Perdendo o bonde.

Estudos recentes sobre o gasto em pesquisa e desenvolvimento (P&D) sugerem um quadro difícil para a aceleração do crescimento nos anos à frente e a redução da dependência tecnológica dos EUA e da China. No ranking global da publicação científica R&D Magazine, o Brasil está estagnado na 10ª posição, com gasto de US$ 30 bilhões em 2012, US$ 31 bilhões em 2013 e projeção de US$ 33 bilhões para 2014. Em termos de participação sobre o Produto Interno Bruto (PIB), medido pelo método da paridade de poder de compra — para mitigar desvios devidos à flutuação do dólar —, a relação está estática em 1,3%. Nos EUA, como nas economias avançadas, o investimento em P&D está também estancado desde a crise de 2008, mas em nível muito elevado, enquanto na China e na Ásia em geral, exceto Índia, cresce em marcha batida. Os EUA lideram o ranking dos gastos em P&D, com US$ 465 bilhões previstos em 2014, representando participação sobre o PIB de 2,8%, a mesma taxa de 2012. A China vem encurtando a distância. Com US$ 284 bilhões aplicados em pesquisa, equivalentes a 2% do PIB, a China desbancou o Japão do 2º lugar do ranking mundial, em 2011. A esse ritmo de crescimento, 20% anuais nos últimos 20 anos, pouco mais que o dobro do aumento do gasto em P&D dos EUA no mesmo período, ao redor de 2022 estará no topo do ranking, segundo a R&D, com ambos os países aplicando US$ 600 bilhões/ano em pesquisa. Já não dá para os demais países fecharem esse fosso, talvez somente diminuir, mas isso implica ao Brasil, por exemplo, mudança radical de estratégia, e não apenas comprometimento maior de verbas em P&D. O gap já é muito extenso. Hoje, o país investe apenas 11,6% do que gasta a China em ciência e tecnologia aplicada, ou 7,1% dos EUA. No Brasil, embora seja política oficial, P&D ainda é tratada mais como verba para acadêmico publicar tese ou grandes empresas tomarem financiamento a juro barato que meta de Estado. Patentes, produtos e processos inovadores, com exceções, são mais certos do movimento de empresas emergentes, os startups, o que, no entanto, não basta para fechar o fosso tecnológico em relação aos países avançados.
Meta de P&D é quimera
Veja-se a diferença: na China, a intensidade da pesquisa aplicada é parte do Plano Quinquenal, de 2011 a 2015. O objetivo é elevar o investimento em P&D a 2,2% do PIB. Deverá superá-lo, e isso graças à rígida observância de outra meta: a taxa de investimento, que há no Brasil também como lei, 23,2% do PIB em 2015, conforme o Plano Plurianual aprovado pelo Congresso. Só que ninguém liga para isso. No melhor cenário, o investimento chegará a 19% do PIB este ano. E o ministro Guido Mantega promete agora elevá-lo a 24% em dez anos. Sem compromisso firme com o investimento, meta de P&D é quimera.
China se educa nos EUA
Outra diferença notável do avanço científico da China é o método, baseado não apenas na melhora da educação, cujo resultado, embora meritório, é sempre lento. Também há o princípio, segundo R&D, que a eficiência industrial é importante, mas não sustenta por si só o crescimento econômico — verdade desconsiderada no Brasil, em que elevar a produtividade manufatureira é tratada como fim, e vale até atingi-la com depreciação cambial, que nada tem a ver com P&D. Na China, o governo decidiu reformar até 2020 o modelo centrado na produção manufatureira em grande escala e custo baixo para outro em que o foco é a inovação. E o know-how para isso? Os chineses foram buscar onde há: nos EUA e na Europa. É mais que enviar estudantes a universidades de elite (tipo Harvard e MIT), como passamos a fazer.
Hackers roubam segredos
Cerca de um terço dos programas de P&D da China, como conta a R&D, envolve acordos de colaboração com centros de pesquisa dos EUA, e uns 25% com organizações similares da Europa. A R&D nada diz sobre a invasão sistemática de servidores de empresas dos EUA por hackers chineses para roubar segredos tecnológicos. O ex-analista da NSA, National Security Agency, Edward Snowden, hoje refugiado na Rússia, disse ser prática também do governo Obama. O NSA teria espionado a Petrobras e até invadido a rede de e-mails do Palácio do Planalto. Tais iniciativas atestam, embora do pior modo, a distância entre o nível tecnológico das potências e o "resto". Estamos nesse meio, segundo a R&D, ao criticar o "desempenho abaixo das expectativas". E alertar sobre a "forte conexão" entre expansão econômica e P&D, entre criação industrial e estabilidade política e entre tecnologia e satisfação dos anseios da classe média. As conclusões não diferem da Pesquisa de Inovação (Pintec), recém- divulgada pelo IBGE, também constatando estagnação do gasto em P&D. Ele cresce, mas menos que o ritmo já lento do PIB, quando deveria vir na frente para recobrar o atraso. Sem estratégia agressiva de P&D, tudo será mais difícil.
Tributar P&D é nonsense
O investimento em P&D, pela metodologia do IBGE, está estagnado em torno de 0,59% do PIB. A especialista em inovação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Fernanda de Negri, atribui tal evento, em parte, à crise global de 2008, mas há coisa mais séria. A estrutura produtiva centrada em segmentos de menor intensidade tecnológica, baixa escala de produção e poucas empresas de capital nacional em ramos intensivos em inovação, segundo ela, explicam um bom pedaço da defasagem. Adicione-se que aqui, ao contrário até da China, o gasto em pesquisa não chega a ser prioridade empresarial. Mas é raro o país que não o isenta do lucro tributável. Na França, gera crédito tributário. No Brasil, a Receita não é cobrada a ser mais sensível. O próprio governo costuma confundir pesquisa pura e pesquisa aplicada, voltada ao mercado. Já foi pior, mas a mudança é lenta. Então, pagamos à China para lançar um satélite que explode no voo. Um dia eles aprendem. Parte às nossas custas.


Fonte: JC


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