Sem reformas e aumento do investimento e da produtividade, afirma o
Fundo, potencial pode voltar à média histórica de cerca de 3%
Quase
três meses depois de aprovada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou
esta tarde a avaliação anual completa da economia brasileira. A demora reflete
as divergências entre a missão que visitou o Brasil e o governo a respeito do
cenário para o país, evidentes ao longo do relatório. A equipe econômica está
convencida de que os fatores de risco estão concentrados no exterior e de que o
Brasil tem feito a lição de casa, para manter a solidez dos fundamentos e
promover investimentos. Já o Fundo demonstra preocupação acentuada com a
política fiscal, a perda de competitividade, a baixa poupança doméstica, a
inércia inflacionária e a relutância da equipe econômica em fazer reformas
estruturais e abandonar os estímulos do pós-crise. Esses pontos são vistos como
travas à retomada e reduziram em 0,75 ponto percentual o crescimento potencial
do Brasil (capacidade de crescer sem gerar inflação), para 3,5%. Sem mudanças,
esse patamar sequer será alcançado: entre 2014 e 2018, a média de expansão projetada
pelo organismo multilateral é de 3,4%. A missão do FMI visitou o Brasil entre
13 e 24 de maio e a avaliação, chamada de artigo IV, foi submetida à diretoria
em 26 de julho, sendo aprovada. A publicação do relatório só ocorre com a
autorização do país e o Brasil, por não concordar com o tom do Fundo, não a
concedeu. Apenas um resumo foi divulgado em 28 de agosto. Desde então, o
governo negociava com o FMI alterações no documento, que só recebeu aval
brasileiro esta semana. As divergências estão concentradas em políticas sob
responsabilidade do Ministério da Fazenda. “No médio prazo, a projeção é que o
Brasil alcance crescimento potencial de 3,5% (revisado para baixo). Mas mesmo
este potencial mais baixo requer uma escalada dos investimentos (incluindo infraestrutura)
e melhora da taxa de expansão da produtividade. Sem decisivas e amplas
reformas, esforços para impulsionar investimento e produtividade, o potencial
de crescimento do Brasil pode voltar à sua média histórica de longo prazo de
cerca de 3%”, alerta o FMI, que também recomenda aumento da poupança doméstica
pública e privada, para reduzir a dependência de capital externo e conter o
déficit em conta corrente, o que implica em mudanças nas políticas fiscal e
tributária. A equipe do Fundo reconhece a importância do programa de concessões
em infraestrutura e energia (notadamente no setor de petróleo), que vai atrair
mais de US$ 150 bilhões nos próximos 5 anos, para reduzir os gargalos que
travam a competitividade. Mas deixa claro que esta preocupação com
investimentos é “recente” e que o passo não é suficiente. O país precisa
reduzir o custo do trabalho - revendo a política de valorização do salário
mínimo e realizando reformas que flexibilizem o mercado -, diminuir o custo
tributário e da burocracia, realizar reforma da Previdência e resgatar a
credibilidade da política econômica, um dos cernes do abalo recente da
confiança de investidores no Brasil. Neste quesito, o FMI avalia que a política
monetária, tocada pelo Banco Central, retomou o rumo a partir do aperto de
juros iniciado no primeiro semestre deste ano. No entanto, o organismo critica
a política fiscal, que considera abalada pela adoção de contabilidade criativa,
excesso de ajustes para entrega do superávit primário (como descontos de
investimentos do Executivo e das estatais), insistência nos estímulos
expansionistas e os empréstimos aos bancos públicos. Também falta transparência
nas contas governamentais e reconhecimento pleno dos riscos potenciais de
operações como os empréstimos aos bancos públicos, que elevaram fortemente a
dívida bruta brasileira, para preocupação do FMI. Brasil e Fundo têm ainda
metodologias de cálculo diferentes. Nas contas oficiais, a dívida bruta está em
cerca de 59% e nas do organismo, em 69%. “Essas ações começaram a corroer a
credibilidade do arcabouço de política (econômica)”, aponta o FMI. “A equipe
recomenda que se dê prioridade acentuada ao fortalecimento do arcabouço fiscal
que serviu bem ao Brasil na última década. Para isso, aconselhou as autoridades
que adotem uma meta de superávit primário (gradual, de 3,1% do PIB) que permita
menos ajustes discricionários e coloque a dívida bruta firmemente em trajetória
de queda”. O Fundo alerta também para a necessidade de o Brasil reduzir a
expansão da demanda (consumo), ainda muito favorecida pela situação de pleno
emprego, os aumentos reais de renda (incluindo salário mínimo), o crédito farto
dos bancos públicos e os estímulos à economia. A missão considera que a
política fiscal continua desnecessariamente operando sob “a circunstância
excepcional” do pós-crise e executando o papel do Banco Central de gerenciar a
demanda. De acordo com o FMI, o governo brasileiro acredita que a política
fiscal é sustentável e ainda pode ter papel anticíclico. Além disso, informou à
missão que os empréstimos aos bancos públicos serão reduzidos mas de forma
gradual, ou seja, permanecerão entre as ferramentas durante mais alguns anos. O
custo de manter esta orientação, à qual o FMI se opõe, é evidente, segundo a
missão: aumentará a pressão sobre a inflação, contribuirá para a deterioração
das expectativas e dificultará a ação do BC para trazer de volta o IPCA ao
centro da meta (o Fundo projetou mais um triênio de inflação próxima do teto, a
5,8%). Em última análise, este quadro poderá levar a um aperto dos juros severo
o suficiente para minar confiança, investimentos e crescimento. Completam as
pressões sobre a inflação o tempo de maturação de investimentos que ampliarão a
capacidade produtiva, a inércia inflacionária e os efeitos da depreciação do
câmbio, embora o contágio dos preços pelo real mais fraco tenha diminuído nos
últimos anos, diz o Fundo. “A lenta convergência da inflação à meta e as
elevadas expectativas de inflação no médio prazo aumentaram a vulnerabilidade
do Brasil a choques de oferta. Se restrições domésticas à oferta se provarem
mais resistentes do que o esperado, incluindo aquelas inerentes ao mercado de
trabalho, até uma moderada retomada da demanda poderia travar a convergência da
inflação. Inflação elevada por um extenso período afetaria as expectativas,
aumentando indexação e inércia, e aumentaria o sacrifício para trazer a
inflação de volta à meta”.
Fonte: O
Globo
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