Decisão que decreta falência pode ser revertida por meio de ação rescisória

Uma empresa que teve a falência decretada pode propor ação rescisória para tentar reverter a quebra. A medida foi autorizada ontem pelos ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os magistrados analisaram o tema por meio de um pedido apresentado por proprietários de uma empresa de laticínios de Minas Gerais. A ação rescisória é usada para desconstituir uma decisão transitada em julgado (encerrada) e não tinha competência para julgar, estava impedido ou ainda decisões que violaram, de forma expressa, alguma norma. No recurso que foi apresentado ao STJ, os proprietários alegaram que a falência da Vim da Vaca, a empresa de laticínios, foi decretada mesmo diante de irregularidade do protesto para fins falimentares.
A intimação, afirmaram, ocorreu por telefone e não por correspondência, como prevê a Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005). Como, para os proprietários da companhia, teria havido violação à lei - uma das hipóteses previstas no Código de Processo Civil (CPC) - o instrumento da ação rescisória poderia ser utilizado para anular a decisão. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), que julgou o pedido na origem, os desembargadores extinguiram a ação sem analisar o mérito. Eles consideraram que a rescisória não seria o instrumento adequado ao caso porque a Lei nº 11.101, no artigo 100, prevê que, contra a sentença que determina a quebra da companhia, cabe um outro tipo de recurso, o agravo de instrumento. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, concordou com o entendimento dos desembargadores mineiros em um primeiro momento. Ela havia vetado o uso da rescisória em decisão monocrática que foi proferida no mês de abril. Ao levar o caso para o julgamento na turma, no entanto, mudou de opinião (REsp 1780442).
No julgamento de ontem, a ministra afirmou não haver qualquer impedimento. Nancy Andrighi disse, ao votar, que o Código de Processo Civil vigente na época em que a empresa apresentou a ação, no ano de 2013, definia a rescisória como cabível contra “sentença de mérito” transitada em julgado, o que considerou tratar o caso envolvendo a empresa mineira. “A decisão que decreta a falência possui natureza de sentença constitutiva, pois sua prolação faz operar a dissolução da sociedade empresária, conduzindo à inauguração de um regime jurídico específico”, afirmou em seu voto a ministra. Nancy Andrighi acrescentou ainda que a previsão legal para o cabimento do agravo de instrumento para a hipótese de decretação da falência deve-se à peculiaridade do procedimento, que é “dividido em fases”, mas isso não significa um impedimento para a apresentação de ação rescisória. O entendimento da relatora foi seguido de forma unânime na turma. Com a decisão, o caso deverá retornar ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais para que tenha continuidade e os desembargadores julguem o mérito.
Havia notícias, até agora, de um único caso sobre esse tema na Corte. A mesma 3ª Turma, em 2015, também permitiu o uso de ação rescisória por uma empresa que teve a falência decretada. Esse caso (REsp 1126521) envolveu a empresa Manocenter Comércio, de Mato Grosso. “Dizer que o falido não pode propor ação rescisória contra o decreto falencial é dar uma extensão que a lei não deu”, afirmou, na ocasião, o relator do caso, ministro João Otávio de Noronha, que hoje ocupa o cargo de presidente do STJ. A decisão se deu por maioria de votos. Especialista na área, Ronaldo Vasconcelos, sócio do escritório Lucon Advogados, atuou para a companhia na época. “Estamos falando de um remédio excepcional. Tem que ser algo muito grave para entrar”, diz. “Trata-se, por si só, de instrumento raro e se torna ainda mais raro quando falamos do seu uso para a falência”, acrescenta. O advogado afirma que a doutrina, há muito tempo, entende pelo cabimento desse instrumento e que o STJ, nas duas ocasiões, confirmou isso. Ele chama a atenção, no entanto, que a empresa, depois de ter a falência decretada, se deteriora de forma muito rápida e que a ação rescisória, mesmo permitida pelo Judiciário, acaba não tendo efeito sobre a atividade econômica. “Porque não dá para imaginar que uma decisão proferida cinco anos depois vai resolver”, frisa Ronaldo Vasconcelos, acrescentando que, para manter a empresa ativa, o problema teria de ser resolvido entre três e seis meses, no máximo. 



Fonte: Valor Econômico


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