Passada
a tensão do governo com o leilão do megacampo de Libra, um evento que reuniu um
único consórcio de quatro petroleiras, afora a Petrobras, mas melhor que o
receio de que não comparecesse ninguém, as atenções retornam para a realidade
da economia, mais salgada que a expectativa de lucros bilionários do pré-sal
daqui a uma década. Até 2027, quando Libra poderá produzir 1,4 milhão de
barris/dia, segundo projeção da Agência Nacional do Petróleo, com a produção
total do país em torno de 4,4 milhões/dia, acima do dobro da atual contagem, o
pré-sal vai impressionar mais pelo desembolso que pela receita e pela
distribuição de 15% de royalties à educação (75% do bolo) e à saúde (25%). O
início comercial da exploração de Libra será gradativo, por volta de 2017, se
não surgir nenhum imprevisto. Até lá, o pré-sal explorado sob o regime de
partilha (que garante à União um naco da produção de petróleo, 41,65% no caso
de Libra, em vez das taxas cobradas no modelo de concessão) não será a riqueza
sonhada pelos governadores e prefeitos que exigiram do Congresso os royalties
repassados nacionalmente. Como em qualquer projeto novo, há o tempo de plantar,
que demanda dinheiro, e o de colher, quando se recupera com lucro, tudo
correndo bem, o que foi plantado. Entre um e outro momento, planejam-se os
próximos passos, o que já não se fez, na medida em que os políticos se
posicionam para gastar por conta do resultado futuro. Eles falaram em educação
de primeiro mundo, associando gasto a qualidade, conceitos sem relação de causa
e efeito, em geral. Meses atrás, o ministro Edison Lobão, de Minas e Energia,
cogitou o ingresso do Brasil no cartel da Opep. Do sal que se tem de comer
antes do mel projetado pelo pré-sal, ninguém disse. O que a operação reserva à
Petrobras, mesmo auxiliada pelos sócios do consórcio (as petroleiras Shell e
Total, que também vão aportar experiência, e as chinesas CNPC e CNOOC, apenas
dinheiro), é uma pancada. Parte está contemplada em seu plano de negócios até
2017, orçado em US$ 237 bilhões, 62% em exploração e produção, sobretudo para
desenvolver o pré-sal e os campos da "cessão onerosa" — forma
"criativa" de a União integralizar em 2010 um aumento de capital em
valor equivalente a 5 bilhões de barris de óleo. Potencialmente, a Petrobras é
uma joia. Mas precisa ser lapidada para vir a brilhar.
Quando a conta não fecha
Com
ou sem o cronograma de exploração de Libra, que com os sócios externos (dois
deles de capital aberto, Shell e Total) deverá ser cumprido à risca, a
Petrobras já estava no teto de seus recursos. A dívida, de US$ 112,7 bilhões, é
a maior do mundo entre empresas com ações cotadas em bolsas — uma restrição
para maior alavancagem, já que a tomada de recursos no mercado é função do
patrimônio líquido. O capital próprio vem em boa parte da geração de caixa, que
sempre foi a grande fonte de custeio de seus investimentos. Mas o preço da
gasolina e do diesel tem sido sistematicamente praticado abaixo do custo de
importação (que é feita não por falta de petróleo, mas de capacidade de refino
vis-à-vis a demanda), e também da necessidade de caixa em relação ao plano de
investimento. Essa conta não fecha, como também a deixa em situação
constrangedora para cumprir o que a lei de partilha exige: que seja operadora
única do pré-sal e tenha 30% no mínimo de todos os contratos licitados.
Pré-sal movido a álcool
Os
interesses políticos do governo com o custo de vida (sobretudo devido ao diesel
utilizado em transportes públicos) e o controle da inflação já criaram
distorções em cadeia. Sem a reposição do caixa, dependente de aumentos
sucessivos da gasolina e do diesel, resta à Petrobras, para bancar o funding
dos investimentos, se endividar, o que, além de caro, é limitado pelo
resultado, e se volta ao caixa. O preço represado da gasolina também limita as
chances do etanol, combustível substituto, mas com eficiência energética menor.
E tem mais: quanto menor o atrativo do álcool, mais produção de petróleo será
queimada no mercado interno. Isso é no way. É a exportação de óleo bruto ou
refinado que vai pagar o desenvolvimento do pré-sal.
Os vieses de longo prazo
O
petróleo nacional fará diferença para a economia se abrir espaço nas contas
externas para a importação de bens essenciais, sobretudo equipamentos e
tecnologia. Mas só haverá uma indústria competitiva se ela for eficiente,
especialmente quanto ao uso de energia. Nos EUA, segundo estudos diversos, o
gasto de energia por unidade fabricada diminuiu ao nível de 1999, enquanto a
economia cresceu 25%, a despeito do renascimento da produção própria de óleo e
gás. Produtividade e preocupação ambiental são vieses de longo prazo no mundo.
É um movimento em que já estivemos na vanguarda com o etanol e as
hidrelétricas. A renda potencial do pré-sal pode ser tanto um facilitador desse
processo como também a sua ruína.
Longa hegemonia ameaçada
A
panorâmica das economias dos EUA e da China indica menos e não mais consumo de
energia desde o choque do petróleo de 1973. O maior impulso vem do aumento da
eficiência dos motores, do abandono de termelétricas movidas a óleo (e também a
carvão) por gás natural e fontes renováveis (eólica, nuclear, solar), regras de
edificação visando maior aproveitamento da iluminação e do calor etc. Tais
transformações, algumas por razão de custo, outras a toque de leis mais
rígidas, a maioria pelo avanço tecnológico e, atualmente, devido a preocupações
ambientais, estão criando outra economia. Nos EUA, maior poluente em volume, e
na China, o recordista per capita, não são ações protelatórias. É isso o que
ameaça a longa hegemonia do petróleo como propulsor da economia moderna. Há
oportunidades e riscos. O pré-sal como agente transformador é benefício. Como
fonte de riqueza passiva e acomodação, é melhor nem cogitar.
Fonte: JC
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