O
governo emitiu, na semana passada, sinais de que pretende mudar a relação com
empresários, e não foi só pela estreia da presidente Dilma Rousseff no Fórum Econômico
Mundial, em Davos, na Suíça. Existe a possibilidade de o Executivo cortar
gastos e ampliar o minguado superávit primário, que, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), não passará de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). A ideia é tentar
fazer a política fiscal ajudar, ou atrapalhar menos, a monetária. Aliás, quanto
a esse segundo ponto, o Banco Central (BC) acaba de divulgar sua ata com uma
eloquência como há muito tempo não se via. Afirmou que a inflação “tem se
mostrado ligeiramente acima do que se antecipava”, sugerindo elevação maior dos
juros. Especialistas em contas públicas consideram impossível cortar gastos em
ano eleitoral. Se o governo quisesse realmente equilibrar as contas públicas,
argumentam, deveria ter feito isso entre 2011 e 2013. Mas agiu no sentido
oposto, reduzindo o superávit e ainda por cima usando artifícios contábeis para
amenizar a queda. Segurar o caixa em ano de campanha soa mesmo implausível. Mas
alguns analistas argumentam que Dilma tem uma vantagem tão confortável em
relação aos prováveis concorrentes nas urnas que pode dar-se o luxo de uma ou
outra medida impopular. Além disso, há que ser considerado, ao lado do ônus político,
o bônus: os votos de eleitores mais ricos e escolarizados, que tenderiam a
ficar com a oposição. Há um terceiro fator: caso o governo não faça nada, arrisca-se
a ver, em plena campanha, o Brasil perder o grau de investimento. O prejuízo
prático mensurável disso seria o aumento do custo da rolagem da dívida. Mas o
efeito imponderável é muito maior, atingindo planos de investimentos e, de modo
mais amplo, a imagem do País. O descontentamento dos empresários é um problema bastante
real, ainda que não tenha contornos explícitos. Eles não costumam manifestar
isso em público. Mas, em conversas reservadas, nunca se queixaram tanto da
política econômica, considerando-se ao menos o período pós-estabilidade
iniciado em 1994. Se Dilma deu sinais importantes em Davos, por enquanto, há um
grande ceticismo por parte do capital.
Aquém do antecessor
Na
visão dos que tocam as empresas, compartilhada por muitos economistas, o Brasil
passou por uma mudança maior depois da eleição de 2010 do que na de 2002.
Aliás, entre Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato de Lula, a
transição foi quase imperceptível. A situação do País era ruim por conta da
desconfiança construída em cima do passivo acumulado no governo FHC – a dívida
bruta atingiu 76,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim do ano – e da
desconfiança que inspirava o Lula candidato. A adaptação de discurso veio ainda
na campanha, com a “Carta aos Brasileiros”, mas não ficou só nisso. Houve
atitudes de peso depois da posse. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci
revelou que, logo no início do governo, levou a Lula opções de um choque mais
forte ou mais ameno na economia. O presidente ficou com a solução mais
drástica. Quando ele subiu pela primeira vez a rampa do Planalto, a Selic (taxa
básica de juros do Banco Central) era de 22% ao ano. Foi elevada para 25% ainda
em janeiro. E chegaria a 26,5% ao longo do ano antes de começar a curva
descendente. Não foi só isso. A política monetária e a fiscal andaram na mesma
direção. O superávit primário encerrou 2003 em 4,25% do PIB, acima do patamar
do ano anterior. Houve, ainda, o esforço no jogo político propriamente dito,
com a aprovação de uma reforma para conter o peso dos aposentados do setor
público. Lula foi um dos presidentes que mais cultivou o diálogo. Graças à sua
experiência sindical, sabia ouvir. E sabia que ouvir não bastava. Percebeu que
era necessário construir em quatro anos as bases de credibilidade que rendessem
dividendos econômicos e políticos, incluindo a conquista do segundo mandato. O
PIB cresceu apenas 0,5% em 2003, mas em 2004 ampliou-se 5,7%. Na média dos oito
anos de Lula, ficou em 4%, bem acima do antecessor (2,3%). No quadriênio que se
encerra em dezembro, Dilma ficará com algo perto de 2%. É bom lembrar que Lula
não manteve o nível de responsabilidade fiscal no segundo mandato. Em 2008, o
superavit primário foi 4,07%. Em 2009, caiu para 2,06%. No governo Dilma,
porém, a situação piorou bastante. Além da queda, houve artifícios. Em 2012,
usaram-se recursos do fundo soberano. No ano passado, ampliou-se o Refis. E
chegou-se a mero 1,5%.
E agora?
Mas,
afinal, o que querem os empresários, os banqueiros e os economistas
pró-mercado? Não esperam, pelo menos em sua maioria, a construção de um Brasil neoliberal,
baseado nos preceitos da escola austríaca. Ainda que haja críticas às
políticas, aceitam, em maior ou menor grau, o fato de que os eleitores
escolheram uma presidente que prega papel ativo do Estado na indução do
crescimento econômico. O problema maior, contudo, é que o conjunto de medidas tomadas
não cabe na arrecadação de impostos, que já não é pequena. É bom lembrar que os
gastos com programas direcionados aos mais riscos superam, em muito, os
destinados aos mais pobres. Assim, cortes não precisam ser injustos. Além da
tesoura, seriam bem-vindas proposições de medidas com efeito de longo prazo.
Reformar a Previdência mais uma vez será inevitável. Quanto antes começar o
processo, melhor. O que os empresários não querem de modo algum é a ausência de
medidas concretas e de compromissos claros. Sem isso, sorrisos e gestos
simpáticos em ano eleitoral podem parecer apenas oportunismo.
Fonte: JC
Nenhum comentário:
Postar um comentário