Chamado à razão.

A 11ª edição anual do Doing Business, relatório exaustivo do Banco Mundial sobre as facilidades para gerir empresas e fazer negócios em 189 países, traz o Brasil no desconfortável 116ª lugar, mas que já foi pior. Em 2012, o país ocupava a 130ª posição. Subiu 14 posições, mas devido a mudanças metodológicas feitas pelo Banco Mundial a pedido de vários governos, inclusive o nosso, sobre os critérios de apuração. O mais prejudicial para o posicionamento do Brasil nesse ranking é o que centraliza na maior cidade de cada país — São Paulo, no caso —, a maioria dos índices pesquisados. Um deles, de maior visibilidade, trata do tempo (medido em dias) e do custo (avaliado como percentagem da renda per capita) para abrir uma empresa. Em algumas cidades o processo já leva menos de um mês. No Estado do Rio, a conexão entre os servidores da Fazenda e os da Junta Comercial, num processo não concluído, poderá baixar o tempo de abertura de empresas para menos que 15 dias. Casos assim fizeram o então ministro do Desenvolvimento do governo Lula, Miguel Jorge, mandar carta enfezada a Robert Zoellick, chefe do Banco Mundial na época. Seu sucessor, Jim Yong Kim, nascido na Coréia do Sul e criado nos EUA, atendeu às queixas, que não são só do governo brasileiro, implantando mudanças na metodologia do Doing Business que vão estender-se até o relatório do ano que vem. Uma mudança evidente, que já se notava em outros relatórios, é não dar ênfase ao ranking, mas ao que revelam os quadros analíticos por país. Tais dados são inspiração ao que se pode fazer para promover o desenvolvimento econômico e o bem estar da sociedade. Continuemos com o caso da abertura de empresas: no Brasil, com São Paulo como referência, este ato simples e ao mesmo tempo decisivo para a prosperidade (da tributação da receita e lucro à criação de empregos) exige 13 procedimentos, demora 107,5 dias até o registro (melhorando em relação aos 119 dias apurados em 2012) e custa 4,6% da renda per capita. No Chile, ao lado, são sete documentos e leva 5,5 dias por 0,7% da renda. Por que estorvar o que é de direito: empreender e abrir uma empresa? A resposta define os bem-sucedidos.
Faz quem sabe o que quer
Na própria China, país de economia planificada, abre-se um negócio em menos tempo que aqui, 33 dias. Perdemos a noção da razoabilidade ou nunca a tivemos. Quem sabe o que quer, e a prosperidade é a meta comum, vai atrás do objetivo. A cada ano mais países fazem reformas para ampliar o empreendedorismo. Assim tem sido na África, na Ásia, no Leste Europeu e, depois da crise de 2008, países ricos da velha Europa passaram a revisitar a sua cultura econômica esclerosada. Na cidade-estado de Cingapura, apontado pelo Doing Business como o centro mais favorável aos negócios no mundo, as reformas não param: houve duas novas em 2012. Em alguns países, como México, Colômbia, Chile, Polônia, China, os cuidados com o ambiente de negócios são recorrentes. Mas não há tal disposição no Brasil. Depois da reforma monetária de 1994 e da agenda microeconômica que o ministro Antonio Palocci implantou no primeiro governo Lula (reabrindo, por exemplo, o financiamento da casa própria), não há nada digno de menção.
Empreendedor é mal visto
Em compensação, não passa dia sem que as agências governamentais e os políticos não criem obstáculos à livre iniciativa. Empresários são vistos com desconfiança. Se forem pequenos, não tem tratamento melhor que o de morador de periferia frente à polícia. O Doing Business lista os resultados de 11 indicadores vistos como essenciais para a atividade empresarial fluir sem ônus burocráticos e problemas legais, fiscais, de crédito. Na prática, é um chamado à razão para desobstruir a veia empreendedora da sociedade, sufocada, não raro, por impostos, regulamentos, ativismo sindical. Isso tem limites. Mercado solto age como black bloc. E governo submetido a corporações e a partidos deslumbrados com o poder é como bola de chumbo no pé. Não tem que ser assim, como narra o Doing Business.
Alerta que vem da França
Os países da Escandinávia têm estruturas de Estado enormes, níveis de tributação recordes, e não só os serviços públicos funcionam com perfeição. A Dinamarca desponta em 5º lugar no ranking do ambiente de negócios. A Noruega vem em 9º; Finlândia, em 12º; Suécia, 14º. Já na França, 38º (34º em 2012), com governo inchado, alta carga tributária, previdência falida, os grandes partidos do pós-guerra — o socialista, que é governo, e a direita gaullista —, pela primeira vez perdem na preferência dos franceses, segundo pesquisa do Ifop, para a xenófoba e anti-euro Frente Nacional. É para refletir.
A alforria da Petrobras
O Doing Business não se aplica a grupos gigantes como a Petrobras, mas o represamento do preço da gasolina e do diesel — que a direção da estatal pretende romper com uma política de aumentos que siga o mercado internacional e a variação cambial — demonstra as sequelas das boas intenções. O empreendedorismo sucumbe, em geral, pelo peso de políticas públicas que custam mais do que o suposto benefício. O governo reteve o preço dos combustíveis para segurar a inflação, e criou novas distorções. A Petrobras ficou sem caixa, endividando-se para cumprir o maior plano de investimento de uma só empresa no mundo. Nas cidades, o congestionamento habitual foi sobrecarregado pelo incentivo ao transporte individual. Não bastasse, o leilão do megacampo de Libra, no pré-sal, vai consumir R$ 6 bilhões do caixa para pagar sua cota de 40% na partilha do bônus de assinatura. Se o governo pudesse, tal decisão ficaria para depois. Há outras assim.




Fonte: JC

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