Números em transe.

Com perfil pacato, realçado pela fala mansa e jeitão de padre, o ministro da Previdência, Garibaldi Alves, um político experiente do PMDB, surpreendeu ao vir a público para pôr em dúvida a estimativa do deficit do INSS assumido pela Secretária do Tesouro, ligada ao Ministério da Fazenda, na medida do superávit primário de 2014. O deficit oficial foi projetado em R$ 40,1 bilhões, enquanto, segundo Garibaldi, é mais certo que repita o de 2013, de R$ 49,9 bilhões. Ele foi enfático, ao chamar de "completamente irreal" a estimativa da equipe do Tesouro, chefiada por Arno Augustin, o economista mais próximo da presidente Dilma Rousseff, que o conheceu quando os dois atuaram no governo de Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul. Ele, mais que o ministro Guido Mantega, é o artífice dos arranjos das contas fiscais, sobretudo depois de 2011, para simular saldos sob a forma de superavits primários melhores que os efetivos. É isso que muitos economistas chamam, pejorativamente, de "contabilidade criativa". Entre a estimativa do administrador do caixa da Previdência sobre o rombo do INSS e a do Tesouro, encarregado constitucionalmente de banca-lo, há uma diferença de R$ 10 bilhões. Não é pouco. Equivale a 0,2% do PIB, o que reduziria para 1,7% do PIB a meta de superavit primário consolidado do setor público (que inclui 0,35% de economia de gasto pelos estados e municípios). E isso quando há sinais de o orçamento federal estar com receita inflada e despesa subestimada. Garibaldi pode estar certo, embora tenha sido inoportuno, já que a agência de rating mais inclinada a cortar a nota de crédito do país — a Standard & Poor’s — está com uma equipe em Brasília vasculhando as contas nacionais, com foco na consistência dos números fiscais. O governo teme tal veredicto, já que indutor da redução da liquidez externa nas emissões de papéis de divida, além de aumentar o custo. Num momento de mudança da política monetária dos EUA, acumulada a sinais de dificuldade da China para mudar o rumo de sua política econômica, o governo não se pode dar ao luxo de ignorar os sinais de desconfiança. Voluntarismo e suspeita são riscos de alto grau.
Desconforto contábil
Como declarou o ex-ministro Antonio Delfim Netto em palestra nesta terça-feira em São Paulo, distorções como a manipulação das contas fiscais, mesmo coberta de legalidade, como o congelamento de preços administrados (gasolina, diesel, eletricidade) para conter a taxa de inflação, só criam desconfiança. Tais coisas estão na origem do "desconforto com o governo", disse. "Foi demais até para mim, que apoiava o governo", disse, referindo-se aos chutes do Tesouro. O resto de apoio que o governo encontra em lideranças industriais foi posto em xeque pelo pacote divulgado para evitar o colapso das distribuidoras de energia (pelo uso intensivo de termelétricas, que geram eletricidade a um custo muito maior que as hidrelétricas) e a piora das contas fiscais, sem o correspondente aumento de tarifa.
Rabo balança o cachorro
O Tesouro propôs e o governo topou levar um ente privado, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, a contrair um empréstimo no mercado para ajudar as empresas do setor, ressarcindo-se depois, em 2015, quando as tarifas vão subir. Muito estranho, pois o estatuto da tal Câmara não faculta o que diz o Tesouro. Além disso, sem aval público, dificilmente encontrará quem a financie com tal propósito. Se confiança é o valor que o governo busca reaver, a contabilidade fora do arroz com feijão não a trará de volta. E sem confiança, diz Delfim, o crescimento vai patinar numa taxa muito baixa. O governo sabe disso, tanto que reagiu à duvida sobre o deficit do INSS com a divulgação de que o rombo no bimestre foi de R$ 7,2 bilhões, 25% menor que em igual período de 2013, graças a repasses do Tesouro. É o rabo balançando o cachorro, como se dizia antigamente.
A "santidade" violada
A rigor, segundo estudo em andamento da consultoria LCA, há razões para o deficit do INSS este ano tender à projeção do Tesouro, não ao número do ministro da Previdência, considerando o menor reajuste do salário mínimo e a continuidade das formalizações do emprego. Além disso, a receita previdenciária pode elevar-se com a entrada em vigor da folha de salários digital, o eSocial. Ela vai unificar o recolhimento dos encargos sociais e dificultar a sonegação. Não é que a Previdência prescinda de reformas, mas no curto prazo talvez seu deficit seja menor do que Garibaldi sugeriu. Só que, depois de violada a "santidade" das contas fiscais e ninguém ser punido, tudo mais é visto com suspeita. E vai custar caro refazer a confiança.
Até tu, dona Gleisi?
Com a economia pisando em ovos, embora mais por ações de política econômica que por fraquezas intrínsecas à atividade empresarial, os representantes do governo deveriam ser mais cautelosos. A senadora Gleisi Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil até o inicio do ano, deu uma de Garibaldi, por exemplo, ao por em duvida, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o índice, chamado de deflator, usado pelo IBGE para calcular a variação real do PIB. Ele tem sido maior que a inflação pelo IPCA. Para ela, o deflator deve estar superestimado, o que levaria o IBGE a subestimar o PIB. Não há nada disso. Como explica o economista Fernando Montero, os bens públicos entram na conta do PIB pelo custo médio, aproximado pelos aumentos muito fortes dos salários do funcionalismo em anos recentes. Além disso, ganhos de troca com exportações têm impactado mais o valor real do PIB que as importações. É apenas metodologia. Preocupa pensar que tais coisas sejam desconhecidas, ou mesmo tema de discussões, pelo escalão superior do governo.




Fonte: JC

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