Ricardo
Villela Marino, executivo-chefe para América Latina do Itaú Unibanco, tocou
música para os ouvidos do público de Davos, ao anunciar que 75% dos brasileiros
estarão na classe média de hoje até 2016. Classe média significa consumo, que
significa bons negócios, e bons negócios são o que mais perseguem os executivos
que compõem a principal clientela do encontro anual na cidade suíça. Mas classe
média numerosa tem uma vantagem adicional, política: "Uma classe média que
se sinta parte da economia contribui para a estabilidade política", diz
Rob Davies, ministro do Comércio e Indústria da África do Sul. Um segundo
efeito político foi apontado por Villela Marino, mas este é no mínimo polêmico:
"Quando os pobres sobem para a classe média, o voto não está mais atado a
benefícios sociais". No Brasil, pelo menos, há inúmeros pesquisas que
mostram que programas de inclusão social atam, sim, o voto aos governantes que
os introduzem ou ampliam. Por essas e outras razões, o tema classe média
permeou duas das sessões de ontem do Fórum Econômico Mundial. A previsão do
executivo do Itaú impressiona ainda mais se somada aos dados que esgrimiu,
depois, o ministro de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri: de 2003 a 2013, 54
milhões de brasileiros subiram para as classes A, B e C. Se a nova classe média
fosse um país, seria o 23º mais populoso, à frente da Espanha, compara Neri. Como
já havia 67 milhões na classe média, pelas contas do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), tem-se que o Brasil está hoje com 121 milhões de
pessoas -ou dois terços da população- na classe média. Se a previsão de Marinho
se confirmar, seriam 39 milhões de uma novíssima classe média, até chegar,
portanto, aos 75% da população. Pelos critérios da Secretaria de Assuntos
Estratégicos, fazem parte da classe média (classe C) famílias com renda per
capita de R$ 291 a R$ 1.019.
ARMADILHAS
O
aumento da classe média, fenômeno mundial, mas particularmente forte na região
da Ásia Pacífico, não traz apenas flores, constataram os debatedores. Para
Enrique García, presidente da Corporação Andina de Fomento (CAF), esse avanço
pode provocar o que os economistas chamam de "armadilha da renda
média". Traduzindo: os pobres têm um ganho de renda, mas estacionam no
novo patamar e dele não conseguem sair. Para essa armadilha, "o calcanhar
de aquiles é a baixa qualidade da educação", diz o executivo da CAF. Uma
segunda questão é o pipocar de manifestações em inúmeras partes do mundo, em
geral tendo como eixo a classe média (nova ou antiga). Maurício Macri, prefeito
de Buenos Aires e único candidato presidencial assumido para 2015, cunhou uma
bela frase de efeito para se referir aos protestos: "Um pobre de hoje é
rico em informação e milionário em expectativas". Logo, sai às ruas para
cobrar dos governos. Os debates não serviram, em todo o caso, para esclarecer o
que, exatamente, é classe média. "É uma definição muito arbitrária",
disse, por exemplo, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo. Neri preferiu
brincar com uma antiga definição americana: classe média seria quem possui dois
carros, dois cachorros e uma piscina. Se é assim, a classe média dos EUA está
minguando, disse Laura D'Andrea Tyson (Universidade da Califórnia, em
Berkeley): "A classe média não se recuperou das grandes recessões".
Fonte: Folha SP
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