio de Moura Castro
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