Brasil passa a ser
vanguarda na defesa dos direitos dos internautas
Especialistas
ouvidos pelo GLOBO afirmam que o texto do Marco Civil da Internet, aprovado na
terça-feira no Congresso, oferece uma oportunidade de regular a internet de maneira
equilibrada, mesmo com modificações. Na verdade, o que o texto garante é que
não haja mudança significativa na vida dos internautas. De acordo com o
advogado Ronaldo Lemos, um dos diretores do Instituto de Tecnologia e Sociedade
(ITS), no Rio, e colaborador de primeira hora na redação do projeto, a primeira
versão do texto era mais firme. — Mas é claro que, de lá para cá, ele entrou na
vida política do Congresso, e foram feitas mudanças para obter apoio. No
entanto, considero que o texto atual ainda é positivo e favorece a neutralidade
da rede — diz Lemos. — Ele impedirá coisas como a Netflix pagando a Comcast nos
EUA para ter conexão privilegiada. Isso, sim, fere de frente a neutralidade,
que já não existe por lá. Segundo Lemos, o fim da obrigatoriedade de guarda de
dados em servidores locais é bem-vindo no projeto.
—
A obrigatoriedade criaria mais um custo para as empresas e poderia afastar
novos empreendedores, atrapalhando a inovação no país. O dever de um marco
civil para a grande rede é livrá-la de distorções futuras. É o que indica Joe
McNamee, diretor executivo da European Digital Rights (Edri), organização não
governamental que defende direitos civis na internet.
—
Sem a garantia da neutralidade, se você quer pôr algo on-line, nem todo mundo
poderá ver esse conteúdo numa realidade em que os grandes players podem obter
acesso privilegiado via grandes provedores — afirma McNamee. Para o advogado
Renato Opice Blum, especializado em Direito Digital, embora o texto do Marco
Civil esteja correto no geral, parte dele já constava da Lei Geral de
Telecomunicações, por exemplo.
—
Mas na neutralidade considero que ele oferece um equilíbrio — diz. — Já o fim
da obrigatoriedade da guarda de dados aqui é um alívio, porque não se justifica
a ideia, dada a própria arquitetura da internet.
Celeridade na tramitação
O
sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, representante da sociedade civil no Comitê
Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), destaca que a aprovação do Marco Civil
coloca o país na vanguarda na defesa dos direitos dos internautas. Em outros
países, quando se discutem marcos legais para a rede, normalmente é no sentido
de criminalizar o usuário, em vez de protegê-lo. Partícipe dos debates desde o
início, o especialista é crítico das emendas que foram sendo colocadas no texto
original e pede por celeridade na tramitação do projeto, pois, com a
aproximação do período eleitoral, as operadoras podem aumentar o poder de
influência entre os congressistas.
—
O texto foi piorando ao longo do tempo, mas ainda é aceitável — afirma. Para o
advogado Daniel Pitanga, especialista em Direito Digital, a aprovação do Marco
Civil é apenas o primeiro passo no sentido de uma ordenação legal da internet
no país. Ele destaca o artigo 20, que trata da retirada de conteúdos do ar.
Além de criar exceções, o texto não trata de questões de direitos autorais, que
serão reguladas por legislação específica. Patricia Queiroz, professora de
Direito da Faculdade Mackenzie, comemora a aprovação, mas lembra a necessidade
de o internauta se informar.
—
Você tem direitos e deveres, mas deve conhecê-los. A lei garante a privacidade
dos dados dos internautas, mas quem lê os termos dos serviços de internet?
Relator do Marco Civil da
Internet explica principais mudanças no projeto
Para Alessandro Molon, manter a
neutralidade de rede e preservar privacidade dos usuários são pontos
fundamentais.
Prestes
a completar seu primeiro mandato como deputado federal, Alessandro Molon
(PT-RJ) pode obter hoje sua maior conquista na Câmara: a aprovação do Marco
Civil da Internet. Desde 2011, quando a proposta foi enviada ao Congresso pelo
governo, Molon é o responsável pela relatoria da matéria. Ao longo desses mais
de três anos, foram feitas inúmeras alterações no texto original e houve longas
negociações para a proposta, enfim, chegar à votação prevista para a noite
desta terça-feira.
Em
entrevista para o GLOBO, Molon explica as principais mudanças que o marco trará
para os internautas e minimiza a concessão feita pelo governo nas últimas
semanas, quando abriu mão que as grandes multinacionais da rede, como Google e
Facebook, instalassem servidores no país. Para o deputado, o fundamental é o
fato de ter sido mantida a chamada neutralidade de rede - que impede que os
provedores alterem a velocidade de acesso de acordo com o conteúdo - e a
preservação da liberdade de expressão e da privacidade dos internautas.
O que vai mudar para o usuário
com a aprovação do Marco Civil da Internet?
O
Marco Civil traz muitos avanços para os internautas brasileiros. Em primeiro
lugar, fica reforçada a liberdade de expressão dos internautas brasileiros na
internet. Há uma série de medidas que dão mais força à palavra e à opinião de
cada internauta na internet, protegendo essa liberdade de expressão. Em segundo
lugar, o Marco Civil protege de maneira muito forte a privacidade dos
internautas. Hoje, quase não há regras de proteção da privacidade, e a
navegação dos internautas, sem que ele saiba, lamentavelmente tem sido gravada,
analisada e vendida, violando o seu direito de navegar sem que ninguém saiba o
que ele lê e o que ele acessa na internet. O Marco Civil vai trazer uma série
de garantias e proteções à privacidade do internauta brasileiro. E por fim, a
garantia da neutralidade da rede: ou seja, a garantia de que o usuário vai
poder acessar sem que ninguém escolha por ele o que ele quiser. Sem que a
velocidade de acesso dele a determinado conteúdo seja reduzida ou seja aumentada
em função das preferências do seu provedor de conexão. Tudo tem que ser tratado
de maneira isonômica, igualitária, para que a liberdade de escolha do usuário
seja protegida.
Hoje essa neutralidade não é
assegurada?
Hoje
no Brasil a gente tem neutralidade graças à força de uma resolução. Nos Estados
Unidos era assim também, só que a resolução foi derrubada na Justiça
norte-americana com o argumento de que ela tem que estar garantida em lei. Aqui
no Brasil nós estamos dando um passo que dá muita força á neutralidade da rede,
colocando na lei, o Marco Civil da Internet, a garantia dessa neutralidade.
Muita gente tem dúvida se a velocidade de acesso às informações não cai, por
exemplo, quando o internauta acessa um vídeo. Muita gente desconfia de que isso
aconteça. Isso passa a ser ilegal com a aprovação do Marco Civil da internet. O
Marco Civil não vai prejudicar contratos celebrados, atos jurídicos perfeitos,
mas o Marco Civil vai garantir aos internautas que serão eles que escolherão o
que acessar, quando acessar e como acessar sem que ninguém interfira nessa sua
liberdade de escolha.
O artigo 20 é último ponto
polêmico. Qual a posição do senhor?
Nós
defendemos fortemente o artigo 20 como todo o resto do marco civil da internet.
E ele é fundamental por uma razão muito simples: é ele que garante a liberdade
de expressão. Ouvi dizer que partidos de oposição vão tentar derrubar o artigo
20. Isso seria um ato contrário à liberdade de expressão na internet, um ato
contrário ao combate à censura. Se o artigo 20 for derrubado, não tenham
dúvidas os internautas brasileiros de que quem o derrubar estará contribuindo
para a censura na internet. Por isso nós não aceitamos negociar o artigo 20.
Por que ele é fundamental?
O
artigo 20 estabelece que não cabe ao provedor de conteúdo escolher qual
conteúdo fica no ar ou sai do ar. Não deve ser obrigação dele decidir quais
manifestações dos internautas são legais ou ilegais, se são livre opinião ou se
são, por exemplo, algum ataque a quem quer que seja. Isso é tarefa da Justiça.
À Justiça é que cabe dizer o que é legal ou ilegal. E é isso que o artigo 20
garante. Se ele for retirado, vai se fortalecer uma prática de censura privada
no Brasil. Ou seja, se passar uma emenda que eu vi ser preparada por um partido
de oposição, se um provedor de conteúdo - uma rede social, por exemplo -
receber uma notificação de alguém que se sinta incomodado por qualquer
comentário de um internauta e não retirar esse conteúdo passará a responder por
ele. Com isso, é evidente que as redes sociais vão preferir retirar todo
conteúdo que seja alvo de notificações e a palavra do internauta não vai
permanecer livre na internet. Vai acabar sendo censurada, numa forma de censura
privada.
A presidente Dilma havia
colocado a obrigatoriedade de servidores no Brasil como uma resposta à
espionagem americana. Esse foi o ponto mais importante em que o governo aceitou
ceder. Com isso, a presidente sai enfraquecida nesse processo e o Marco acaba
sendo mais da sociedade civil?
O
Marco Civil sempre foi um projeto da sociedade civil brasileira. Ele foi
preparado e apresentado pelo governo após uma ampla consulta e participação,
que inclusive ontem foi mencionada pelo criador da Web, o Tim Berners-Lee, que
fez referência a esse processo colaborativo, participativo que deu origem ao
Marco Civil. Se o Marco Civil for aprovado da forma que está, o governo sai
muito fortalecido também com sua aprovação, porque vai mostrar que é um governo
sensível àquilo que a população quer. A aprovação do Marco Civil será uma
vitória da sociedade brasileira e também do governo brasileiro, que ouviu e
apresentou ao Congresso o que a sociedade pediu.
Fonte:
JC
Nenhum comentário:
Postar um comentário